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TV GLOBO
Estreia de Amor & Sexo: Feminismo na TV?
Tatiane Lima

A TV Globo estreou nessa quinta, 26, a décima temporada de Amor & Sexo. O tema do programa foi o feminismo e para isso contou com produção artística, roteiro e convidadas específicas como Karol Conka, Gaby Amarantos e Djamila Ribeiro. Os debates abrem espaço a uma visibilidade da questão de gênero, mas qual o interesse da Globo por trás disso?

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Feminismo na telinha de milhões
Com a frase “Pra começar a gente acredita na igualdade entre homens e mulheres. Pra quem não sabe isso é feminismo. Simples assim”, Fernanda Lima apresentou uma defesa do feminismo. O tom dessa edição foi marcado na performance inicial, na qual, evocando a famosa queima de sutiãs da década de 60 nos EUA, as convidadas e bailarinas atiravam seus sutiãs a um barril com fumaça e diziam frases feministas de protesto como “Pelo prazer de ser uma mulher homossexual”, “A minha roupa curta não é um convite pra você”, “Mulher preta não é só sexo”, “Eu não preciso vestir 36”, “Eu não mereço ser estuprada” e “Drags, trans e travestis, direito é bom. Não à LGBTfobia”.

E o programa continuou com o debate tratando a sexualidade da mulher, a subjugação sexual ou a hipersexualização, as diferenças com relação a mulheres negras e brancas, a violência sexual e os insultos. As participantes defenderam o direito à decisão da mulher com relação ao seu próprio corpo, falaram sobre a ressignificação de palavras que antes eram usadas como xingamento e discutiram sobre a imposição do padrão “bela, recatada e do lar”.

Um dos quadros, o “machista em desconstrução”, com a participação do Eduardo Sterblich, foi um meio de abordar também a discussão sobre o “empoderamento” das mulheres, com a pergunta sobre a diferença salarial das mulheres com relação aos homens para trabalhos iguais ou a pergunta sobre a quantidade de cadeiras ocupadas por mulheres na Câmara de Deputados do Congresso Nacional.

O programa também contou com a participação de uma membra da Marcha das Vadias e Denise Prada, uma “profissional do sexo”, que falou da sua luta pela regulamentação da prostituição. Além das discussões teve uma homenagem à cantora Elza Soares, que cantou com a Karol Conka.

Globo: Capitalista e feminista?
Parece ter sido uma surpresa generalizada assistir na TV Globo um programa tão abertamente feminista e progressista como esse, onde não só a liberdade sexual, mas a violência e o poder de decisão das mulheres foram debatidos. Sem dúvidas, em um momento nacional onde existe um fortalecimento de setores ultra-conservadores na política, que buscam impor com seus projetos de lei limites aos nossos direitos elementares, como o de ter o debate de gênero e sexualidade nas escolas ou o combate à violência machista que mutila e assassina as mulheres, um programa como esse é um contraponto.

A forte disputa de narrativas e uma subjetividade feminina anti-opressão que vai alcançando setores de massa da opinião pública pode explicar porquê a Globo investiu em um programa como esse, mas não o explica completamente. Somos todos feministas? Não é uma contradição que uma mídia tão poderosa como a Globo, que manipula as informações e muitas vezes condena os movimentos sociais (como fez ao apoiar o golpe institucional), se coloque como uma apoiadora do feminismo? Se olharmos programas internacionais promovidos por altos setores imperialistas como a ONU, seu programa “He For She” (que premia instituições que possuem políticas para “erradicar” desigualdades de gênero), por exemplo, vemos que não tem contradição alguma. Também quando vemos campanhas de multinacionais como a AVON podemos perceber isso.

A pauta das mulheres interessa muito a algumas multinacionais ou mega empresas como a rede Globo. Não à toa, pois somos uma porção fundamental da força de trabalho, estamos no centro das famílias e também somos um alto número de eleitoras. Trata-se de um interesse não só econômico, mas acima de tudo político. Não reproduzir um discurso machista ou violento é importante aos que buscam ser bem aceitos pelos setores de mulheres que questionam o machismo. Mais que isso, sair em “defesa” das mulheres é algo que se tornou recorrente, a imensa quantidade de propagandas reformuladas e até consultorias feministas para empresas, como faz o Think Olga mostram isso. Mas essa é de fato uma defesa nossa, a favor dos nossos direitos?

Dois temas tratados no programa Amor & Sexo dessa quinta são importantes para aprofundar essa reflexão: A questão da diferença dos salários e o debate sobre o “empoderamento”.

O fato de nós mulheres em média ganharmos cerca de 30% a menos que os homens talvez seja a mais ilustrativa afirmação de que a sociedade é machista, a despeito da defesa contrária de Kim Kataguiri que respondemos essa semana em vídeo. Isso acontece porque gera mais lucro aos capitalistas rebaixar os salários em geral ao nivelar por baixo pelos nossos, além de criar uma divisão entre as mulheres e homens, para que não se unam contra esse problema. Esses capitalistas reforçam também a reprodução do machismo nos lares, já que as mulheres são as responsáveis pelo trabalho doméstico para garantir que todos possam trabalhar limpos e alimentados sem um custo a mais para os empresários. Não a toa sem lançar uma resposta que de fato seja capaz de resolver essa situação, sem questionar a exploração das empresas, o assunto no programa passou direto para um outro fato, a questão da baixa quantidade de mulheres em cargos de chefia e o empoderamento.

Empoderamento: visibilidade, individualização ou emancipação?
Quando falamos de empoderamento podemos estar discutindo muitas coisas, podemos estar mostrando como nos fortalecemos ao impor debates que dizem respeito à igualdade de direitos e o respeito às diferenças há séculos abafados, mas também pode significar uma armadilha que retira uma perspectiva de emancipação social profunda.

É entusiasmante ver um monte de mulheres falando abertamente contra o machismo em rede nacional. Ainda mais em um canal aberto de massas e quando também repercutiu recentemente nas mídias nacionais casos importantes de feminicídios, como o da Isamara de Campinas, que apesar de chocar todo o país ainda encontra resistência por parte de setores de direita de ser reconhecido como um assassinato por questão de gênero, como Diana Assunção denunciou nesse vídeo.

Isso e cada combate que as mulheres dão contra o conservadorismo é o que positivamente é chamado de “empoderamento”. Mas não só. A armadilha aparece quando essa visibilidade é canalizada para uma individualização da resposta à opressão. Ela é lançada pelos grandes capitalistas “feministas” e por redes de comunicação burguesas como a Globo.

As mulheres assumirem mais cargos de chefia, ganharem salários maiores não é o problema em si, a questão é que isso pode resolver isoladamente a questão de alguns salários e privilégios individuais, enquanto a imensa maioria das outras mulheres estarão na posição subalterna e superexplorada. “Ah, então você está defendendo que todas fiquemos nesses cargos subalternos e sejamos exploradas pelos homens?”. Não. Nós podemos nos organizar coletivamente nos locais de trabalho, junto aos homens inclusive, para que nossos direitos sejam alcançados, coletivamente.

Essa discussão também chegou à afirmação de que as mulheres devem assumir mais posições dentro dos cargos de poder do Estado, como as cadeiras da Câmara de Deputados, nas palavras que usaram no programa “Devemos votar em mulheres, para que elas governem. Nós mulheres temos que votar em mulheres”. O nosso exemplo de uma mulher presidente mostra que a questão não é aí também individual. As mulheres podem ser porta-vozes dos nossos direitos ou não, podem organizar políticas públicas que nos favoreçam ou não e o quanto isso estará ligado a nossa emancipação não dependerá de uma ou mesmo das 513 cadeiras ou quem as ocupa. Dilma não significou um avanço para a emancipação das mulheres, nem mesmo as demandas históricas das feministas do PT ela atendeu, como o direito ao aborto legal, seguro e gratuito. “Ah, mas então você prefere o Temer?” Não, essa não é uma discussão sobre sentarmos e escolhermos quem falará por nós. Mulheres no poder institucional carregam ideias de seus grupos políticos (e não são marionetes, não se trata disso, são muitas vezes sim convictas e distantes das nossas necessidades). Devemos nos apoiar e estar ao lado das milhões de mulheres que tomaram as ruas por seus direitos, como as que lutaram por “nenhuma a Menos” na América Latina ou as que tomaram as ruas do mundo no sábado 21 contra Trump.

Como vimos também nos EUA, a suposta defesa das Mulheres de Hillary contra Trump é também uma mostra de como usurpam nosso movimento em prol dos seus próprios interesses, que são as bases da nossa opressão. Também na Alemanha com Merkel no poder, vejamos a barbárie contra as mulheres na crise da Grécia ou a situação das mulheres que imigram pela guerra e não são acolhidas.

Devemos usar cada brecha, cada espaço para defender nossas demandas, quanto maior a nossa visibilidade melhor, mas não devemos nos iludir a respeito de quem poderá ser nossos aliados para o combate à opressão de fundo. Devemos nos somar aos demais setores oprimidos, aos movimentos sociais e aos trabalhadores se quisermos combater a sociedade capitalista que usa o machismo como um dos seus pilares de exploração.

 
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