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ATAQUES DO PEZÃO NO RIO E A POLÍCIA
A polícia é aliada dos trabalhadores no combate aos ataques do Pezão?
Simone Ishibashi
Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro está sendo palco de várias manifestações contra a votação do conhecido “pacote de maldades” posto pelo governador Pezão para fazer com a que a crise do estado seja paga pelos trabalhadores e a juventude. Vários debates estão emergindo sobre como derrotar esse ataque, particularmente sensível para o funcionalismo público. Um deles, que assume importância estratégica para os revolucionários, diz respeito ao papel da polícia e dos demais agentes de segurança, que por conta do atraso de seus salários, passaram a integrar as manifestações em frente à Alerj.

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Isso ocorreu de maneira mais expressiva até o momento em duas ocasiões. Na primeira os policiais, delegados e agentes de segurança se separaram durante um ato de servidores públicos no dia 8 de novembro, e ocuparam a Alerj. Como corresponde ao papel que cumprem, os setores de policiais que protagonizaram essa ação não se irmanaram com o conjunto dos trabalhadores da Saúde e da Educação, que vem sofrendo na pele há tempos os ajustes dos governos golpista de Temer e de Pezão. Pelo contrário. Deram uma demonstração do mais claro corporativismo, e ao som de “Uh! Bolsonaro!” se dirigiram diretamente à deputada Marta Rocha, responsável pela Comissão de Segurança Pública e assuntos de polícia, reivindicando as demandas dos policiais e demais setores ligados aos órgãos repressivos do estado. Atuam assim porque tem plena consciência de que não são parte da classe trabalhadora, a despeito de setores da esquerda que mesmo diante de demonstrações desse tipo insistem no contrário.

Na segunda ocasião, ocorrida em 16 de novembro, quando uma nova manifestação se deu em frente à Alerj, e fora reprimida por um importante contingente composto pela Tropa de Choque e pela Força Nacional, novamente setores da polícia surgiram para se “manifestar”. Com um carro de som com uma faixa na qual pediam intervenção militar, chegaram exigindo que militantes do PSTU, ironicamente um dos partidos da esquerda que mais defendem “disputar a polícia”, baixassem suas bandeiras. Em meio a isso, dois policiais desertaram, e estão sendo alçados à condição de heróis por alguns setores. A própria convocatória da próxima manifestação dos servidores para o dia 22 de novembro está sendo feita em comum com os policiais. E enquanto essas linhas estão sendo escritas, a polícia reprime brutalmente a UFMG, que se mobiliza contra os ataques do governo golpista, a mando do governo Pimentel do PT.

Frente a isso é importante clarificar porque a polícia não pode ser considerada aliada dos trabalhadores e suas lutas, e que esse debate de estratégias tão importante para a esquerda, seja feito também entre os trabalhadores, a juventude e o povo pobre e negro do Rio de Janeiro.

Novamente sobre o caráter da polícia e a posição dos revolucionários

Uma primeira questão a ser retomada em relação a esse debate é o caráter de classe da polícia. A polícia não pode ser considerada parte da classe trabalhadora. O fato de serem assalariados, e pagos pelo Estado, mesmo empregador do conjunto do funcionalismo público não os igualam aos trabalhadores da Saúde e da Educação, por exemplo. Isso porque a função da polícia é proteger a propriedade privada, os capitalistas e sua ordem, através do uso da violência contra os trabalhadores, a juventude, e o povo, sobretudo os pobres e negros. Sua função social, portanto, é a manutenção violenta da ordem elaborada em prol dos ricos, contra os trabalhadores e os pobres. Não ensinam, como os professores, não salvam vidas, como os trabalhadores da Saúde. O “produto” do seu trabalho, sobretudo em grandes cidades como o Rio de Janeiro é bem explícito: crianças, mulheres, trabalhadores e jovens negros e pobres humilhados cotidianamente e assassinados. Isso os coloca em oposição aos trabalhadores, pois seu papel é contrarrevolucionário por definição. Uma abordagem centrada no argumento de que “recebem salário” é, portanto, errada para definir se são aliados dos trabalhadores e suas lutas.

Leon Trotsky, dirigente da revolução russa e organizador e máximo general do Exército Vermelho, debatia em sua obra “Revolução e Contrarrevolução na Alemanha” contra as ilusões da socialdemocracia alemã na polícia, durante os anos 1930. Naquela ocasião, respondia ao argumento dado pelos socialdemocratas de que a repressão policial não seria problema por que esses haviam estruturado vários militantes seus na polícia, afirmando que “um trabalhador que entra para a polícia deixa de ser um trabalhador, passa a ser um agente fardado da burguesia”. Em meio à revolução russa, sua caracterização sobre a polícia não era menos clara: “O desarmamento dos ‘faraós’ [apelido para a polícia] tornou-se uma palavra de ordem universal. A polícia é o inimigo cruel, implacável, odiado e odioso. Ganhá-los está fora de questão1”.

Claro estava que para Trotsky a posição frente ao exército russo durante o czarismo deveria ser distinta, na medida em que esse não se dedicava a velar pela propriedade privada, mas os soldados eram enviados para morrer nas guerras imperialistas. O serviço militar obrigatório para os pobres também fazia com que seu caráter fosse absolutamente diferente da polícia, exigindo dos revolucionários uma política para dividi-lo, ganhando os soldados para a revolução, e colocando-os contra os generais. Tal política se executada nos dias atuais, tampouco poderia ser uma transposição mecânica da situação russa. O exército norte-americano por exemplo, não se organiza a partir do serviço militar obrigatório, se assemelhando mais à uma empresa de mercenários pagos. O exército israelense é fundado ideologicamente e articulado materialmente em base ao objetivo de reprimir e assassinar sistematicamente os palestinos, para garantir a existência de um Estado artificial, colonialista e racista. Muito provavelmente uma política dos revolucionários para esses exércitos seria distinta da levada adiante na Rússia em 1917.

Deriva-se disso, portanto, que o centro do debate não reside numa crítica de uma mera tática de infiltrar-se na polícia no caso alemão, mas da discussão clara sobre qual atitude os trabalhadores e os revolucionários devem ter em relação à polícia. Desde que essas linhas foram elaboradas muitas coisas mudaram, mas não o caráter da polícia. O próprio fato de dois indivíduos que integram a polícia terem se negado a reprimir a manifestação ocorrida no Rio no dia 16/11 não muda em nada essa definição, na medida em que não altera a natureza da instituição policial e o papel que cumprem para o Estado burguês.

Indivíduos podem ter crises de consciência e abandonarem a corporação, ou fazerem denúncias “póstumas” dos abusos que cometeram, mas isso não muda a atitude que os trabalhadores e os revolucionários devem ter frente à polícia: preparar-se estrategicamente para desarmá-la e dissolvê-la, em base à confiança de que os trabalhadores devem armar-se e organizar a sua própria defesa de modo independente do aparato repressivo da burguesia, para melhor destruí-lo e constituir um governo dos trabalhadores que rompa com o capitalismo no momento decisivo.

A esquerda defensora da polícia, e os que amalgamam posições

A defesa da polícia por parte de organizações como o PSTU e o MES, corrente interna do PSOL não é de surpreender. Essa posição errada sempre foi a que defenderam. Chegaram em base a ela a travar uma disputa sobre que organização ganharia o Cabo Daciolo. Seu entusiasmo com a polícia e “sua mobilização”, é uma expressão do ceticismo sobre a potencialidade da classe trabalhadora de organizar-se de maneira independente e dessa forma conquistar suas demandas.

Sobre a situação concreta do Rio de Janeiro, Luciana Genro é a que mais claramente defende isso , ao definir que “Os trabalhadores da segurança pública têm sido fundamentais neste processo de luta. Os policiais militares e bombeiros estão em rebelião contra os projetos do governo”. Essas posições são um prolongamento da direitização que essas organizações vêm tendo diante do cenário nacional, com o MES sendo máximo expoente da “esquerda Lava Jato” e defensora de Sergio Moro junto com a direita, e o PSTU com sua política de “Fora Todos” sendo parte do golpismo que culminou no governo de Michel Temer. Assim não seria de estranhar que também na questão da polícia, seguissem mantendo uma posição alheia aos interesses da classe trabalhadora.

Mas uma suposta terceira posição foi publicada com a elaboração feita por Henrique Canary, militante do MAIS. Suposta por que ao invés de oferecer uma perspectiva clara sobre o tema, faz um amálgama que não se sustenta, e reproduz em essência a posição do PSTU e do MES. Fazendo um corte entre o problema “sociológico” e o problema “político”, Canary apesar de defender que a polícia não é parte da classe trabalhadora em sua análise sociológica, termina afirmando que a “classe trabalhadora deve apoiar as lutas econômicas dos policiais militares e outros agentes da repressão”, porque a “greve da polícia é ruim para o governo”. Uma posição que na essência é equivocada, e continua reproduzindo os problemas da política do PSTU.

Mostra que sua ruptura com o morenismo do PSTU e seus erros é superficial, pois segue ignorando que não são todas as “instabilidades” do governo, independente de por quais atores essa se daria, capazes de favorecer a classe trabalhadora. Uma instabilidade gerada pela direita, isto é pela polícia que se enfrenta com o governo gritando “Uh Bolsonaro!” em nada serve aos trabalhadores na luta contra Pezão, pois defendem uma ordem ainda mais reacionária. Isso se comprovou profundamente com o golpe que levou Temer ao poder, que demonstrou que uma desestabilização pela direita, vinda das mãos da classe média alta, da Lava Jato e do STF se vira contra a classe trabalhadora, a juventude e do povo. Com a polícia não é diferente. Essa já mostrou que não defende o conjunto dos trabalhadores, e a quebra de sua disciplina não beneficia “simetricamente” os trabalhadores, mas seus interesses corporativistas, e suas reivindicações de melhores condições para reprimir. Portanto, a análise sociológica de Henrique Canary sobre o papel reacionário da polícia de nada serve, a não ser para fazer um discurso confusionista quando a situação exige clareza. Os teóricos revolucionários não podem se dar ao luxo de analisar uma coisa, e orientar outra totalmente distinta.

É preciso colocar abertamente que a vitória contra o pacote do Pezão, de modo a abrir caminho para o combate contra os ataques de Temer, só pode se dar de maneira progressista pela ação dos trabalhadores. Seus aliados nisso não são a polícia e as forças repressivas, mas a juventude que ocupa escolas e universidades, e está sob ameaça de reintegração de posse por parte da mesma polícia, e o povo negro e pobre que sofre todos os dias a barbárie da repressão policial, que no Rio de Janeiro assume proporções ainda mais chocantes e grotescas. Os trabalhadores da Saúde, da Educação, a juventude devem confiar em suas próprias forças nesse caminho, fazer com que os sindicatos dirigidos pela esquerda sejam um exemplo disso, e exigir da burocracia da CUT e da CTB que unifiquem os trabalhadores e a juventude num plano de luta permanente contra os ataques de Pezão.

Notas de Rodapé

1 - História da Revolução Russa, tomo 1, capítulo 7, página 119, São Paulo: Sundermann, 2007)

 
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