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INVESTIGANDO A LAVA JATO
O plano “Mãos Limpas” de Sérgio Moro e os interesses dos EUA
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi
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“O conceito básico de poder é a capacidade de influenciar os outros para que façam o que você quer. Basicamente, há três maneiras de se fazer isto: uma delas é ameaçá-los com porretes; a segunda é recompensá-los com cenouras; e a terceira é atraí-los ou cooptá-los para que queiram o mesmo que você. Se você conseguir atrair os outros, de modo que queiram o que você quer, vai ter que gastar muito menos em cenouras e porretes.”

Joseph Nye, ex-reitor de Harvard, alcunhador do conceito de Soft Power

É inegável o papel que o judiciário e a Lava Jato cumprem na política nacional. Se dependesse exclusivamente dos procuradores e de Sérgio Moro provavelmente teríamos reviravoltas maiores na política nacional, ao menos assim indicam em seus textos e declarações públicas. No entanto, apesar de constarem como rock-stars no noticiário, suas vontades não se realizam plenamente. Chocam-se com a necessidade empresarial de garantir os ajustes e com variados interesses políticos. Nesse diário vai e vem de conflitos e interesses, o que menos importa é o combate a corrupção.

A crise política abriu espaço para um protagonismo do judiciário e da “república de Curitiba”, porém do alto de seu pedestal moral e lauréis midiáticos começaram a passar da correlação de forças e tal como heróis gregos podem estar precipitando sua derrota por orgulho, uma “hubris da Lava Jato” como o Estado de São Paulo escreveu em editorial recentemente que comentamos nesse artigo. Desenvolve-se um relativo empate entre suas vontades “mãos limpas” (ou seja voltar-se contra boa parte do regime partidário) e um “pacto”. Um empate instável cheio de contradições.

Evidentemente a Sérgio Moro, sorridente com Aécio, podem faltar "convicções" para avançar em suas "Mãos Limpas" contra todos partidos patronais, ou ao menos com parcelas do tucanato, mas, mesmo com limites, os planos e indicações de seus artigos apontam a reviravoltas em outros pilares do regime partidário bem além do que somente o PT.

Entender os objetivos dos principais agentes na Lava Jato, suas ideologias é parte de entender um dos atores fundamentais da crise política e para onde suas ações apontam. O que quer Moro e as distintas alas do judiciário é a parte mais recôndita da crise política, visto que os cálculos de Lula, FHC, Temer, Renan todos são razoável e visivelmente mapeáveis.

Já esboçamos algumas linhas sobre certa “afinidade eletiva” entre a ética protestante e certo “espírito imperialista”, sobre como a Lava Jato é uma indústria de enriquecimento para os membros do MP, aqui deixaremos indicadas algumas linhas iniciais de como a Lava Jato opera a favor de interesses norte-americanos pela via das ideias de seus agentes. Este caminho passa por entender o que pensam da “Mãos Limpas” italiana. Muito já se escreveu sobre as similaridades processuais na arbitrariedade e repressão, dos vazamentos de informações à mídia, etc, mas as similaridades vão além: alcançam meandros táticos e até mesmo uma visão do Estado e da economia capitalista.

Recapitulação rápida dos laços imperiais conhecidos

Mesmo com poucas provas disponíveis, mas bastante convicção, muitos jornalistas apontam as relações da Lava Jato com o imperialismo. O Esquerda Diário já mostrou o treinamento que Moro, os procuradores e a polícia Federal realizaram junto ao Departamento de Estado ianque no Rio de Janeiro de 4 a 9 de outubro de 2009, bem como argumentamos como a Lava Jato poupou empresas imperialistas nos escândalos da Petrobras, escolhendo blindar a área mais rica da empresa: a Exploração & Produção (das plataformas) onde se encontraria o papel da Halliburton e outras “donas do mundo” como também argumentamos no mesmo artigo, que empreiteiras estrangeiras citadas por delatores na Lava Jato, ao menos a sueca Skanska e a francesa Technip nunca foram investigadas e alvo de conduções coercitivas.

Esse corpo de “convicções, porém com poucas provas” esbarra, como sempre, no secretismo dos convescotes da toga e da algema com a law and order imperial. Dia-a-dia aparecem novas evidências da operação compartilhar informação sensível com autoridades americanas, como a defesa de Lula tem insistido frente a seu verdugo paranaense. Há numerosos indícios de certa “sabotagem” ao programa nuclear brasileiro, como foi denunciado por diversos meios críticos à Lava Jato. Porém, esse corpo de variadas informações, de interesse nacional, continua escondido da população.

Não é necessário um powerpoint onde coloquemos a CIA no centro e cada operador da Lava Jato ao redor com suas respectivas setinhas. A “República de Curitiba” não precisa estar em nenhum contracheque para mesmo assim compartilhar ideias que sejam funcionais aos interesses norte-americanos. É conhecido no jargão da geopolítica a ideia de “soft power” como um poder de atração que prescinde das “armas” ou das “cenouras”: os treinamentos, os seriados de TV e toda uma ideologia fazem agentes sem que esses precisem estar formalmente arrolados.

As vias “italianas” para terminar nos braços de Washington

As “lições das Mãos Limpas” na Itália, bem como particulares ideias liberais sobre a ciência política e sobre a economia dão esse laço.

Há inegáveis cópias entre a operação italiana e a brasileira. Em artigo de 2004 Moro já a tomava como modelo em diversos âmbitos. Elogiava o uso das delações premiadas, conduções coercitivas e um particular uso, explícito, do vazamento de informações à imprensa.

Já abordamos essa relação de “cópia procedimental” em um outro artigo, aqui retomamos um aspecto menos desenvolvido naquele artigo, a tentativa explícita de atacar o conjunto do regime politico, ele afirma:

“A deslegitimação do sistema foi ainda agravada com o início das prisões e a divulgação dos casos de corrupção. A deslegitimação, ao mesmo tempo em que tornava possível a ação judicial era por ela alimentada (...) a deslegitamção foi essencial para a própria continuidade da operação mani pulite.”

(Moro in “Operação Mãos Limpas: a Verdade sobre a operação italiana que inspirou a Lava Jato”, Porto Alegre: CDG, 2016. páginas 876-877).

Operações como a italiana e a brasileira exigem esse esforço de utilizar a imprensa para deslegitimar o sistema, sem isso a operação não anda. Uma das ideias que foi adotada na Itália foi tentar alcunhar um termo para dar conta de descrever o sistema político como um todo, lá os procuradores utilizaram “Propinópolis”, alguma semelhança com a “Propinocracia” de Dallagnol?

As semelhanças são tantas que até procedimentos táticos arriscados parecem cópias da Itália. Nossos jovens procuradores, elogiosos dos também novos procuradores italianos de uma geração que ficou conhecida como “pretori d’asalto” (ou os “magistrados de ataque” em tradução livre) reagiram de modo igual às tentativas do regime político reagir a suas arbitrárias investigações. Na Itália, quando Berlusconi tentou impedir o uso de prisões preventivas para casos de corrupção o que fizeram os investigadores? Ameaçam renunciar coletivamente. Lembra algo?

Talvez com um voluntarismo de juventude Moro ignora que a situação econômica ainda não era tão propicia, ou mesmo a crise de representatividade não tão desenvolvida, ainda faltava “deslegitimação”, mas ele já propunha copiar a operação italiana. Ele dizia: “No Brasil encontram-se presentes várias das condições institucionais necessárias para a realização de ação judicial semelhante” (idem 885). Quais seriam as condições italianas segundo o juiz? Conjuntura econômica difícil, intenção de baixar custos das empresas italianas no marco da integração com a União Europeia, queda do socialismo minando o regime partidário baseado em alinhamentos da Guerra Fria e judiciário independente.

Já em 2016 Moro volta a escrever sobre a Mãos Limpas, mas dessa vez já podendo compará-la melhor com a Lava Jato e tentar aprender com a mesma: “A lição a ser aprendida, aqui já é exposta, é que a superação da corrupção sistêmica exige uma conjugação de esforços das instituições e da sociedade civil democrática, sendo a ação da Justiça uma condição necessária, mas não suficiente (...) o relato histórico do ocorrido, verdadeira novela de um estonteante sucesso judicial, seguido de frustrações decorrentes do sistema político, oferece uma aula acerca do funcionamento de uma democracia moderna, em uma sociedade de massas, e as possibilidades e as limitações dela no enfrentamento da corrupção sistêmica.” (idem pg. 9).

Uma das aulas bem aprendidas por Moro é a seguinte: “O sistema político, por meio de eleições periódicas ou de seus mecanismos correcionais próprios [seria o impeachment?] tem grande responsabilidade. Deve expulsar e condenar políticos ímprobos.” Claro que sabemos que há certa arbitrariedade na distribuição de “provas” e “convicções” nessa separação do joio do trigo, mesma crítica que sofreram os pares italianos.

Nosso jovem da toga vê limites do foi possível fazer na Itália pois houve reações do sistema político e não foi possível “aproveitar a janela de oportunidades” quando gozavam de apoio da opinião pública. Será que o nome dessa lição é “Dez Medidas repressivas do MPF em suposto combate à corrupção”?

Independentemente desse resultado, com algumas contradições para os olhos de Moro, ele comemora um feito concreto na Mãos Limpas, para além do número de indiciados: “o impacto político foi igualmente significativo. Dois dos principais partidos que a dominaram a vida política na Itália após a Segunda Grande Guerra foram literalmente liquidados já nas eleições de 2014.” Eis um resultado democrático a comemorar!

Um dos heróis italianos de nosso “herói de Curitiba” também escreve no mesmo livro, remarcando as dificuldades que encontraram por reações da mídia e dos políticos que deixaram de apoiar a operação ou mesmo a ataca-la. O procurador Piercamilo Davigo afirma que um dos resultados positivos da operação foi o desaparecimento de cinco partidos, e para ele a Itália de hoje está novamente propicia a uma operação como a Mãos Limpas devido à nova crise econômica. Uma nova operação pode diminuir os gastos públicos e melhorar a eficiência empresarial (os lucros digamos nós em bom português).

A CONSOB, órgão regulador da bolsa de valores italiana não tem a menor dúvida. No livro que nosso juiz de Curitiba e nosso procurador italiano elogiam como o melhor relato da operação italiana afirma: “Sem a mãos limpas não teria acontecido a reviravolta das privatizações” (idem 53). Em menos de três anos da operação já haviam sido privatizados a empresa estatal de petróleo (ENI), bancos, empresas estatais de seguros...

Eis aí o laço italiano que guia a Lava Jato a Washington. Tal como Piercamilo Davigo, Sérgio Moro tem uma particular concepção da relação estado-empresas, não importa que a Odebrecht e outras empresas em leniência declarem que se apossavam de congressistas para fazer valer seus interesses, para ele a relação é somente do Estado atrapalhando a iniciativa privada, “afastam o investimento interno e externo” e prossegue em sua visão dos maus políticos e bons empresários, citemos:

“Custos de propinas, decisões governamentais ineficientes na perspectiva econômica e afastamento de investimentos geram, por sua vez, incremento da dívida pública, perda de produtividade econômica e atraso no desenvolvimento.”

Muitos criticam a “República de Curitiba” por seu messianismo, mas ele alcança até mesmo o nível das ideias sobre a economia, e aí independentemente do que foi o curso realizado no Rio de Janeiro em outubro de 2009, o treinamento específico de Moro no departamento de Estado americano onde estagiou por um ano, independentemente de como foi a estadia de Moro e Dallagnol em Harvard onde curiosamente ambos fizeram mestrado, há uma afinidade das ideias da “República de Curitiba” com o que o deseja Washington.

Se for melhor para promover maiores ataques aos trabalhadores brasileiros, mais privatizações, pode ser que se liberem as forças para algo como uma “Mãos Limpas” aqui. Por enquanto não é assim. As ideias e planos de Moro para nossa Mãos Limpas não faltam, bem como não faltam os contatos com os EUA que naquela operação também não faltaram, desde reuniões de magistrados com o juiz do Supremo americano Antonin Scalia, a até mesmo a articulação de um novo regime de partidos pelo embaixador Bartholomew, o que é um tema para uma outra investigação.

 
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