www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
CRISE POLÍTICA
O papel da Constituinte Livre e Soberana para os revolucionários
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
Ver online

O tucano Fernando Henrique Cardoso disse que “gostaria que Temer resistisse no governo”, mas que se cair, “o Congresso terá de convocar eleições diretas. Porque é difícil governar nessa situação de escolha indireta”. O próprio PT, que está tentando se relocalizar como “oposição responsável” depois de abrir o caminho à direita, reiniciou a campanha “Diretas Já”, com a CUT e a Frente Brasil Popular defendendo essa proposta.

A "esquerda Lava Jato" (como o MES de Luciana Genro, ou o PSTU) ou mesmo aquela esquerda que se adapta às propostas do PT (como setores do PSOL), apresentam um programa de "eleições gerais" com o objetivo de "não se limitarem a eleições direta"; não fazendo mais que embelezar esta política do regime.

Todas estas propostas tem como objetivo, consciente ou inconsciente, regenerar o sistema político dos ricos e preservar a Constituição de 1988, absorvendo todas as contrarreformas reacionárias que diminuem os já escassos direitos democráticos contidos nela. Não querem mudar as regras do jogo, apenas os jogadores, com a autoritária Lava Jato, substituindo um sistema de corrupção por outro.

O que foi a Constituinte de 1988?

Gramsci, respondendo em 1926 uma série de artigos do periódico italiano Il Mondo contra a URSS intitulados “Buscando o comunismo”, escreve “Poderíamos escrever uma série de artigos intitulados ‘Buscando a democracia’, e demonstrar que a democracia nunca existiu. E de fato, se a democracia significa o governo das massas populares, expresso através de um parlamento eleito por sufrágio universal, então em que país surgiu alguma vez um governo que tenha cumprido este critério?”.

Revisitando a história, é possível verificar exatamente este papel da Constituinte de 86-88, que não foi nem livre, nem soberana. É certo que a Constituinte de 1986-88 se reuniu num período de grande crise social, no rastro do grande ascenso operário e popular que vinha desde o final dos anos 1970. Por isso nela existem as marcas da pressão popular para garantir direitos sociais e trabalhistas e certos avanços democráticos.

Mas o medo de quem ainda tentava sair de uma ditadura de duas décadas, sob o governo de um Sarney civil, porém representante direto dos militares, foi muito mais determinante. A Constituinte foi observada de perto e tutelada pelos próprios militares, através do controle exercido pela coalizão dos representantes do grande capital, dos latifundiários e das oligarquias regionais, o famoso “Centrão” político do período (PMDB, PFL, PTB e PDS), vários deles membros do antigo partido de apoio à ditadura, a ARENA, ou de políticos “opositores” que a mesma tolerava no antigo MDB.

O Centrão, chefiado por Sarney que representava os setores sociais mais conservadores, era a maioria na Constituinte e decidiu votações importantes, como a questão da reforma agrária, que manteve a distribuição desigual da terra, e o mandato presidencial, estendido para cinco anos.

A emenda Constitucional nº 26, de 17 de novembro de 1985, que convoca a Assembléia Constituinte a se reunir, exige que se faça com os deputados e senadores eleitos em novembro de 1986, somados aos senadores de 1982. Ou seja, o controle dos políticos que serviram sob a ditadura militar era visível, o que possibilitou que a Carta de 1988 carregasse a permissão constitucional para que o Exército interviesse em caso de “desordens políticas”.

Com a nova Constituição já promulgada, o Exército assassinou 3 operários em 1989 durante greve da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, Rio de Janeiro.

Entre a esquerda, não havia qualquer representação revolucionária independente. Sob o entusiasmo com o processo de construção do PT, e a continuidade das greves que, ainda perdendo em radicalidade aumentavam em número ano após ano, toda a esquerda ficou sob a égide de Lula e companhia, que discursavam contra o Centrão, encenavam oposição se recusando a assinar a Constituição mas nunca moveram a força da classe trabalhadora contra a direita com a qual sempre buscaram conciliar, como fizeram no poder.

Nascida de um processo de conciliação reacionário, o principal fator que impediu que os mínimos direitos sociais fossem ainda mais degradados do que foram na década neoliberal dos 90 foi as batalhas de retaguarda dos trabalhadores, como a greve dos petroleiros de 1995 contra FHC, que marcaram um limite ao que a burguesia poderia alterar em “sua” Constituinte.

O papel da Constituinte Livre e Soberana para os revolucionários

Trotsky foi o grande pensador revolucionário do século XX que introduziu de forma mais acabada estas consignas em dinâmica revolucionária, articulando estas consignas democrático radicais dentro de um programa transicional na luta (sob a democracia burguesa) por um governo dos trabalhadores que rompa com o capitalismo e sua sociedade de exploração.

Isto, não apenas em países de capitalismo atrasado, como na China, mas de longa tradição parlamentar. Assim, utilizou diversas destas demandas na França e na Espanha na década de 1930, em diálogo com os trabalhadores que ainda acreditavam que a grave crise política e econômica poderia ser resolvida nos marcos da “democracia”.

Para Trotsky, portanto, as consignas democrático radicais possuem uma articulação estratégica indissolúvel com a teoria da revolução permanente, devendo culminar na destruição do poder burguês.

Consignas “democrático-radicais” como que todos os cargos públicos tenham a mesma remuneração de um trabalhador; que todos os juízes e funcionários de Estado sejam eleitos e tenham seus cargos revogáveis; a fusão do executivo e do legislativo numa Câmara Única que ponha fim à presidência e ao Senado, que defendemos como conteúdo da Assembléia Constituinte Livre e Soberana, não foram inventadas por nós. São todas reivindicações da primeira experiência de governo dos trabalhadores da história, a Comuna de Paris de 1871.

Sua força, ligada a uma estratégia transicional anticapitalista, seria um verdadeiro desafio à direita e dos militares em 1988.

Nesta nova Constituinte, lutaríamos para impor que todo juiz e político sejam representantes da população (e não políticos tradicionais) eleitos e revogáveis a qualquer momento, e recebam o mesmo salário que uma professora da rede pública (com o aumento do salário de todos os trabalhadores segundo os cálculos do DIEESE, que hoje equivalem a R$4000).

Exigiríamos julgamento por júri popular, principalmente os casos de corrupção; a abertura dos livros de contabilidade das empreiteiras e confisco de todos bens de todos corruptos e seus familiares, investindo estas verbas num plano de obras públicas para enfrentar o problema de moradia.

Lutaríamos pela revogação da entrega dos recursos naturais (como o pré-sal ao imperialismo) e as privatizações que são responsáveis por desastres como o de Mariana; a abolição do pagamento da fraudulenta dívida pública e a reversão das verbas para a saúde e educação; a reestatização sem indenização de todas empresas privatizadas por Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma, em primeiro lugar da Petrobras, colocando todas as empresas estratégicas sob administração democrática dos trabalhadores e usuários.

Ao dinamizar a tática de frente única operária contra a ofensiva dos capitalistas, exigindo que as centrais sindicais organizem um plano de resistência contínuo, estas consignas podem “perfurar” as instituições de sua democracia, preparando as condições de sua derrota e substituição por um governo dos trabalhadores em seu aspecto anticapitalista e antiburguês.

A Constituinte não é um fim em si mesmo

Não podemos ajudar a regenerar o cadáver do sistema político brasileiro, dando uma nova dose de eleições gerais, diretas já ou impeachment de Temer, todas soluções que só podem trazer um fôlego novo para um dos blocos de poder a ver quem é o melhor em atacar os trabalhadores. É preciso modificar as regras do jogo.

Nossa perspectiva estratégica não é meramente uma Constituinte para “votar leis melhores para os trabalhadores”, leis essas que dificilmente seriam aplicadas enquanto os capitalistas detiverem as rédeas do poder real na sociedade, a propriedade das grandes fábricas e empresas, das terras, o controle sobre as Forças Armadas e o poder Judiciário, os meios de comunicação.

Em especial, a burguesia não aceitará medidas democráticas radicais como essas, porque avançar nestes pontos democráticos consistiria uma ameaça aos “direitos de propriedade” dos capitalistas. Farão todo o possível para sabotar, com a ajuda de seus funcionários, do Congresso, dos tribunais, da polícia e do Exército, todas as iniciativas no sentido desta Constituinte.

Como dizia Lênin em 1917, “A completa elegibilidade e revogabilidade em qualquer momento de todos os funcionários, sem exceção; a redução do seu salário aos limites do ‘salário corrente de um operário’; estas medidas democráticas, simples e ‘evidentes por si mesmas’, ao mesmo tempo em que unificam a totalidade dos interesses dos operários e da maioria dos camponeses, servem de ponte que conduz do capitalismo ao socialismo”.

Questionando a casta política que administra este sistema, a nova Constituinte com este conteúdo anticapitalista, facilita o questionamento das relações que compõem o próprio sistema.

No curso da luta, os trabalhadores e todos os seus aliados na juventude e no povo pobre e oprimido, perceberão a necessidade de desenvolver seus organismos próprios de poder, baseados na democracia direta, para se enfrentar com a resistência inevitável das classes possuidoras. Disso resultaria um desenvolvimento excepcional da atividade e iniciativa dos trabalhadores, das mulheres e da juventude. A própria experiência “parlamentar” da Constituinte seria uma poderosa alavanca nesta experiência.

A experiência com a luta reacionária dos proprietários em defender seus “direitos de exploração” levará a concluir a necessidade de estabelecer um verdadeiro governo operário e popular, que rompa com o capitalismo e inicie uma transição que possa se tornar um ponto de apoio para a luta de classes dos trabalhadores à escala internacional.

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui