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TRABALHAR ATÉ MORRER
Karoshi: como o capitalismo mata os japoneses de tanto trabalhar
Fernando Pardal

No Japão, o capitalismo encontrou uma forma de desenvolvimento das mais perversas, criando uma sociedade de consumo com uma disciplina implacável que tem levado a centenas de mortes causadas por, literalmente, excesso de trabalho. O fenômeno é tão comum que tem um termo próprio para designá-los: karoshi, que significa, literalmente, "morte por excesso de trabalho".

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Pelo menos desde os anos 1960 o Karoshi é um conceito instalado na cultura nipônica. Foi quando a morte causada em decorrência do excesso de trabalho se tornou um fenômeno tão comum a ponto de merecer uma designação própria que a identificasse. O primeiro caso oficialmente reconhecido foi em 1969, com um trabalhador do departamento de remessa da maior companhia de jornais do Japão que sofreu um derrame. De lá para cá, evidentemente, o problema só piorou.

Atualmente, são centenas de mortes oficialmente designadas como karoshi todos os anos no país. As formas como isso ocorre são variadas: infartos, derrames cerebrais (AVC), excesso de medicamentos ou até o suicídio. O que todas têm em comum é seu desencadeamento pelo trabalho excessivo, condicionado por um capitalismo desenfreado e uma cultura de disciplina férrea. É a mesma causa, por exemplo, que leva o país a ter um dos maiores índices de suicídio entre jovens na idade escolar, que se destroem diante do peso da competição.

Um exemplo de karoshi é o caso de Matsuri Takahashi, funcionária da agência de publicidade Dentsu. No natal de 2015, aos 24 anos, Matsuri cometeu suicídio. Nos meses que antecederam sua morte ela havia acumulado mais de 100 horas extras e no momento de sua morte se encontrava em estado de privação de sono.

Em uma reportagem da BBC, Makoto Ihawashi, funcionário de uma organização que dá apoio psicológico telefônico para pessoas que passam por situações limite no trabalho, afirmou:

"É triste, porque esses jovens profissionais acham que não têm alternativa", diz Iwahashi à BBC. Ou você pede demissão ou trabalha 100 horas. E se você pede demissão, você não consegue viver".

Assim, torna-se nítido que o aumento da rotatividade no trabalho, as ameaças de perda de emprego, os efeitos da crise são fatores de agravamento do Karoshi nos últimos anos. E isso que Ihawashi corrobora dizer que: "Havia karoshi nos anos 1960 e 70, (mas) a diferença é que, ainda que eles tivessem que trabalhar por muitas horas (naquela época), eles tinham emprego garantido para a vida. Não é mais o caso."

É impossível saber precisamente quão abrangentes são os casos de karoshi na sociedade japonesa, mas certamente estão muito acima das centenas de casos notificados oficialmente a cada ano. Isso é facilmente compreensível se analisarmos alguns números da máquina de moer gente que é o mercado de trabalho no país: cerca de um quarto das empresas possuem funcionários com cargas de trabalho que ultrapassam as 80 horas semanais; em 12% das empresas os funcionários fazem mais de cem horas extras por mês. Legalmente, os japoneses têm direito a 20 dias de férias por ano, mas 35% deles não tiram nem um dia sequer. A média de um trabalhador japonês é de duas horas extras de trabalho por dia; é muito comum que não haja remuneração por esse trabalho a mais.

Segundo estudos realizados no país, foi comprovado um grande aumento da possibilidade de morte por estafa a partir de 80 horas extras semanais. Absurdamente, não existe sequer um limite legal para o número de horas extras que se pode fazer no país. Isso é um sinal verde para que os capitalistas induzam a competitividade entre os funcionários e façam pesar a espada da ameaça de demissões sobre sua cabeça constantemente, obrigando-os a trabalhar cada vez mais. Há no país uma "tradição corporativa" em que um funcionário saia do escritório antes de seu chefe ou de seus colegas é "mal visto"; ou seja, sujeito a ser descartado em nome de outro que "honre" o nome da empresa.

Frente a isso, o governo apresenta a desumana proposta de limitar a 60 horas extras mensais o teto legal, mas com a possibilidade de que seja aumentado para 100 horas extras mensais em "períodos de maior demanda". Um teto que até mesmo as pesquisas já mostraram que é o suficiente para matar. Ou seja, na prática o governo quer deixar as práticas trabalhistas comandadas pela "mão invisível" do mercado e da "tradição" para trás, e incluir na letra da lei uma regulamentação digna do século XIX, em que obrigar um funcionário a fazer cem horas extras e morrer não poderá acarretar sequer um processo legal, já que está "dentro da lei".

Para quê? Para produzir mais e mais, criando uma montanha de bens de consumo descartáveis, para manter uma conduta socialmente aceita, para manter os lucros milionários das empresas sempre em alta. São os efeitos de uma sociedade capitalista levada às últimas consequências. E, em um país como o Brasil onde hoje está a caminho da aprovação a proposta de que "o negociado prevaleça sobre o legislado", se abre caminho para que a imposição por horas extras seja cada vez mais frequente. Se é verdade que já vimos aqui casos recorrentes de morte por exaustão em meio a trabalhadores rurais, onde a legislação trabalhista raramente é cumprida, a reforma trabalhista de Temer é um convite para que o Brasil importe o fenômeno do karoshi para suas terras.

 
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