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ESTADO ESPANHOL
Podemos, discurso de esquerda e estratégia moderada: Ruptura ou Reforma?
Cynthia Lub
Barcelona | @LubCynthia

Aprofunda crise política reabre debates entre Podemos e a esquerda sobre se pode regenerar o Regime de 78, se é necessário uma reforma, uma ruptura democrática ou revolucionária.

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Foto: EFE / Luca Piergiovanni

O artigo Crise do Regime de 78: Que crise é essa? dizia que estamos vivendo uma “crise orgânica, ao menos desde 2011. Esta categoria, que é parte do acervo teórico do revolucionário italiano Gramsci, serve para definir crises que não são do conjunto – ou seja, econômicas, sociais e políticas – e para as quais os mecanismos habituais da burguesia para conseguir resolve-las não servem.”

Desde que se consumou o novo governo de Rajoy, Pablo Iglesias deu um girou em seu discurso à esquerda chamando a “Lutar, criar, poder popular”, às ruas e a mobilização. Mas sua estratégia reformista moderada se reafirma, reivindicando sua tentativa de governo com os sociais-liberais do PSOE. Como disse Iglesias, “Nos arriscamos a decepcionar. A que as estreitas margens de governo, tendo de compartilha-las com o PSOE e tendo eles a Presidência, nos colocaram em uma posição de não poder cumprir muitos elementos de nosso programa”. Ou seja, de atuar com os mecanismos habituais da burguesia”, junto a uma de suas patas do regime bipartidarista, para “resolver” a crise do Regime.

Ruptura ou Reforma?

O giro discursivo de Podemos recorda ao do PCE, dos anos 70, quando entendia o ascenso da classe operária como “moeda de troca” para negociar sua integração ao novo Regime político nascido da chamada “transição democrática”. Parece ser, mas não é. Porque muito longe está Podemos, entre outras questões, de ter a influência que o PCE tinha no movimento operário com peso militante no CCOO.

E porque esta formação neorreformista nem sequer se propõe a ser uma alternativa de "ruptura". Se algo quer retomar PCE é, mais precisamente, sua etapa final. Quer dizer, quando abandonou seu objetivo de ruptura e aprofundou sua política de moderação e freou o ascenso operário; e por essa via passavam a tomar uma posição “pactuadora” abandonando a rupturista, o que o PCE chamou sob o eufemismo de “ruptura pactuada”.

“O objetivo da transformação social é a partir de reformas”. Assim respondeu Iglesias em uma entrevista feita pelo Diario.es quando lhe perguntaram se aposta na reforma ou na ruptura.

Mas, para além disso, nunca propôs reformas substanciais, para Podemos também são impossíveis. Se trata apenas de defender as conquistas que sobreviveram à crise e alguma outra que o próprio Estado capitalista possa conceder. “Nunca vamos poder retornar aos momentos mais virtuosos do Estado de Bem-Estar”, “Temos que lutar pela defesa do que ainda há e, se possível, avançar no que não há. Estamos em um momento muito difícil, no qual o que estamos fazendo é resistir para conservar coisas boas que havia. ”

O exemplo do Syriza pode ser bem esclarecedor depois da profunda decepção que resultou quando aplicou as piores contrarreformas da Troika, que acabaram inclusive com o que restava do Estado de Bem-Estar. A experiência grega é um espelho no qual se refletem os resultados da estratégia reformista de Podemos.

Uma estratégia que se concentre “apenas em defender as conquistas” representaria a um setor limitado da classe explorada. Deixando de lado aqueles que perderam há anos ou os que nunca tiveram, as camadas mais exploradas e oprimidas da sociedade. Inclusive para lutar e obter reformas e melhorias, é necessário recompor a unidade dos distintos setores de explorados e oprimidos, assim como sua coordenação na ação.

O que é o Regime de 78?

Para Pablo Iglesias é “o sistema político aprovado em uma série de poderes fáticos". “O sistema político do nosso país surge da Transição e seguramente se consolida a partir de 1982 com o êxito desenvolvimentista do PSOE. Isso não apenas é o PSOE no poder, é um tipo de relação com os sindicatos, sustentado nos Pactos da Moncloa, é um tipo de relação com os poderes europeus, em particular com a socialdemocracia europeia, é uma relação com as elites empresariais de nosso país e é uma relação com o velho Estado”, explica.

Entretanto, Pablo Iglesias não fala de outros poderes fáticos como o que este Regime de 78 deu à luz: uma Monarquia parlamentária na qual o Rei era Chefe de Estado e das Forças Armadas, Juan Carlos I, como sucessor de franco com a Lei de Sucessão 1969 e uma nova fachada “democrática” que não pode ocultar um Rei nomeado “com a graça de Franco”. De repente, Pablo Iglesias disse ter “um ideal republicano fundamentado nas ideias da Ilustração, da racionalidade...” Mas jamais fez uma crítica sequer a monarquia. Não nos esqueçamos sua foto saudando Felipe VI e lhe entregando a coleção de “Game of Thrones” em Bruxelas. Uma espécie de reedição do velho combo ‘PSOE e Juan Carlos I’ para re-estabilizar o moribundo Regime de 78.

Outra questão de que se esquiva Iglesias é sobre “o tipo de relação com os sindicatos, sustentado nos Pactos de Moncloa” é que os acordos com as direções sindicais CCOO e UGT lhes serviram para represar a combatividade operária e abrir a porta para as duras reconversões industriais. Cabia se perguntar como “retomar a mobilização social” com estas direções sindicais traidoras, que levaram e levam a resistência operária à derrota e o desgaste. Podemos deveria questionar a atual “paz social” da burocracia, - elemento de maior contenção do Regime -, exigindo uma greve geral para pôr abaixo este Regime reacionário.

Iglesias também “se esquece” da resolução sobre a questão nacional, que foi um dos pontos mais reacionários do Regime de 78, que impediu qualquer desenvolvimento de um estado federal, com o pacto entre UCD e o PSOE no verão de 1981. Com o “café para todos” nasce o Estado das Autonomias que bloqueava a resolução da questão nacional vasca e catalã. Uma tarefa pendente que hoje atua como um boomerang na crise do Estado espanhol.

O Regime de ’78, então, “entra em cheque com o 15M, com uma crise que nós chamamos de orgânica, uma crise de regime que não é uma crise de Estado porque estamos na Europa Ocidental e abre uma nova transição para seguramente outro regime político. ” Toda uma mudança estética, “cultural” como gosta de se referir Iglesias: “Estamos no meio de uma transição que já teve efeitos políticos concretos e que agora temos que empurrar para que possa ter efeitos sociais e culturais importantes”.

Um discurso tão moderado não alcança o nível de "radicalidade" de líderes da extrema direita, como o triunfante Trump. Porém para oferecer uma saída radical, em um sentido inverso ao de Trump, Iglesias deveria denunciar o Estado imperialista, convocar mobilizações contra as reacionárias leis de imigração, pelos fechamentos dos CIEs ou contra perseguição racista aos trabalhadores "manter-se de fora das Prefeituras para a “mudança” de Barcelona e Madrid". Ou seja, propor um programa e um plano de mobilizações mais antirracista (e anti-imperialista) que o radicalmente racista e xenófobo de Trump.

O Estado, e as forças materiais que sustentam o Regime – a propriedade privada e suas leis, a classe capitalista –, não entra em sua análise sobre a “crise orgânica”. Propagandear a “mobilização nas ruas”, por um poder popular, é no mínimo contraditório com a atuação das Prefeituras das confluências que reprimem os imigrantes, são mais anti-greves como em Barcelona com TMB Metro, executam despejos ou desalojam centros sociais ocupados. Mas não é contraditório com deixar intacto o marco legal da propriedade privada e seu Estado.

Um debate pendente com a esquerda: reforma ou ruptura revolucionária?

Retomar o debate reforma ou revolução, ou ruptura democrática ou revolucionária não é em vão como diz Pablo Iglesias, para quem a revolução é um horizonte impensável. “Isto não é a tomada do Palácio de Inverno” diz Iglesias em tom jocoso e continua, “A palavra ruptura [...] é uma metáfora que marca um estilo e uma maneira de impugnar e de entender qual tem que ser nosso estilo político”, “nossa práxis é modesta, temos que ser modestos. O famoso debate “reforma-revolução” creio que não é um debate da esquerda espanhola nem do espaço político de Unidos Podemos nem de ninguém nesses momentos. [...]".

Sem dúvida, é de fato um debate pertinente para as correntes que se reclamam anticapitalistas. Boa parte da esquerda no Estado espanhol, como Anticapitalistas, ou Em Luta, tiveram sua estratégia de ceticismo desde a revolução e a classe trabalhadora. Compartilhando da visão do marxismo como “marxismo infantil” que abona Iglesias, abandonaram a construção de uma alternativa anticapitalista revolucionária, independente dos partidos do Regime, diluindo-se no interior do Podemos.

Iglesias aponta para um inimigo fácil para justificar seu pessimismo reformista, esse “otimismo histórico de certo marxismo mecanicista”. Uma reviravolta para escapar a discussão e impugnar assim ao marxismo e todas suas eleições e seu objetivo como caducos e vetustos. Para passar por cima de análises marxistas sobre o Estado e a sociedade de classes, incômodos para todo reformista. Assim como ridicularizar o programa dos revolucionários, do qual a insurreição e os sovietes são sua coroação.

O pessimismo histórico sobre uma transformação radical, o posicionamento por reformas cada vez mais cosméticas, a defesa da “ruptura” como um estilo para levar adiante alguma dessas reformas, os discursos encenados e as “práxis modestas”, dão conta de um assentimento de sua estratégia reformista cada vez mais limitada e superficial, e fazem recordar a mesma socialdemocracia antes de degenerar nos vis gestores do capital sem escrúpulos, no que se converteram aos olhos de milhões.

Em boa medida, as experiências nas Prefeituras dão conta não só de que isso é um perigo real, mas também que está ocorrendo a uma velocidade trepidante em relação aos centenários partidos socialdemocratas.

Sobra dizer que nós marxistas não nos opomos às reformas progressivas, mas mantemos claramente que essas conquistas parciais devem fiar-se na luta por uma transformação radical das relações sociais de produção e de propriedade injustas. Sem isso não se subverterá a estrutura social, pelo que não se muda, pois que não se altera o caráter explorador do Estado nem a desigualdade. Os regimes políticos vêm para dar uma camuflagem a tudo isso, a forma na qual é apresentado politicamente às massas. É de conjunto uma caixa de engrenagens hoje a serviço da burguesia. Isto é o que deve ser questionado pelo menos pelos que se reivindicam anticapitalistas consequentes.

Para que as posições representativas de Podemos e as candidaturas municipalista “como ferramenta para construir instituições desde abaixo, capazes de, a partir da resistência contra a grande coalizão, construir uma maioria social contra a exploração e a exclusão” como assinala Anticapitalistas, além do mais de apostar pela mobilização social abandonada na última etapa, estas deveriam assumir sem rodeios e de forma consequente a oposição aos dirigentes sindicais traidores, a monarquia herdeira do Franquismo, a autodeterminação dos povos com todas suas consequências, assim como a luta por uma Assembleia constituinte verdadeiramente livre.

 
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