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FRENTE DE ESQUERDA LOTA ESTÁDIO
Ato de Atlanta na Argentina: lições para a esquerda brasileira
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED

O último sábado dia 19 deixou a esquerda brasileira perplexa: como a esquerda anticapitalista na Argentina lotou um estádio de futebol com mais de 20 mil trabalhadores e jovens, algo que não acontecia há 30 anos?

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O último sábado dia 19 deixou a esquerda brasileira perplexa: como a esquerda anticapitalista na Argentina lotou um estádio de futebol com mais de 20 mil trabalhadores e jovens, algo que não acontecia há 30 anos? Tentaremos abordar neste artigo alguns pontos a partir da perspectiva de atuação do Partido dos Trabalhadores pelo Socialismo (PTS), organização irmã do MRT na Argentina que compõe a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores e tem como principal referência o candidato a presidente nas últimas eleições Nicolas Del Caño, além de diversos deputados, senadores e vereadores em vários estados. Também estava presente a recém eleita vice-presidente da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile Bárbara Brito, a entidade estudantil mais importante do Chile que leva pela primeira vez uma candidata trotskista e feminista pra este cargo.

Em meio a um processo de fortalecimento da direita na América Latina, onde o governo Macri é um dos principais expoentes desta direita reacionária, a emergência de uma esquerda anticapitalista e revolucionária se coloca como uma necessidade vital. Isso porque as experiências populistas dos governos pós-neoliberais denotam sua responsabilidade em abrir caminho pra esta direita, muitas vezes assumindo seus métodos e aplicando planos de ajustes para atacar os trabalhadores.

A crise capitalista internacional também abriu espaço para os fenômenos que podemos chamar de “neo-reformistas” que buscam dialogar com um sentimento de massas contra os ataques e contra a casta política, mas que rapidamente mostram a que vieram, como o Syriza na Grécia que após conseguir conquistar a esperança dos trabalhadores e da juventude grega teve como primeira medida de governo implementar o plano de ajustes da “troika” contra o povo pobre. O Podemos na Espanha já começa suas alianças com a direita nas prefeituras em que assumiu, também deixando claro que sua busca pelo poder manterá intactos os lucros capitalistas.

No Brasil, a esquerda não conseguiu conquistar cargos importantes no parlamento, mas isso não significa que não tenha se expressado um importante fenômeno com a votação de mais de 1 milhão em Marcelo Freixo do PSOL no Rio de Janeiro. É um fato que expressa um amplo rechaço à política do governo golpista de Temer e uma busca por uma alternativa à esquerda do PT. Ainda assim Marcelo Freixo apresenta um programa reformista, que buscou dialogar com os empresários e não se enfrentar com a Lei de Responsabilidade Fiscal no Rio de Janeiro, o que só pode levar à reedição destas experiências do neo-reformismo internacional e da própria tragédia petista.

Neste cenário das experiências internacionais, a esquerda argentina (PTS, PO, IS) reuniu mais de 20 mil trabalhadores, mulheres e jovens em um estádio de futebol, mostrando para o governo de Macri que a esquerda “entra em campo”. A última vez que um ato assim havia ocorrido foi em 1988. Certamente o ato mostrou a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores como uma alternativa não somente ao ajuste de Macri mas também àqueles que vêm colaborando com esta política como é a "Frente Renovadora" na Câmara dos Deputados e a "Frente para a Vitória" no Senado. Ou seja, a FIT é a única oposição consequente ao governo Macri.

A diferença é que para se colocar nesta perspectiva e mobilizar milhares a esquerda argentina não buscou que a FIT rebaixasse seu programa ou buscasse dialogo com empresários. Ao contrário, o ato de Atlanta se pronunciou claramente por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo. Por isso que em seu discurso Nicolas Del Caño disse

(...) apresentamos uma perspectiva de luta anticapitalista e socialista, de clara diferenciação com aqueles agrupamentos reformistas que existem a nível internacional, por exemplo o Podemos na Espanha e o Syriza na Grécia”.

Neste ponto a esquerda brasileira tem muito a aprender com o exemplo argentino. Há posições que já diretamente ultrapassam as fronteiras de classe, como por exemplo a defesa entusiástica de Luciana Genro do MES (PSOL) ao Syriza mesmo depois deste ter aplicado um plano de ajustes contra o povo grego ou com seu festejo com a Lava Jato, que fortalece Sérgio Moro, o judiciário e saídas pela direita para a crise política no país. Mas há também uma busca pela influência de massas por fora do programa, como se uma alternativa anticapitalista e socialista pudesse ser construída abandonando aos poucos o programa marxista revolucionário. A FIT mostrou que é possível ter um alcance de massas, e mesmo em um momento de baixa luta de classes na Argentina conseguir organizar milhares com esta perspectiva, sem abrir mão de um programa de ruptura com o capitalismo.

No Brasil se fala muito de reorganização da esquerda, inclusive de “reinvenção” da esquerda e de “unidade” da esquerda, mas o que prima nestas discussões não é o programa,

e sim as formas organizativas para ter aparatos maiores ou a busca por fórmulas eleitorais que possam apresentar certa governabilidade. A enorme crise do PT depois do golpe institucional da direita ao mesmo tempo que impõe uma relocalização estratégica do PT após 13 anos agora como “oposição” ao governo Temer, buscando uma cara "combativa" o que pode levar a um relativo fortalecimento de suas burocracias sindicais, também deixa um enorme espaço à esquerda que pode trazer à tona fenômenos como os que citamos acima em nível internacional. A esquerda que se considera socialista e revolucionária não pode buscar a unidade da esquerda sem batalhar por um programa e uma estratégia revolucionária, o que tem como ponto de partida a independência de todas as variantes políticas patronais, uma lição elementar que a esquerda brasileira na maioria das vezes não vê. Sem essa independência política e sem erguê-la a um programa e estratégia socialista e revolucionária a esquerda estará trabalhando para as direções que querem apenas gerir o estado capitalista dando-lhe uma cara mais humana, o que mais cedo ou mais tarde significa aplicar ajustes ou abrir espaço para a direita, reeditando a tragédia petista.

Por isso, os discursos dos referentes do PTS no ato de Atlanta mostraram a necessidade de, frente à vitória de Donald Trump nos Estados Unidos que sem dúvidas fortalece as expressões de direita a nível internacional, se apresentar como uma esquerda verdadeiramente internacionalista enfrentando não somente o racismo e a xenofobia de Donald Trump, mas também a demagogia feminista de Hillary Clinton, cujo partido é diretamente responsável pela ascensão de Trump. A vitória de Trump e seu discurso traz um perigo de divisão entre a classe operária e seus aliados entre os setores oprimidos como os imigrantes, negros e mulheres e é uma questão estratégica, na qual a classe operária necessita lutar por hegemonia enfrentando esta fragmentação e buscando levantar com toda força a bandeira dos setores oprimidos.

Neste sentido o discurso de Myriam Bregman falando como a força das mulheres irrompeu de forma explosiva no cenário internacional e apresentando uma visão de que a luta das mulheres não é uma luta contra os homens, e sim contra nossos inimigos capitalistas é mais do que necessária diante do fortalecimento também de um feminismo burguês para melhor explorar, mas também das variantes pós-modernas que diluem o conteúdo de classe e buscam transformar a luta das mulheres em um fim em si mesmo por dentro do capitalismo, sem atacá-lo pela raiz. Myriam é parte da forte agrupação de mulheres Pan y Rosas na Argentina que dá uma batalha pra que o feminismo na Argentina tenha uma estratégia anticapitalista. Aqui também há um debate uma vez que no Brasil o avanço das teorias do feminismo pequeno-burguês apontam no sentido de afastar os setores oprimidos da classe operária, o que só pode levar a uma luta reformista. No Brasil essa batalha precisa ser dada contra todas as variantes reformistas, representadas em especial pela Marcha Mundial de Mulheres ligada ao PT, mas também outras organizações e coletivos que não apresentam uma saída revolucionária pra luta das mulheres e mesmo as correntes de esquerda que se adaptam a este feminismo pequeno-burguês.

Com estas ideias o PTS construiu fortemente este ato, ativando milhares de trabalhadores, jovens e mulheres para construir uma alternativa verdadeiramente revolucionária. Isso também foi possível pela enorme articulação entre o parlamentarismo revolucionário e a construção de uma força orgânica nos locais de trabalho e com a juventude. Ao contrário da grande maioria dos parlamentares da esquerda no Brasil que orientam sua atuação em torno do calendário parlamentar, os deputados do PTS na Argentina recebem o mesmo salário que uma professora, estão lado a lado aos operários nos enfrentamentos com a polícia e são parte ativa da construção de um partido revolucionário no país, que prima pelo internacionalismo, não à toa foi o PTS que organizou o único ato contra o golpe institucional no Brasil em toda a América Latina. Também por isso em seu discurso Nicolas Del Caño reivindicou toda a bancada da FIT que veio de uma importante batalha contra o aumento dos privilégios e salários dos políticos.

Por tudo isso a presença destacada, principalmente nas delegações levadas pelo PTS, de lutadores das principais fábricas argentinas que protagonizaram as grandes batalhas de classe, como por exemplo na multinacional Lear, foi um dos elementos de qualidade do ato, e foram dezenas de comissões internas representadas, em um trabalho político que buscava superar muito os limites do sindicalismo estreito, como expressou Claudio Dellecarbonara, delegado do Metrô de Buenos Aires, em seu discurso.

Claudio demonstrou que a militância política no movimento operário não pode ser uma militância sindicalista onde os sindicatos se transformam num fim em si mesmo separados da luta política.

No Brasil é uma lição essencial já que nos remete diretamente ao balanço de todo o peso sindical do PT nas décadas de 1970 e 1980 que moldou toda uma forma “petista de militar” nos sindicatos em base a separação entre o econômico e o político.

Em última instância o chamado feito por Claudio de construir uma política independente no movimento operário serve pra esquerda brasileira que ainda que suas organizações sejam minoritárias nos sindicatos, poderiam abrir um grande debate sobre como colocar suas forças a serviço de batalhar por uma política independente, rechaçando as variantes de direita mas também fazendo balanço do que significou o PT nos sindicatos e sua política de conciliação de classes e freio da luta revolucionária da classe operária nos momentos mais agudos da luta de classes no país. Em meio a estes debates, ganha enorme peso as batalhas políticas cotidianas como por exemplo a necessidade das organizações revolucionárias enfrentarem a enorme divisão imposta em nossa classe, lutando cotidianamente contra a divisão entre efetivos e terceirizados, exigindo efetivação imediata de todos.

No Brasil algumas correntes não puderem comemorar o acontecimento histórico do ato de Atlanta pois de forma envergonhada soltaram notas sem nenhuma repercussão nas redes sociais para dizer que se tratava de um ato "eleitoral". Essas correntes no Brasil são representadas pelo PSTU e pelo MES (PSOL), sim, a organização que continua aplaudindo o Syriza mesmo este tendo implementado um plano de ajustes. Aqui no Brasil estas são as correntes que ficaram muito marcadas pela sua escandalosa posição frente ao golpe institucional, no caso do PSTU diretamente fazendo coro com a direita e apoiando o golpe, e no caso do MES pedindo mais “lava-jato” e portanto comemorando em todas as oportunidades o fortalecimento do judiciário e da polícia federal, o que obviamente se volta contra os trabalhadores como vemos agora com mais repressão e com o judiciário sendo o implementador de parte dos ataques, como é a reforma trabalhista.

É por isso que o debate programático na esquerda é decisivo para levar adiante uma verdadeira alternativa à esquerda do PT, seguindo o exemplo argentino.

Na Argentina a posição de apoiar qualquer tipo de oposição ao governo mesmo que seja de direita também levou a esquerda neste país a enormes debates que foram um divisor de águas, tal como no Brasil.

No caso específico há o exemplo claro da centro-esquerda argentina como o MST (corrente irmã do MES) frente ao conflito entre o governo Kirchner e os produtores agropecuários, que levou esta organização a praticamente inexistir depois de posições abertamente de direita. Esse é o único destino que pode ter a esquerda que no Brasil faz coro com os golpistas e com Sérgio Moro.

Neste sentido dialogamos com os companheiros do MAIS que como já apontamos em notas anteriores apresentaram pontos progressistas em sua ruptura com o PSTU, justamente na definição de que “a derrubada do governo do PT liderada pela oposição de direita é uma saída reacionária para a crise política”, mesma ideia que está contida no combate que o MAIS vem fazendo em relação à Lava Jato. Porém existe uma contradição entre essas definições tão importantes, e a linha geral que o MAIS vem tendo na prática política de seguidismo do MES, justamente a organização que mais defende Sérgio Moro. A confluência política entre ambas as organizações em torno do programa de "Eleições Gerais", que na atual situação é funcional aos objetivos da Lava Jato de reconfigurar pela direita o sistema político levando o país a uma saída tipo “mãos limpas” (que foi até mesmo o lema de campanha adotado por Luciana Genro), é o corolário dessa contradição política. Chamamos os companheiros do MAIS a serem consequentes com suas próprias definições, romperem com essa política, e se juntarem à luta decidida por uma saída independente para a crise política e pela construção de uma alternativa anticapitalista e revolucionária para a crise do PT.

Estes debates na esquerda brasileira não são menores e definem muito da política que cada organização tem e também de qual a unidade que deve ser construída. Não tem sentido reivindicar o ato histórico de Atlanta vendo apenas a questão numérica, sem compreender as grandes batalhas políticas e programáticas que estão por trás dos êxitos da FIT e não é a toa que Nicolas Del Caño em seu discurso propõe abrir a discussão sobre a ampliação da FIT em base a discussão programática. Nesse sentido, a experiência que a esquerda anticapitalista argentina está tendo nos mostra um caminho a ser seguido. O caminho da independência de classe, de rechaço a qualquer variante burguesa e de enfrentamento com o capitalismo, na luta por um governo dos trabalhadores.

Nós do MRT somos parte desta experiência ao lado dos nossos camaradas do PTS, e por isso no Brasil estamos batalhando por construir uma força política que rechace o golpe institucional da direita reacionária de forma independente do PT,

exigindo das burocracias sindicais um plano de lutas imediato pra enfrentar os planos de ajustes de Temer e impor com a força da mobilização uma nova constituinte, livre e soberana, pra responder à crise política e os grandes problemas do país, numa perspectiva de ruptura com o capitalismo e por um governo dos trabalhadores.

Como parte desta enorme força que se expressou em Atlanta com a coluna do PTS; com a Rede de Diários Internacional que existe em 5 idiomas e 11 países; com a construção de uma forte corrente militante com a Juventude Faísca – Anticaitalista e Revolucionária em especial nos processos de luta da juventude nacionalmente, com o Movimento Nossa Classe e com o grupo de mulheres Pão e Rosas; com as candidaturas anticapitalistas que apresentamos em diversas cidades pela legenda democrática do PSOL, com seus modestos porém significativos resultados e com destaque pra nossa batalha por construir uma força anticapitalista no Rio de Janeiro; e sobretudo com o grande avanço do Esquerda Diário, que vem batendo recordes de acessos nacionalmente e passou das 750 mil entradas no último mês, nós do MRT nos colocamos a serviço dessa perspectiva: construir uma alternativa socialista e operária em nosso país, que seja parte da reconstrução de um partido mundial da revolução, para nós a IV Internacional.

*Diana Assunção é dirigente nacional do Movimento Revolucionário de Trabalhadores e foi candidata a vereadora de São Paulo pela legenda do PSOL.

 
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