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ESTRATÉGIA INTERNACIONAL | TEORIA
Trotski e Gramsci: debates de estratégia sobre a revolução no “ocidente”
Matías Maiello
Buenos Aires
Emilio Albamonte
Dirigente do PTS, membro do Staff da revista Estratégia Internacional

Apresentamos a seguir um contraponto entre o pensamento estratégico de Leon Trotski e o de Antonio Gramsci. Em um número anterior de Estrategia Internacional publicamos “Trotski e Gramsci. Convergências e divergências”, onde realizávamos uma comparação de conjunto dos sistemas teóricos de ambos os revolucionários. No presente artigo, nos concentraremos em suas respectivas abordagens das principais lições estratégicas da luta de classes na Europa durante o período que vai da revolução alemã de 1923, e sua derrota, até a ascensão de Hitler um década depois.

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No marco da crise capitalista e frente aos novos processos da luta de classes que começam a se desenvolver no mundo, hoje mais do que nunca é necessário um retorno da reflexão estratégica. Com este objetivo realizamos no início de 2011 um seminário sobre alguns dos principais conceitos dos teóricos da estratégia militar, e em especial sobre a obra clássica Da Guerra de Carl von Clausewitz, da qual tanto Lenin como Trotski – e através deles a III Internacional – haviam se apropriado de muitos elementos fundamentais para pensar a estratégia do marxismo revolucionário na época imperialista. Este ano, em outro seminário nos centramos no estudo da concepção de estratégia no marxismo de Leon Trotski, cujo pensamento abordou as principais questões de estratégia da revolução tanto no terreno militar, como organizador da insurreição de Petrogrado e fundador do Exército Vermelho, assim como no político, como dirigente da III e da IV Internacionais.

Como parte dessa reflexão apresentamos a seguir um contraponto entre o pensamento estratégico de Leon Trotski e o de Antonio Gramsci. Em um número anterior de Estrategia Internacional publicamos “Trotski e Gramsci. Convergências e divergências”, onde realizávamos uma comparação de conjunto dos sistemas teóricos de ambos os revolucionários. No presente artigo, nos concentraremos em suas respectivas abordagens das principais lições estratégicas da luta de classes na Europa durante o período que vai da revolução alemã de 1923, e sua derrota, até a ascensão de Hitler um década depois.

O mesmo é um capítulo [1] do livro Clausewitz, o marxismo e a questão militar, de próxima publicação, onde junto com a abordagem da obra de Carl von Clausewitz e de alguns de seus continuadores como Hans Delbrück, retomamos as principais polêmicas e elaborações sobre estratégia – política e militar – de Trotski, como também de Lenin, Marx, Engels, Mehring, Luxemburgo e Gramsci. Um pensamento estratégico forjado nos grandes acontecimentos da luta de classes, pouco visitado nas últimas décadas, para dizer o mínimo, e que hoje tem um caráter indispensável para pensar os problemas da insurreição, a guerra civil, a política do proletariado nos diferentes tipos de guerras interestatais, entre outras grandes questões vitais que dizem respeito a como levar adiante o programa revolucionário e que, consideramos, são a base para poder revitalizar o marxismo revolucionário à luz das profundas mudanças das últimas décadas.

Trotski e Gramsci e a estratégia para a revolução no “ocidente”

Entre a intelectualidade de esquerda em geral e inclusive naquela que reconhece importantes contribuições de Trotski à teoria marxista, tornou-se lugar comum uma tese que Michael Burawoy [2] tem o mérito de sintetizar da seguinte maneira: “As análises de Trotski naufragaram uma e outra vez contra o recife do proletariado ocidental. Seria outro marxista, Antonio Gramsci, quem faria uma interpretação mais ampla que trataria de ajustar contas com o fracasso da revolução no Ocidente” [3].

O revolucionário italiano desenvolverá como um dos eixos de sua reflexão a questão das condições para a revolução no ocidente, contrapondo a “guerra de posição” à “guerra de manobra” para explicar o fracasso da primeira onda revolucionária do século XX na Europa e as vias necessárias para enfrentar o fascismo.

Suas elaborações e as de Trotski terão alguns pontos de contato, porém no marco de múltiplas divergências que serão fundamentais. Como tentaremos mostrar nestas páginas, será o fundador do Exército Vermelho quem desenvolverá uma visão abrangente dos problemas de estratégia no “ocidente”.

O ponto de partida desta comparação deve situar-se, necessariamente, na revolução alemã de 1923. Um verdadeiro ponto de inflexão da revolução no ocidente que foi ao mesmo tempo a primeira grande derrota da Internacional Comunista (IC). Marcou também o começo de uma espécie de “refluxo” da reflexão estratégica em suas fileiras e o paulatino abandono das principais conclusões dos quatro primeiros congressos.

O primeiro capítulo desta revisão teve lugar no V Congresso da IC e correspondeu às táticas de “frente única” e de “governo operário” [4]. Foi a outra face de negar a derrota na Alemanha e eludir suas lições estratégicas.

A desvalorização por parte de Gramsci dessas polêmicas e das lições da revolução alemã de 1923 não foi problematizada por nenhum de seus principais intérpretes. No entanto, são chaves para poder compreender os problemas fundamentais da revolução no “ocidente” no período entre guerras. Esta lacuna no pensamento do revolucionário italiano pode ser considerada como a fonte mais importante de ambiguidades em sua reflexão estratégica, tanto no que tange à sua concepção da frente única, como ao conceito de “guerra de posição”, e a muitas das formulações de seus Cadernos do Cárcere.

No caso de Trotski, nenhuma das correntes do trotskismo surgidas após a ruptura da IV Internacional em 1953 retomou em profundidade esta etapa para compreender seu legado revolucionário. Ao contrário, do lado do oportunismo pretendeu-se tomar sua defesa da tática de “governo operário” de 1923 para fundamentar a subordinação a direções stalinistas ou pequeno-burguesas, o apoio e até o ingresso em governos burgueses. Enquanto que do lado do fatalismo sectário interpretou-se a política de Trotski naqueles anos como um deslize oportunista. Muitos foram os que, como Isaac Deutscher, não deram maior importância a “esta parte” de sua biografia, por considerar que Trotski exagerava as possibilidades revolucionárias na Alemanha.

No entanto, sua intervenção política como parte do comitê executivo da III Internacional e suas conclusões sobre a Alemanha de 1923 demonstrarão a verdadeira estatura de Trotski como estrategista – no nível de sua intervenção em Petrogrado seis anos antes –, assim como o desenvolvimento de sua concepção de frente única, e da tática de “governo operário”, partindo de estabelecer uma relação complexa entre ataque e defesa retomando os melhores desenvolvimentos de Carl Clausewitz. De conjunto, será um ponto central de sua biografia política e elaboração estratégica sem o qual é impossível compreender o significado de seu legado revolucionário.

I. A ORIGEM DAS DIVERGÊNCIAS NA III INTERNACIONAL

Frente única e governo operário na Internacional Comunista

Os dois anos que vão de maio de 1922 a 1924 serão os de maior atividade política internacional de Antonio Gramsci. São anos fundamentais na formação de seu pensamento político, primeiro por sua estadia na Rússia até dezembro de 1923 como parte do IV Congresso da Internacional Comunista (IC) e como delegado ao comitê executivo da IC pelo Partido Comunista Italiano (PCI), depois transferido a Viena como funcionário do executivo até maio de 1924.

Durante aquele período a localização política do revolucionário italiano dá uma guinada fundamental. O PCI e o próprio Gramsci, sob a direção de Amadeo Bordiga, haviam formado parte da ala esquerdista da Internacional que havia se oposto à tática de frente única operária tal como formulada pelo III Congresso da IC.

Após sua participação no IV Congresso, começou a apropriar-se das teses sobre a frente única e a tática de governo operário [5]. Junto com isso, toma a decisão política de constituir uma alternativa dentro do PCI tanto à direção de Bordiga como à ala direita de Tasca. Daqui para frente a tática de frente única ganhará cada vez mais peso em sua reflexão política até chegar nos Cadernos do Cárcere a identificar-se com a “guerra de posição”, única estratégica possível no “ocidente”.

O IV Congresso da IC de finais de 1922, do qual Gramsci participa teve como um de seus principais temas junto com a questão da revolução no Oriente, o debate em torno à consigna de “governo operário”, que implicava levar as discussões sobre a frente única a um novo nível de desenvolvimento.

A “Resolução sobre a tática da Internacional Comunista” aprovada neste Congresso apontava que: “O governo operário (eventualmente operário e camponês) deverá sempre ser empregado como uma consigna de propaganda geral. Porém como consigna de política efetiva, o governo operário se reveste de uma grande importância nos países onde a situação da sociedade burguesa é particularmente pouco segura, onde a relação de forças entre os partidos operários e a burguesia coloca a solução do problema do governo operário como uma necessidade política candente”. E agregava: “a consigna de ‘governo operário’ é uma consequência inevitável de toda tática de frente única”. [6]

Até aquele momento a tática de “governo operário” ou “governo operário e camponês” se remetia à experiência da atuação do Partido Bolchevique na Rússia que, enquanto não havia conquistado a maioria nos Sovietes, mantinha a exigência aos Mencheviques e Social-Revolucionários (SRs) de que rompessem com os capitalistas e as potências imperialistas e tomassem o poder. Em tais condições os bolcheviques se comprometiam a defender esse governo contra a burguesia e não o enfrentar com meios insurrecionais, porém renunciando a entrar ou assumir responsabilidades políticas por ele. Esta tática havia cumprido um papel fundamental para o avanço da influência dos bolcheviques e para preparar as condições da insurreição triunfante, assim como também havia contribuído à ruptura do partido camponês (SR), dando lugar, após a insurreição de Outubro, à conformação de um governo operário e camponês dos bolcheviques junto com os social-revolucionários de esquerda.

O IV Congresso da IC dá um passo além. Sob o mesmo objetivo de desenvolver a revolução, coloca a possibilidade de que em determinadas condições de desagregação do aparato estatal burguês, antes de tomar o poder, os comunistas participem de governos com partidos e organizações operárias não comunistas para reforçar a preparação das condições para a insurreição e conquistar a maioria da classe operária.

Assim como a frente única, o “governo operário” continha tanto elementos de manobra, como táticos e estratégicos [7]. O aspecto de manobra consistia na possibilidade de conformar governos de coalizão onde os revolucionários participassem junto com partidos e organizações operárias não comunistas sob determinadas circunstâncias de desagregação do aparato estatal burguês e correlação de forças que mencionávamos antes, para “concentrar e desencadear lutas revolucionárias” [8]. A resolução do IV Congresso era clara em distinguir este tipo de governo operário, dos “governos operários” trabalhistas ou social-democratas, que “não são governos revolucionários, mas sim governos camuflados de coalizão entre a burguesia e os líderes operários contrarrevolucionários” [9]. Destes últimos, os comunistas não participariam sob nenhuma consideração, ao contrário, deviam “desmascará-los sem piedade frente às massas” [10].

A aliança circunstancial compreendida na tática de “governo operário” da IC tinha objetivos políticos precisos, que se expressavam na obtenção de determinados pontos mínimos, que a “Resolução sobre a tática...” resumia da seguinte maneira: “O programa mais elementar de um governo operário deve consistir em armar o proletariado, em desarmar as organizações burguesas contrarrevolucionárias, em instaurar o controle da produção, em fazer cair sobre os ricos o principal peso dos impostos e em destruir a resistência da burguesia contrarrevolucionária” [11]. O objetivo estratégico, assim como na frente única, era conquistar a maioria da classe operária para a revolução por meio da experiência comum ou do seu rechaço por parte das direções reformistas ou centristas.

O IV Congresso da IC contemplava inclusive a possiblidade de participar de um “governo operário” surgido de uma combinação parlamentar, porém sempre partindo do mesmo objetivo estratégico, desenvolver o movimento revolucionário e a guerra civil contra a burguesia. “Um governo deste tipo – apontava a “Resolução...” – não é possível se não nasce da própria luta das massas, se não se apoia sobre os órgãos operários aptos para o combate (...) Um governo operário que resultasse de uma combinação parlamentar também podem fornecer ocasião de reanimar o movimento operário revolucionário. Porém de fato (...) deve levar à luta mais encarniçada ou até à guerra civil contra a burguesia” [12].

Poucos meses depois do IV Congresso, explode uma nova revolução na Alemanha que em outubro de 1923 colocará a possibilidade concreta de conformar “governos operários” nos Länder da Saxônia e da Turíngia. Será a primeira prova e a implementação mais audaz da tática de frente única que a Internacional Comunista irá realizar.

A fórmula de “governo operário” e o valor relativo das “fortalezas” na ofensiva

Em janeiro de 1923, o primeiro ministro francês Poincaré lança uma invasão da região do Ruhr, que era o centro alemão de produção de carvão, ferro e aço, realizando “requisições” para cobrar as reparações de guerra. A consequência foi um crescente caos econômico na Alemanha, paralisação da indústria, explosão das taxas de desemprego, hiperinflação, etc., o que acendeu novamente a chama da revolução alemã. Sucedem-se ondas de greves a partir de maio, desenvolvem-se os comitês de fábrica (Betriebsräte) como organismos de auto-organização, também as Centúrias Proletárias (milícias operárias) que tomam os mercados e lojas para conseguir alimentos, surgem comissões de controle de preços e de distribuição de alimentos, em especial no Ruhr. Em agosto tem lugar uma greve geral com foco em Berlim que derruba o governo do chanceler Wilhelm Cuno, cabeça de uma gabinete de “técnicos” que respondia diretamente à grande burguesia da indústria e das finanças. Ele é sucedido por um governo de coalizão em torno a Gustav Stresemann em que participam quatro ministros do Partido Socialdemocrata Alemão (SPD).

Neste marco se coloca a possiblidade de constituir “governos operários” com a ala esquerda do SPD tanto na Saxônia como na Turíngia. A discussão sobre esta possiblidade já havia surgido um ano antes, em 1922. Naquele então Trotski a havia rechaçado como perspectiva imediata porém deixando-a colocada para quando se aprofundasse a situação da luta de classes, o que de fato sucedeu a partir da crise do Ruhr.

“Se vocês – dizia Trotski –, nossos camaradas comunistas alemães, pensam que é possível uma revolução nos próximos meses na Alemanha, então lhes aconselhamos a participar na Saxônia em um governo de coalizão e utilizar vossos postos ministeriais para promover as tarefas políticas e organizativas e transformar a Saxônia em certo sentido em uma semeadora comunista de modo a ter um bastião revolucionário em um período de preparação para o próximo estouro da revolução. Isso só seria possível se a pressão da revolução já se faz sentir, só se já está ao alcance da mão. Neste caso, implicaria apenas a tomada de uma única posição na Alemanha que vocês estão destinados a capturar em seu conjunto. Porém no momento presente vocês terão na Saxônia o papel de um apêndice, de um apêndice impotente, porque o governo saxão é impotente ante Berlim, e Berlim é um governo burguês” [13].

Isto é, Trotski entendia a participação em um governo de coalizão local com o SPD como a possibilidade de constituir um bastião revolucionário, não em qualquer momento senão no período da preparação da insurreição. Este período, como vimos nos capítulos anteriores, constituía para Trotski o primeiro momento da guerra civil, isto é, da ofensiva estratégica do proletariado.

Uma lógica similar encontramos na avaliação de Clausewitz das “fortalezas” na ofensiva. O general prussiano concebia dois únicos meios para a ofensiva em sua época. Obviamente, o primeiro era a força armada, no entanto agregava: “a isso devemos somar, é claro, as fortalezas, porque se estas se acham na vizinhança do teatro de guerra do inimigo terão influência apreciável sobre o ataque. Porém esta influência diminui gradualmente à medida que progride o ataque, e é evidente que no ataque nossas próprias fortalezas nunca podem desempenhar um papel tão importante como na defesa, em que amiúde se convertem no fator principal” [14].

Finalmente em 10 de outubro três comunistas se integrarão ao governo presidido por Zeigner na Saxônia (Böttcher, Heckert, y Brandler); e em 13 de outubro outros três comunistas (Neubauer, Tenner, y Karl Korsch) entram no governo da Turíngia encabeçado por Fröhlich.

Dois dias depois da entrada dos comunistas no governo, Zeigner dá a conhecer sua intenção de desarmar as formações burguesas e fortalecer as Centúrias Proletárias. Ante o que se aprofunda a tensão com o exército (Reichswehr) e o General Müller, comandante do III distrito militar (Wehrkreis), responde de imediato ordenando a dissolução das Centúrias e de todo organismo similar, assim como a entrega imediata das armas. Nos dias seguintes se organiza o Congresso da Centúrias da Saxônia, porém a chave da direção do KPD (Partido Comunista Alemão) passa pelas negociações com o SPD. Enquanto isso, o governo Zeigner não realiza nenhuma medida concreta para armar as Centúrias. No dia 19 de outubro o chanceler Stresemann ordena restabelecer a ordem na Saxônia e Turíngia. No dia 21 reúne-se a conferência de comitês de fábrica em Chemnitz para discutir um plano, porém ante a negativa dos socialdemocratas a reunião fracassa e termina sem nenhum chamado à ação. O KPD cede e decide abandonar o plano da insurreição [15].

Na formulação de Trotski, a entrada em “governos operários” estava posta em função de constituir “fortalezas” para utilizá-las como meio para a ofensiva, isto é, para o fortalecimento dos comitês de fábrica e das Centúrias Proletárias com o objetivo de preparar a insurreição em nível nacional sob as bandeiras da defesa dos “governos operários” frente à Reichwehr. Porém essas “fortalezas” terminaram se convertendo em objetivos em si mesmos para a direção do KPD, que abandonou o objetivo da greve geral e da insurreição quando a direção da ala esquerda da socialdemocracia se opôs. Essas “fortalezas” não serviram como meio para a ofensiva. Em vez de ser um trampolim que aumente a potência do ataque, transformaram-se em um peso morto que terminou por detê-la.

Essa linha de conciliação chegou ao ponto de chamar as massas a abortar a insurreição em Hamburgo quando levavam um dia combatendo com relativo êxito. Esta insurreição, segundo a maioria das fontes, foi levada a cabo porque a resolução do KPD de abortar os planos insurrecionais não chegou a ser comunicada à direção local. Os acontecimentos foram se desenvolvendo a partir de 21 de outubro com a extensão da greve geral para dar lugar no dia 23 ao chamamento à insurreição. A inexistência de tropas da Reichwehr estacionadas em Hamburgo possibilitou êxitos importantes durante as primeiras horas. Apesar do quase nulo armamento com que contavam as Centúrias Proletárias, estas puderam tomar durante a madrugada 17 das 20 delegacias que haviam se proposto. As insuficiências na preparação política fizeram com que as massas “se encontrassem” com a insurreição em curso no mesmo dia 23. Logo os insurretos estariam na defensiva.

No entanto, desde a primeira hora da manhã nos bairros operários barricadas serão levantadas. Em alguns bairros a insurreição foi derrotada, em outros se desenvolveram lutas encarniçadas, em Schiffbeck os insurretos desarmaram a polícia e ficaram com o controle durante dois dias. Na noite de 23 para 24 de outubro, Hugo Urbahns deu a contraordem de abortar a insurreição em curso. Apesar disso os enfrentamentos continuaram na cidade durante vários dias [16].

A insurreição de Hamburgo podia triunfar e conquistar um bastião revolucionário para o resto da Alemanha? É impossível afirmá-lo. O que sim podemos dizer é que Hamburgo estava disposta a combater e era um ponto de apoio para um plano insurrecional nacional.

Apesar de marcar profundamente o destino do movimento revolucionário internacional, a revolução alemã é pouco conhecida em geral, e muito menos estudada. Como buscamos ilustrar neste brevíssimo resumo de alguns acontecimentos, o KPD não se orientou do ponto de vista da estratégia e é ali onde devem ser buscadas as causas da derrota.

Os objetivos táticos do “governo operário” apontados nas resoluções do IV Congresso da IC estavam ligados ao elemento estratégico de contribuir efetivamente para a organização do triunfo da insurreição e do estabelecimento da ditadura do proletariado baseada nos comitês de fábrica e nas Centúrias operárias.

No entanto, como afirmara Trotski, a “rotina da tática” produto da luta cotidiana para conquistar as massas havia cumprido um papel fundamental na incapacidade da direção do KPD para dar uma virada política à altura da situação objetiva que havia se desenvolvido. A política do KPD se manteve no marco dos mecanismos do estado burguês – legalidade constitucional – e da confiança na esquerda da socialdemocracia. Era a primeira grande derrota cuja responsabilidade correspondia à Internacional Comunista por haver deixado passar a situação revolucionária. Este seria o balanço de Trotski da atuação do KPD em outubro de 1923.

A substituição da ofensiva pelo entrincheiramento nas “fortalezas”

Em contraste com o que acabamos de desenvolver, e por fora de qualquer análise séria da obra de Trotski, Christine Buci-Glucksmann afirma em sua volumosa obra Gramsci e o Estado que “reproduzir, nas condições das sociedades capitalistas avançadas, uma estratégia de ataque frontal, conduz não somente ao fracasso, mas significa também estar atrasado, cair no economicismo. E é o economicismo o que marca, para Gramsci, o “marxismo” de Trotski, que não pode evitar os erros similares aos do sindicalismo revolucionário, isto é, a subestimação das superestruturas políticas...” [17].

Desta forma, a autora faz eco do “senso comum” acadêmico que baseado em uma interpretação de Gramsci defende que o problema fundamental da derrota da revolução no ocidente “em geral” foi a incapacidade de dominar determinadas posições ou “trincheiras” com as que as sociedades ocidentais contam fruto de seu maior desenvolvimento.

Na mesma linha desse “senso comum”, porém com argumentos políticos precisos, há uma crítica a Trotski que afirma que ele supervalorizou as possibilidades revolucionárias em 1923, que sua posição está marcada pela incapacidade de avaliar as ilusões da classe operária alemã na democracia burguesa. Em particular isso se expressaria na omissão por parte de Trotski da análise do governo de Stresemann e de sua capacidade para desviar o processo revolucionário graças à incorporação dos ministros socialdemocratas. A conclusão é que, ao contrário do que opinava o fundador do Exército Vermelho, não havia condições para a insurreição.

Neste sentido, Mike Jones de Revolutionary History defende que “Trotski parece dar a entender que se poderia realizar um giro sem a participação ativa ou o apoio da maioria dos trabalhadores, ou inclusive contra eles. Afinal de contas, os números dentro e ao redor do SPD superavam com folga os de todo o KPD, para não falar das influências cristãs ou de outra índole. Também ignora o fato de que, apesar de que os reformistas foram perdendo frente ao comunismo em meados de 1923, as coisas se inverteram depois da chegada de Stresemann. Ele nem sequer menciona a mudança de governo” [18].

No entanto, Trotski analisa sim o governo de Stresemann no calor mesmo dos acontecimentos. Em 19 de outubro de 1923 coloca a questão da seguinte maneira: “A crise atual na Alemanha se desenvolveu a partir da ocupação do Ruhr. Stresemman capitulou ante os imperialistas franceses. Porém o capital usureiro francês não queria falar com os derrotados. O Estado burguês alemão está em agonia. Essencialmente, já não há uma Alemanha unificada. A Baviera, com uma população de 9 milhões, está dirigida pelo fascismo moderado. A Saxônia, com sua população de 8 milhões, tem um governo de coalizão de comunistas e socialdemocratas de esquerda. Nenhum desses Estados toma em conta o governo central de Berlim, onde Stresemann governa sem esperanças. O Parlamento lhe cedeu seus poderes, impotente. Stresemann se sustenta porque nem o Partido Comunista nem os fascistas tomaram o poder. Porém a ala esquerda da frente política alemã segue crescendo...” [19]

Como diz Trotski a própria evolução da situação, na Saxônia e Turíngia pela esquerda onde um setor da socialdemocracia forma um governo comum com os comunistas, e na Baviera pela direita com o domínio dos fascistas, mostra um processo de polarização que continua após a ascensão de Stresemann. Desta forma o governo e o regime adquirem um caráter de bonapartismo débil – “kerenskista” em analogia com a revolução russa – em xeque pela mobilização das massas, que haviam protagonizado a grande greve geral de agosto, e pelas forças contrarrevolucionárias. Isso se dava no marco da ocupação militar de uma região do país, de um processo hiperinflacionário, da divisão das classes médias, do crescimento do KPD nos sindicatos, dos fenômenos de auto-organização que se expressavam no desenvolvimento dos comitês de fábrica, etc. Tudo isso mostrava, para Trotski, a madureza das condições para preparar a tomada do poder. Outro importante fato a favor dessa caracterização de Trotski foi o próprio desenvolvimento posterior da insurreição de Hamburgo apesar do seu isolamento.

O próprio Gramsci, apesar de não o desenvolver, adota uma atitude sobre as posições de Trotski que vai no mesmo sentido da crítica de Jones. “Se houve erros – dizia Gramsci numa carta a Togliatti e Terracini –, foram os alemães que os cometeram. Os camaradas russos, concretamente Radek e Trotski, cometeram o erro de crer nas vacuidades de Brandler e dos demais, porém tampouco nesse caso sua posição era de direita, ao contrário era de esquerda, até o ponto incorrer na acusação de putschismo” [20].

É evidente que o argumento expiatório de haver confiado em informação equivocada que coloca Gramsci não se sustenta para alguém que como Trotski conhecia o movimento operário alemão de primeira mão, havia dirigido o Soviete de Petrogrado em 1905 e 1917, a insurreição de Outubro de 1917, e uma guerra civil como a russa no comando de um exército de cinco milhões de pessoas. Inclusive o próprio Brandler, em um intercâmbio anos depois com Isaac Deutscher [21], conta como foi Trotski quem teve que passar toda uma noite o convencendo da decisão da direção da IC de colocar data na insurreição.

A questão não se referia a um problema de equívocos com respeito aos fatos, mas de quais eram as consequências que se desprendiam deles. Brandler, por exemplo, considerava que se era necessário começar lutando em uma posição defensiva a luta já estava condenada, não que podia ser a preparação para a passagem para a ofensiva. O dirigente do KPD estabelecia por sua vez uma separação cortante entre as lutas operárias contra a carestia de vida e o impulso para a tomada do poder, a relação entre ambas parecia um segredo fechado a sete chaves para ele. Como resultado, Brandler aceita formalmente orientar o partido para a insurreição, porém sem convencimento, o que não pode ser mais que fatal para uma direção que está em vésperas de propor-se o assalto ao poder [22].

Como vimos assinalando, a reflexão estratégica de Trotski ia por trilhos opostos. Baseado em relacionar defesa e ataque, posição e manobra, impulso das massas e preparação consciente, o fundador do Exército Vermelho cruzava lanças contra todo fatalismo. Ele se nega a pôr como modelo as condições russas de armamento e desenvolvimento dos sovietes. Com respeito a estes últimos, defende em “O calendário da revolução” [23], como as condições podem estar maduras para a insurreição mesmo sem que os organismos de auto-organização se encontrem suficientemente desenvolvidos, ante o que levanta como os diferentes passos de sua organização devem ser incluídos no “calendário” pré-insurrecional. O mesmo com o armamento; deve ser parte da preparação assim como o primeiro objetivo da própria insurreição.

“A revolução – dizia Trotski – possui um grande poder de improvisação, porém nunca improvisa nada bom para os fatalistas e os tontos. A vitória exige a correta orientação política, a organização e a vontade de desferir o golpe decisivo” [24].

II. DIVERGÊNCIAS ENTRE TROTSKI E GRAMSCI

Frente única e insurreição

As conclusões sobre a derrota da Alemanha serão o verdadeiro ponto de inflexão na estratégia da Internacional Comunista e na história da tática da frente única em particular. Morto Lênin meses antes e iniciada a luta do triunvirato de Stalin, Zinoviev e Kamenev contra Trotski, o V Congresso da III Internacional, realizado em 1924, passou por alto as principais lições da revolução alemã e em troca empreendeu a revisão das teses do III e IV Congressos sobre as táticas da frente única e de “governo operário”.

A defesa da formulação original da tática da frente única no V Congresso correspondeu isoladamente a Trotski. Como afirmara em referência à Alemanha: “Zinoviev não via a catástrofe, e não era o único. Com ele, todo o V Congresso passou ao largo da maior derrota da revolução mundial sem vê-la. (...) Em sua resolução, o Congresso aprovou o CE por haver: ‘condenado a atitude oportunista do CC alemão, e sobretudo o desvio da tática da frente única que se deu durante a experiência governamental da Saxônia’.” E Trotski agrega em referência a esta crítica: “É quase como condenar um assassino ‘sobretudo’ por não ter tirado o chapéu ao entrar na casa da vítima” [25].

O problema fundamental não era ter constituído o “governo operário” na Saxônia, o que era uma manobra tática, mas sim que este não fosse posto em função da ofensiva; não se havia preparado a insurreição, e tinha-se deixado passar sem luta a oportunidade de tomar o poder. Ou seja, ainda que tivessem rechaçado a conformação de governos de coalizão na Saxônia e Turíngia, os dirigentes do comunismo alemão teriam se mantido nos marcos da legalidade do regime burguês, já que não se decidiram a lutar pela tomada do poder. A isso se referia Trotski quando dizia que apontar como o erro principal a entrada no governo de coalizão era como “condenar um assassino ‘sobretudo’ por não ter tirado o chapéu”.

No caso de Gramsci, ele não realiza elaborações substanciais com respeito a estas polêmicas do V Congresso. Com efeito, irá se apropriar de suas teses principais, as quais revisarão a tática da “frente única” fazendo-a retroceder aos debates passados sobre se ela devia ser “por cima” ou “por baixo”, e estabelecendo esta última variante como norma. Os debates do congresso também retrocederão com respeito à fórmula de “governo operário” tal como havia sido formulada originalmente na “Resolução sobre a tática...”.

Gramsci tampouco dará maior relevância ao balanço sobre a derrota na Alemanha que havia estado no centro destes debates. Meses antes do Congresso, na carta a Togliatti e Terracini que citamos anteriormente, ele critica corretamente o grupo de Brandler por não se propor a desenvolver os conselhos de fábrica e o controle operário, e por amarrar o partido aos marcos da legalidade burguesa. Porém, não se pronuncia sobre a questão em que, segundo Trotski, era central definir-se: se era o momento ou não de passar à ofensiva. Apesar de que parece coincidir com a maioria do congresso na avaliação de que as condições não estavam maduras para propor-se preparar a tomada do poder e, como vimos, de que as posições de Trotski eram fruto dos maus informes de Brandler que exageravam a agudeza da situação [26].

Para Trotski o problema principal era que a direção do KPD havia se demonstrado incapaz de realizar a virada brusca da passagem à ofensiva no momento oportuno, que havia sido incapaz de articular a passagem da “guerra de posição” à “guerra de manobra” nos termos de Gramsci.

Frente à ala direita do KPD dirigida por Brandler, que naquele momento havia contado com o beneplácito de Stalin chamando a refrear mais do que alentar as tendências insurrecionais das massas, Trotski assinalava: “Quando a situação objetiva exigia uma virada decisiva, o partido de limitou a esperar a revolução em lugar de organizá-la. (...) Durante 1923 as massas trabalhadoras compreenderam, ou sentiram, que se aproximava o momento do combate decisivo. Porém não viram no Partido Comunista a resolução e a confiança necessárias. E quando começaram os preparativos apressados para a insurreição, perdeu completamente o equilíbrio e, também, seus laços com as massas. (...) Alguns de nossos camaradas avaliaram que ‘havíamos superestimado a situação; a revolução ainda não está madura’. Porém na realidade, a revolução não fracassou porque em geral ‘não estava madura’, e sim porque seu elo decisivo – a direção – rompeu-se no momento decisivo” [27]

Mais tarde, Trotski teoriza esta questão, também contra quem como Zinoviev no V Congresso pretendia reduzir todo o problema à tática de “governo operário” em si: “No fracasso alemão de 1923 houve, é claro, muitas particularidades nacionais, mas também houve muitos traços típicos que manifestam um perigo geral. Esse perigo poderia ser definido como a crise da direção revolucionária às vésperas do trânsito à insurreição. A base do partido proletário, por sua própria natureza, está menos inclinada a sofrer a pressão da opinião pública burguesa, porém é sabido que certos elementos das camadas superiores e médias sofrerão inevitavelmente, em maior ou menor medida, a influência do terror material e intelectual exercido pela burguesia no momento decisivo (...) não existe contra ele nenhuma receita aplicável em todos os casos. Porém o primeiro passo na luta contra um perigo é compreender sua origem e sua natureza” [28]. Por sua vez, Trotski irá apontar como esta dinâmica está associada ao desenvolvimento de um grupo de direita em cada partido comunista nos períodos “pré-outubro” que reflete tanto as dificuldades do “salto” que implica a insurreição como a pressão da opinião pública burguesa sobre a direção [29].

A falta de uma conclusão estratégica neste sentido e sua substituição pela impugnação da tática da frente única em si, será a fonte das aventuras posteriores ao V Congresso [30]. A incapacidade da direção da IC para estimar em sua justa medida a importância da derrota da Alemanha e suas lições constituirá para Trotski “o erro estratégico fundamental do quinto congresso”.

Como veremos mais adiante, ao não dar o peso necessário para a Alemanha, na reflexão estratégica de Gramsci se estabelece uma continuidade entre a luta do III e IV Congressos da IC pela “frente única”, após a “Ação de Março” [31] de 1921, e a batalha contra a linha do “terceiro período” após o VI Congresso da IC de 1928. O que se perde no meio, não é somente uma visão realista das posições estratégicas de Trotski, mas sim nada mais nada menos do que a importante discussão em torno à articulação entre “posição” e “manobra”, entre frente única e insurreição no “ocidente”.

Por isso para Trotski o fundamental não era revisar a tática de frente única, nem para embarcar em aventuras putschistas, nem para erigir essa tática em estratégia, adaptando-se à esquerda da socialdemocracia. A conclusão fundamental do V Congresso deveria ter considerado que “à ‘direita’ e ‘esquerda’ há grande perigos que constituem os limites da política do partido proletário em nossa época. Seguimos esperando que num futuro não distante, enriquecido pelas lutas, as derrotas e a experiência, o Partido Comunista Alemão consiga governar sua nave entre o Cila de “março” e o Caríbdis de “novembro” para proporcionar ao proletariado alemão o que tão arduamente ele mereceu: a vitória!” [32]. Junto com isso Trotski tirava como um das principais conclusões a necessidade de desenvolver um amplo estudo da insurreição como arte, como combinação entre conspiração e ação de massas; assim o expressaria em suas conferências ante a Sociedade de Ciências Militares de Moscou, de julho de 1924. [33]

Tal era a linha estratégica que orientou a posição de Trotski nesses anos, e foi por sua vez a mesma que a direção da IC se negou a adotar, e coerente com isso se encarregou de estabelecer as viragens mais insólitas nos anos seguintes, destruída pelo Cila de “março” durante o “terceiro período” que abriu caminho para a ascensão do fascismo, e depois pela Caríbdis de “novembro” até chegar às profundezas da “frente popular” que afogou a revolução espanhola deixando o caminho aberto para a segunda guerra mundial.

Posição e manobra em Gramsci

Como apontava Clausewitz, “O primeiro ato do juízo, o mais importante e decisivo que pratica um estadista e general em chefe, é conhecer a guerra que empreende (...) é o fato de não a confundir ou querer fazer dela algo que não seja possível dada a natureza das circunstâncias. Este é o primeiro e o mais geral de todos os problemas estratégicos” [34].

Nesse sentido, o balanço da derrota da revolução alemã não só dizia respeito à possibilidade de extrair lições estratégicas do processo mas também ao discernimento de qual era a situação internacional que se abria. O V Congresso vai caracterizar a continuidade do processo revolucionário na Alemanha após novembro de 1923, estabelecendo portanto que a tomada do poder ainda se encontrava no horizonte imediato.

Para Trotski, ao contrário, a derrota do proletariado alemão abria um período de refluxo e estabilização relativa do capitalismo, em que era preciso voltar a pôr em primeiro plano a luta dos Partidos Comunistas para conquistar as massas e preparar novamente as condições para lutar pelo poder. Trotski põe o acento no caráter relativo da estabilização dentro de uma época imperialista caracterizada pelas bruscas oscilações da situação. Nesse sentido, sintetizará anos depois: “Se não se compreende de uma maneira ampla, generalizada, dialética, que a época atual é uma de mudanças bruscas, não é possível educar verdadeiramente aos jovens partidos, dirigir judiciosamente do ponto de vista estratégico a luta de classes, combinar legitimamente seus procedimentos táticos nem, sobretudo, mudar de armas brusca, resoluta, audazmente ante cada nova situação” [35].

Gramsci no início de 1924 parece ir no mesmo sentido que Trotski quanto ao afastamento da possibilidade imediata da revolução e à necessidade de pôr em primeiro plano a luta pela influência entre as massas para preparar as condições da tomada do poder. No entanto, Gramsci não extrai esta conclusão sobre a base da derrota na luta de classes do movimento operário alemão, e sim diretamente das características mais gerais que diferenciam o “oriente” do “ocidente”: “A determinação, que na Rússia era direta e lançava as massas às ruas, ao assalto revolucionário, na Europa central e ocidental se complica com todas estas superestruturas políticas criadas pelo desenvolvimento superior do capitalismo, o que faz a ação das massas mais lenta e mais prudente, e exige, portanto, do partido revolucionário toda uma estratégia e uma tática muito mais complicadas e de mais respiro do que as que os bolcheviques necessitaram no período compreendido entre março e novembro de 1917” [36].

Nesse ponto encontramos uma das diferenças fundamentais entre ambos os revolucionários. Enquanto para Trotski, que havia extraído as principais lições da revolução alemã de 1923, o que os partidos da III Internacional – incluídos os do “ocidente” – deviam compreender era que se tratava de “uma época de mudanças bruscas”; para Gramsci, que não havia penetrado naquele balanço, a conclusão adquiria um caráter mais “geral” onde a existência de superestruturas mais sólidas no “ocidente” tornava “a ação das massas mais lenta e mais prudente”. Esta conclusão será a base para seus desenvolvimentos posteriores nos Cadernos do Cárcere.

É importante destacar que as divergências entre Trotski e Gramsci sobre a revolução no “ocidente” não surgem da constatação da maior complexidade das superestruturas políticas "ocidentais”, mas das diferentes conclusões estratégicas que ambos extraem daí. O próprio Gramsci destacará em seus Cadernos a comparação realizada por Trotski entre “oriente” e “ocidente” no IV Congresso da IC: “Uma tentativa – dizia – de iniciar uma revisão dos métodos táticos teria sido a exposição de L. Davidovitch Bronstein [Trotski] na quarta reunião, quando fez uma comparação entre a frente oriental e a ocidental: aquela [frente oriental] caiu de imediato porém isso foi seguido de lutas inauditas; neste [frente ocidental] as lutas ocorreram ‘antes’. Ou seja, que se trataria de se a sociedade civil resiste antes ou depois do assalto, onde isto sucede, etc.” [37]

Efetivamente, Trotski havia defendido, no discurso a que se refere Gramsci, que: “A facilidade com que nós havíamos conquistado o poder em 7 de novembro de 1917, tivemos que pagá-la com os inumeráveis sacrifícios da guerra civil. Nos países mais antigos do ponto de vista capitalista, e com uma cultura mais alta, a situação será, sem dúvida, profundamente diferente. (...) Será mais difícil e esgotadora a luta pelo poder do Estado, porém tanto menos possível será desafiar o poder do proletariado depois da vitória”. [38]

A base desse raciocínio era que – em termos de Gramsci – a “sociedade civil” no “ocidente” resiste mais antes do assalto do que depois, enquanto que no “oriente” sucede o contrário. No entanto, o revolucionário italiano, após destacar aquela análise de Trotski agregava imediatamente depois: “A questão, no entanto, foi apenas exposta numa forma literária brilhante, porém sem indicações de caráter prático” [39].

Esta afirmação não podia estar mais longe da realidade, como fica evidente nas próprias intervenções de Trotski durante o IV Congresso de onde Gramsci extrai sua citação, ou no informe sobre a tática de frente única na França para o comitê executivo da IC de fevereiro-março de 1922, ou posteriormente, como vimos, nos debates sobre a revolução alemã de 1923, entre muitos outros que Gramsci podia conhecer, e para além das sistematizações que realizou posteriormente. A questão reside, na realidade, naquilo que o revolucionário italiano esperava como “indicações práticas”, e que diferia das que Trotski efetivamente defendeu.

No caso de Gramsci, as diferenças entre o desenvolvimento da revolução na Europa ocidental e na Rússia o levam a estabelecer uma oposição entre duas estratégias diferenciadas, a de “guerra de manobra” para o “oriente” e a de “guerra de posição” para o “ocidente”. Com “guerra de posição” o dirigente do PCI faz referência à forma de fazer a guerra que tinha como característica distintiva a manutenção dos exércitos contendentes em linhas táticas atrincheiradas, a qual encontrou seu desenvolvimento mais amplo durante a primeira guerra mundial. Neste esquema a “manobra” era identificada em geral com o assalto às posições inimigas. [40]

Perry Anderson, em As antinomias de Antonio Gramsci, aponta como este esquema teórico de “guerra de posição” e “guerra de manobra” reproduz em muitos aspectos o que havia sido elaborado por Karl Kautsky, retomando os conceitos do historiador militar Hans Delbrück de “estratégia de desgaste” e “estratégia de abatimento” [41]. No entanto, Gramsci tinha antecedentes muito mais diretos nos debates da Internacional Comunista. Referimo-nos à contraposição entre as diferentes estratégias para “oriente” e “ocidente” desenvolvidas por Pannekoek e Gorter [42], entre outros, e que era patrimônio comum da ala esquerdista da IC da qual formava parte a seção italiana sob a direção de Bordiga.

Como parte de sua ruptura com Bordiga em 1924, Gramsci inverte os termos do esquema dos esquerdistas [43]. O ocidente passa, de ser o lugar onde a classe operária, nas palavras de Gorter, impõe-se “pela potência do seu número” [44], a ser aquele onde “a ação das massas se tornava mais lenta e mais prudente”. Este esquema herdado, de contraposição mecânica de estratégias para “oriente” e “ocidente”, longe de ser um ponto de apoio para Gramsci será uma fonte, primeiro, de ecletismo político [45] e, anos depois, de simplificações teóricas.

Nos Cadernos do Cárcere, no momento de demarcar as particularidades da revolução no “ocidente”, Gramsci defendia que “A estrutura maciça das democracias modernas , tanto como organizações estatais ou como complexo de associações na vida civil, constituem para a arte política o que as ‘trincheiras’ e as fortificações permanentes da frente na guerra de posições: tornam apenas ‘parcial’ o elemento de movimento que antes era ‘toda’ a guerra” [47].

Para Trotski, neste ponto os problemas da estratégia só podiam apenas começar, a questão central estava em como utilizar essas “fortificações”. Também é necessário agregar, como apontou corretamente Anderson criticando Gramsci, que nas democracias imperialistas a burguesia não apenas conta com maiores mecanismos de “consenso” e de cooptação, mas também com uma maior eficácia no terreno da capacidade repressiva [48].

Trotski também desenvolveu as diferenças entre o Estado no “ocidente” e no “oriente”, no entanto, não dava a essas diferenças um caráter absoluto. Nem a “estrutura maciça” das democracias modernas, nem a maior eficácia do aparato repressivo podiam ser vistos como fenômenos imutáveis. Marcando as diferenças entre a revolução na Rússia e nos países ocidentais, apontava: “Era nossa maior vantagem a de que nos preparávamos para a derrubada de um regime que ainda não havia tido tempo de se formar. A extrema instabilidade e a falta de autoconfiança do aparato estatal de Fevereiro facilitaram de modo singular nosso trabalho, mantendo a firmeza das massas revolucionárias e do próprio partido. (...) A revolução proletária no Ocidente terá que se haver com um Estado burguês inteiramente formado”. Porém imediatamente depois agregava: “Isso não quer dizer, contudo, que tenha de se haver com um aparato estável, porque a possibilidade mesma da insurreição proletária pressupõe uma desagregação bastante avançada do Estado capitalista[49].

Por isso, para Trotski a estabilização fruto da derrota em 1923 não podia ser mais do que relativa. Tinha seus fundamentos na luta de classes e não em características gerais de determinados países imperialistas. Daí se desprendia como tema central a preparação dos Partidos Comunistas e de suas direções para mudanças bruscas da situação que colocariam sobre a mesa a necessidade de rápidas passagens de uma posição defensiva a uma ofensiva e vice-versa.

Duas concepções da Frente Única

Com respeito à passagem da guerra de movimento à guerra de posição, Gramsci afirmava: “Esta me parece a questão de teoria política mais importante colocada pelo período do pós-guerra, e a mais difícil de ser resolvida acertadamente. Está vinculada às questões levantadas por Bronstein [Trotski], que de um ou de outro modo, pode ser considerado o teórico político do ataque frontal num período em que este é somente causa de derrota” [50].

Trotski não apenas estava longe de ser um “teórico do ataque frontal”, como havia discutido duramente contra aqueles que sustentavam que a forma ofensiva era a única que os revolucionários supostamente poderiam adotar de forma legítima. Trotski havia levado adiante estas polêmicas tanto no terreno militar durante a guerra civil russa, como no político no III e IV Congresso da IC. No entanto, como mostra a citação anterior o que não ficava claro era o lugar do ataque no pensamento de Gramsci, se partimos de excluí-lo por todo um período “no qual o ataque é somente causa de derrota”.

Para Gramsci, o que correspondia à “guerra de posição” que primava no “ocidente” seria a fórmula da frente única desenvolvida pela III Internacional em seu terceiro e quarto congressos, ainda que transformada progressivamente em estratégia. O revolucionário italiano afirmava: “Parece-me que Illitch [Lenin] compreendeu que era necessária uma mudança da guerra de manobras aplicada vitoriosamente no Oriente em 1917, para a guerra de posições, que era a única possível no Ocidente, onde, como observa Krasnov, os exércitos podiam acumular em um breve espaço imensas quantidades de munições, onde os quadros sociais eram capazes ainda por si sós de constituir-se em trincheiras bem aprovisionadas de munições. Isto é o que creio que significa a fórmula da ‘frente única’...” [51].

Trotski não é um “teórico do ataque” em geral, no entanto, assim como Clausewitz, considerava a defesa – que implica necessariamente “golpes habilidosos” – só pode servir para modificar a relação de forças a favor do defensor e abrir a possibilidade de passar ao ataque. Em termos de luta de classes, poderíamos dizer que enquanto para a burguesia se trata de “conservar” – beati sunt possidentes [52], repetia Clausewitz –, para o proletariado necessariamente se trata de conquistar, em primeiro lugar um novo Estado assim como novas relações sociais.

Para Trotski a frente única defensiva não era um fim em si mesmo, mas uma condição para poder passar à ofensiva pela tomada do poder. A frente única para a defesa em determinado momento da relação de forças devia passar a ser ofensiva, isto é, sair dos limites do regime burguês e propor-se a sua destruição. A forma organizativa desta frente única ofensiva era para Trotski justamente os Sovietes, ou as organizações de tipo soviético que a classe operária tenha forjado em sua luta. A passagem à ofensiva marcava por sua vez o começo da guerra civil em termos amplos a partir da preparação de insurreição [53].

Esta passagem, como dizíamos, é o que fica ambíguo nas considerações estratégicas de Gramsci. Nas reflexões plasmadas em seus Cadernos do Cárcere, tanto a problemática dos conselhos – tão cara ao Gramsci de L’Ordine Nuovo – como a da insurreição praticamente desaparecem. No entanto, segundo o informe de Athos Lisa sobre as posições políticas que Gramsci em sua prisão, este colocava claramente que “o partido tem como objetivo a conquista violenta do poder, a ditadura do proletariado...” [54].

A mesma ambiguidade voltará a se plasmar com relação às consignas democráticas. Sobre a defesa de “assembleia constituinte” em Gramsci, o informe de Lisa diz: “Na Itália as perspectivas revolucionárias devem se colocar uma dupla alternativa, isto é, a mais provável e a menos provável. Neste momento, para mim [para Gramsci], é mais provável a do período de transição, portanto, este objetivo deve ser o que guie a tática do partido, sem temor de parecer pouco revolucionário. Deve tornar sua, antes que os demais partidos em luta contra o fascismo, a consigna de ‘constituinte’, não como fim em si, mas como meio” [55].

Trotski também defendeu consignas democráticas como Assembleia Constituinte, por exemplo, no caso da China. Mesmo para a França em 1934 levantou a consigna de “Assembleia única” a partir da abolição do senado e da presidência da República. “Somos, pois, firmes partidários – dizia Trotski – do Estado operário-camponês, que arrancará o poder aos exploradores. Nosso objetivo primordial é o de ganhar para este programa a maioria dos nossos aliados da classe operária. Entretanto, e enquanto a maioria da classe operária seguir se apoiando nas bases da democracia burguesa, estamos dispostos a defender tal programa dos violentos ataques da burguesia bonapartista e fascista”. Ao que agregava: “No entanto, pedimos a nossos irmãos de classe que aderem ao socialismo ‘democrático’, que sejam fiéis a suas ideias: que não se inspirem nas ideias e métodos da Terceira República, mas nos da Convenção de 1793” [56].

Trotski tampouco reduzia as alternativas da situação italiana após o triunfo do fascismo à disjuntiva “fascismo ou socialismo”, nem excluía de antemão períodos de transição. “Só que, como diz em sua carta à Oposição de Esquerda italiana, do se tratava era de precisar o caráter dessa transição. Justamente, a sua é a teoria da transição à revolução proletária. A revolução permanente ‘significa que a Itália não pode se converter novamente, durante certo tempo, em um estado parlamentar ou em uma ‘república democrática’? Considero – e creio que nisso coincidimos plenamente – que essa eventualidade não está excluída. Porém não será o fruto de uma revolução proletária insuficientemente madura e prematura. Se explode uma crise revolucionária e se dão batalhas de massas no curso das quais a vanguarda proletária não tome o poder, possivelmente a burguesia restaure seu domínio sobre bases ‘democráticas’” [57].

Ou seja, para Trotski no caso de existir uma etapa “democrática” necessariamente ela surgiria da derrota da revolução proletária. Esta relação não termina de estar estabelecida no pensamento de Gramsci, assim como do ponto de vista da estratégia a relação entre frente única defensiva e ofensiva insurrecional.

Posição e manobra em Trotski

Um dos traços distintivos de Trotski como estrategista é como, contra toda passividade e fatalismo, busca de modo sistemático colocar as forças revolucionárias taticamente na defensiva, inclusive durante a preparação da ofensiva estratégica, isto é, da insurreição. Em outubro de 1917, sob a cobertura da direção conciliadora dos Sovietes e através do Comitê Militar Revolucionário, Trotski vai impulsionar o armamento do proletariado e a conquista política dos quartéis. Sob a bandeira da defesa de Petrogrado desenvolverá o plano insurrecional. Chegando a fazer coincidir a tomada do poder com a sessão do Segundo Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, onde os bolcheviques já tinham maioria.

No entanto, ele mesmo se nega a generalizar este exemplo. Quando ainda dirigia o Exército Vermelho, já havia defendido o caráter mais posicional que necessariamente teria a guerra civil no “ocidente”, em contraste com a primazia da manobra na Rússia devido a seu atraso e extensão territorial.

No caso das condições para a insurreição, também considera pouco provável repetir aquelas que existiam em Petrogrado em outubro de 1917 – um regime que não havia chegado a se formar, o armamento generalizado das massas, ao que se pode agregar o grande nível de desenvolvimento prévio dos próprios sovietes.

Sobre esta base, é o mesmo pensamento estratégico que leva Trotski a sustentar a política de entrar nos governos da Saxônia e Turíngia em 1923. Para o fundador da IV Internacional, no marco da enorme catástrofe social que havia provocado a crise do Ruhr, as condições estavam maduras pelo nível de decomposição do regime e a disposição que as massas mostravam para entrar em ação. Partindo daqui, não aceita como objeção para começar a preparação ofensiva, nem a ausência do armamento necessário como argumentava Brandler, nem o insuficiente desenvolvimento dos organismos soviéticos. Estas são tarefas com as quais uma direção revolucionária que se preze tem que lidar.

Contra toda espera passiva de condições análogas ao “modelo russo”, levanta a tática audaz de governo operário como parte de uma política ativa de preparação da insurreição. Esta “trincheira” tem que servir para armar o proletariado, para desenvolver a partir dos comitês de fábrica e Centúrias Proletárias, uma rede de organismos de auto-organização e autodefesa, qualquer que fosse o nome que levassem. Ambas as tarefas deviam ser desenvolvidas no calor da preparação da ofensiva e como parte da mesma.

Por sua vez, os operários alemães não podiam transladar mecanicamente o modelo da revolução russa e esperar conquistar o poder em Berlim e que em seguida no resto dos Länder se tomasse o poder como um dominó. Esta imagem, por si só simplificadora do que foi a extensão da própria revolução russa após Petrogrado, era pouco provável na Alemanha onde cada Land tinha sua própria história de centenas de anos prévios à unificação tardia de 1871. Ao contrário, podiam ser aproveitados os elos débeis da Turíngia e da Saxônia, onde o exército dispunha de unidades menores em comparação com Berlim e outros lugares, para então transformá-los em “um bastião revolucionário num período de preparação para a próxima explosão da revolução”.

O plano, que não chegou a sair do papel, partia de que ambos os governos operários – cujo acordo básico era o armamento do proletariado e o desarme dos destacamentos contrarrevolucionários – seriam intoleráveis para o governo central. E de fato o foram, desde o princípio pairou sobre eles a ameaça da intervenção militar. Tratava-se de atrair o exército e as forças de reação para a Saxônia e Turíngia com a insurreição, e ao mesmo tempo chamar à greve geral e à insurreição no resto da Alemanha sob a defesa dos “bastiões da revolução”. Isto é, a partir de uma posição tática defensiva, impulsionar o desenvolvimento de uma ofensiva estratégica em nível nacional. A insurreição de Hamburgo teria sido parte deste plano geral, porém isolada pôde ser esmagada pela Reichwehr.

Assim como víamos que Gramsci sistematiza sua concepção da relação entre posição e manobra em seus Cadernos do Cárcere, Trotski fará o mesmo no Programa de Transição. Com respeito à tática de “governo operário”, a formulação prática que realizara em 1923 fica compreendida dentro de uma definição mais geral onde estabelece claramente a relação entre esta tática e a estratégia revolucionária para qualquer de suas variantes concretas.

“A consigna de ‘governo operário e camponês’ – aponta Trotski – é empregada por nós unicamente no sentido que tinha em 1917 na boca dos bolcheviques, ou seja, como uma consigna antiburguesa e anticapitalista, porém em nenhum caso no sentido ‘democrático’ que posteriormente lhe deram os epígonos, fazendo do que era uma ponte para a revolução socialista, o principal obstáculo em seu caminho” [58]. Isto é, o único objetivo estratégico que pode ter a fórmula de “governo operário” – assim como a de “governo operário e camponês” – é o de incrementar as forças revolucionárias para a passagem à ofensiva contra a burguesia e o capitalismo. Trata-se sempre de uma consigna tática sem valor independente daquele objetivo estratégico, o qual – ressalta Trotski – pode ser cumprido de diversas formas, surgindo ou não um governo deste tipo.

Por um lado, seu valor educativo para as massas que ainda não veem a necessidade da ditadura do proletariado, porém que querem que suas direções tradicionais tomem o poder contra a burguesia, o que permite aos revolucionários acelerar esta experiência e, como subproduto disso, aumentar sua influência em detrimento dos partidos conciliadores. Como assinala Trotski “a reivindicação dos bolcheviques dirigidas aos mencheviques e aos socialistas revolucionários [SR]: ‘Rompam com a burguesia, tomem o poder em suas mãos!’ tem para as massas um enorme valor educativo. A negação obstinada dos mencheviques e dos SR a tomar o poder, que se fez visível tão tragicamente nas Jornadas de Julho, condenou-os definitivamente ante as massas e preparou a vitória dos bolcheviques” [59].

Por outro lado, “se os mencheviques e SR – dizia Trotski – tivessem realmente rompido com os kadetes liberais e com o imperialismo estrangeiro, ‘o governo operário e camponês’ criado por eles não teria feito mais do que acelerar e facilitar a instauração da ditadura do proletariado” [60]. Ou seja, em caso de que o chamado tático dos bolcheviques se concretizasse, teriam estado em melhores condições para lutar pelo programa revolucionário nos sovietes.

Em ambos os casos trata-se de modificar a relação de forças a favor dos revolucionários para preparar as condições da passagem à ofensiva. Por isso os bolcheviques a partir de setembro, quando sua influência crescia exponencialmente já que as direções conciliadoras haviam mostrado sua negativa a assumir o poder, não permanecem esperando que se concretize aquele “governo operário e camponês”, e sim avançam como partido nos preparativos para a insurreição. Ao não ter realizado essa passagem da luta posicional para a manobra, a tática teria se transformado em seu contrário, indo de “ponte para a revolução socialista” a ser “o principal obstáculo em seu caminho”.

Não obstante, depois que triunfa a insurreição de Outubro e se rompe o partido camponês, os bolcheviques voltam a levantar a tática de “governo operário e camponês” para os social-revolucionários de esquerda (SRE), constituindo um governo de coalizão para consolidar o poder recém-conquistado. Porém tampouco aqui deixou de ser uma tática subordinada ao avanço rumo à ditadura do proletariado, tentou-se conservar a coalizão – que durou estritamente até a renúncia dos ministros SRE em março de 1918, porém continuou em alguma medida até meados daquele ano – porém sem por isso deter as tarefas do momento, como eram a passagem à defensiva no terreno militar assinando a paz com a Alemanha, e a ofensiva rumo ao interior encarando as tarefas de nacionalização da produção.

Esta mesma relação dinâmica entre posição e manobra foi desenvolvida por Trotski para a Alemanha em 1923, em condições diferentes. Partindo de constatar que no “ocidente” a burguesia e seu Estado oferecem a maior resistência antes da tomada do poder, e que a influência conquistada em determinadas regiões pelo KPD fazia dele um fator indispensável para poder conformar um “governo operário”, é que Trotski defende uma utilização audaz desta tática com o objetivo de conquistar “bastiões revolucionários” na preparação da ofensiva.

Porém, como tratamos de mostrar, sua política na revolução alemã não é mais do que um grande exemplo daquilo que o define como estrategista. De conjunto, a discussão sobre o papel da tática de “governo operário” em Trotski mostra em toda a sua riqueza a relação entre defesa e ataque e a combinação dinâmica entre posição e manobra, que caracterizam o conjunto de seu pensamento estratégico.

III. PONTOS DE CONVERGÊNCIA

A utilização das “fortalezas” na defesa

No marco subjetivo do fracasso da política do Comitê Anglo-russo, do esmagamento da revolução chinesa [61], da derrota da Oposição Unificada, e do desenvolvimento do enfrentamento de Stalin contra Bukharin [62], a IC adotará a política de “classe contra classe” a partir de 1928 [63] e por todo o período seguinte até pouco depois da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha. O marco objetivo, desde outubro de 1929, será o estouro da crise mundial capitalista e suas consequências catastróficas para as massas.

Partindo de que Gramsci havia congelado sua reflexão estratégica nas discussões de 1921 e 1922 contra a ultraesquerda, e de que a direção da IC retrocede ao nível dos esquerdistas daquele então [64], se assentarão as bases para a confluência entre Trotski e o revolucionário italiano na oposição ao “terceiro período” stalinista.

As derrotas na Grã Bretanha e na China haviam deixado o proletariado revolucionário na defensiva. No momento da explosão da crise de 1930, ele começava a se recuperar, porém como a Alemanha mostrava, enquanto a influência dos comunistas aumentava aritmeticamente, a do fascismo o fazia de forma geométrica [65].

A adoção da tática de frente única operária transformava-se numa questão vital para a classe operária alemã. Diferentemente da revolução alemã de 1923, onde se tratava de utilizar a frente única para preparar a ofensiva insurrecional, agora o objetivo da frente única era a defesa.

Neste ponto – a valoração da frente única defensiva – Trotski e Gramsci coincidiam em muitos aspectos. Para ambos, o maior desenvolvimento da “sociedade civil” – dito em termos gramscianos – no ocidente, apresentava toda uma série de “trincheiras” que o proletariado devia utilizar em sua luta, e especialmente frente ao avanço do fascismo. Ao contrário, Stalin e a direção da IC, baseados no elemento real de que independente dos seus diversos regimes, o estado burguês conserva sempre um mesmo conteúdo de classe, negavam-se a reconhecer qualquer diferença entre a democracia burguesa e o fascismo. Não havia nenhuma “trincheira” que o proletariado devesse defender, tratava-se da luta frontal do KPD contra o fascismo. Do SPD até os nazis (NSDAP) eram considerados diferentes variedades do fascismo, o termo “social-fascismo” ficando reservado para a socialdemocracia. Ao mesmo tempo em que essa identificação anulava a possibilidade de exigir uma frente única ao SPD, por outro lado diminuía a importância dos avanços do NSDAP como perigo para a classe operária em seu conjunto.

A existência ou não dessas “trincheiras” não era uma questão menor. Em sua obra Da Guerra Clausewitz havia assinalado que do ponto de vista da defesa “o apoio do teatro de operações por fortalezas e tudo o que depende delas” era, nem mais nem menos, um dos “princípios diretores da eficácia estratégica”, que dava vantagem ao defensor sobre o atacante [66]. Sobre este ponto, ele apontava que “Quanto maior a extensão do teatro de operações que deva atravessar, mais se debilitará o exército atacante (pelas marchas e deslocamentos), o exército que se defende continua conservando seus enlaces, ou seja, conta com o apoio de suas fortalezas, não se debilita de nenhuma forma e está próximo de suas fontes de abastecimento” [67]. O reconhecimento da importância dessas fortalezas era imprescindível para o combate.

No mesmo sentido, Gramsci defendia que enquanto o fascismo pretende avançar sobre as trincheiras da sociedade civil como modo de organização de um “Estado ampliado” [68], o proletariado deve defendê-las. Paradoxalmente, no marco de suas condições de isolamento nos cárceres fascistas, Gramsci desenvolverá este ponto, nada mais nem nada menos que em polêmica com Trotski, que naquele momento era o maior defensor desse ponto de vista frente à direção da IC. Diz Gramsci, para marcar a diferença com a revolução russa: “Deve-se examinar se a famosa teoria de Bronstein sobre a permanência do movimento não é o reflexo político da teoria da guerra de manobra (recordar a observação do general de cossacos Krasnov), em última análise, o reflexo das condições gerais econômico-cultural-sociais de um país onde os quadros da vida nacional são embrionários e desligados, e não podem se transformar em ‘trincheira ou fortaleza’.” [69]

Não obstante, será Trotski quem irá desenvolver mais claramente este ponto, de maneira simultânea a Gramsci. Em seu folheto E agora? apontava: “A vitória do fascismo faz que o capital financeiro tome de forma direta e imediata todos os órgãos e instituições de dominação, de direção e de educação: o aparato do Estado e do exército, as municipalidades, as escolas, imprensa, os sindicatos, as cooperativas (...) seu objetivo principal é destruir as organizações operárias...”. E em seguida agregava, em polêmica com o stalinismo: “Durante muitas décadas, dentro da democracia burguesa, servindo-se dela e lutando contra ela, os operários edificaram suas fortalezas, suas bases, seus redutos de democracia proletária: sindicatos, partidos, clubes culturais, organizações desportivas, cooperativas, etc. O proletariado não pode chegar ao poder nos marcos formais da democracia burguesa. Só é possível pela via revolucionária, fato demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência. Porém, para saltar à etapa revolucionária, o proletariado necessita apoiar-se imprescindivelmente na democracia operária dentro do Estado burguês” [70].

Os pontos de coincidência entre Trotski e Gramsci se expressavam também em que ambos tomavam, como ponto de partida para pensar o avanço do fascismo, a experiência italiana da ascensão de Mussolini e a discussão com a tendência esquerdista de Bordiga. Se bem que nos debates internacionais já havia passado muita água sob a ponte, até o V Congresso a posição do dirigente do PCI Amadeo Bordiga será uma constante nas polêmicas da Internacional até que toda polêmica deixou de ser permitida, o que coincidiu com a prisão de Bordiga por Mussolini. Mesmo no V Congresso, onde Zinoviev se lançou contra a tática da frente única, Bordiga criticou seu discurso de abertura pelo que considerava ser uma impugnação demasiado tíbia para uma tática que era, em si, de direita [71]. E nisto consistiu o debate mais persistente de Gramsci com a direção do PCI. Para Gramsci, a tática de “classe contra classe” era uma espécie de reedição das posições de Amadeo Bordiga porém a nível internacional [72].

Para Trotski também. “A direção do Partido Comunista alemão – dizia Trotski em 1932 – repete hoje quase literalmente a posição inicial do comunismo italiano: o fascismo não é mais que uma reação capitalista; do ponto de vista proletário, a distinção entre as diversas formas de reação capitalista carece de importância”. E logo agregava: “A posição de Thaelmann em 1932 reproduz a de Bordiga em 1922” [73].

Para Trotski, assim como para Gramsci, era claro que “Entre a democracia e o fascismo não há ‘diferenças de classe’ (...) Porém – agregava Trotski –, a classe dominante não vive no vazio. Mantém relações com as outras classes (...) Dando ao regime o nome de burguês – o que é inquestionável – Hirsch e seus amos se esqueceram de um detalhe: o lugar do proletariado no regime” [74]. A luta defensiva consistia na manutenção das posições vantajosas no teatro de operações como forma de preparação para as batalhas decisivas, onde necessariamente o proletariado deveria passar ao ataque. Da habilidade estratégica para alcançar este objetivo dependia a fortaleza tática na hora dos grandes combates.

Porém nesta passagem à ofensiva é onde, como mostramos, se expressam as maiores ambiguidades de Gramsci, e onde a reflexão estratégica do revolucionário italiano e a de Trotski se separam novamente.

Gramsci e Maquiavel

Maquiavel foi o principal autor clássico de filosofia política que influenciou o pensamento de Gramsci. Ainda que não se possa ter provas conclusivas, pode-se pensar hipoteticamente que até a distinção entre Oriente e Ocidente tenha sido sugerida pela leitura do florentino [75]. Porém além de ser um autor fundamental da filosofia política, Maquiavel foi o pensador militar que assentou as bases sobre as quais se ergueria toda a reflexão estratégica posterior. O próprio Clausewitz que tinha por característica a crítica depreciativa a outros autores militares, não apenas se mostra muito cuidadoso com Maquiavel, como recebe com muito entusiasmo seus escritos, traduzidos por Fichte ao alemão [76].

No entanto, o pensamento militar de Maquiavel – precursor em muitos sentidos – teve que ser superado. O pensamento posterior, a partir das guerras napoleônicas, não podia se deter na formulação das regras de batalha, mas devia avançar também ao exame dos acontecimentos no curso da mesma.

Como aponta Félix Gilbert: “Apesar de que Maquiavel tenha se iniciado como crítico veemente das guerras do século XV, semelhantes a jogos de xadrez, os generais do século XVIII voltaram de certo modo às guerras de manobra [refere-se a manobra em contraposição a batalha, NdR], e esta evolução não é de todo contrária às linhas de pensamento, em ciência militar, iniciadas por Maquiavel. Quando a guerra é vista como determinada por leis racionais, não deixa de ser lógico fazer com que nada dependa da sorte, e esperar que o adversário se entregue quando tenha sido levado a uma posição na qual o jogo está razoavelmente perdido” [77].

Não é nossa intenção afirmar que Gramsci, ao apropriar-se de Maquiavel, tenha se apropriado também dos limites do seu pensamento, porém, mais modestamente, nos parece ilustrativo fazer uma analogia para assinalar uma crítica do mesmo teor que é possível fazer ao pensamento estratégico de Antonio Gramsci.

Estabelecendo uma espécie de paralelo com os limites do pensamento estratégico de Maquiavel, poderíamos dizer que ainda que Gramsci dedique grande parte de sua vida e obra à luta contra as tendências socialdemocratas, sua ênfase na importância da disposição das forças prévia à batalha e a escassa análise de sua utilização no combate, permitiu que correntes reformistas posteriores fizessem uma interpretação em chave socialdemocrata de seu pensamento – começando pelo próprio PCI de Palmiro Togliatti – o que estava em aberta contradição com sua própria biografia política como revolucionários da III Internacional.

IV. CONCLUSÕES

Trotski, o mais clausewitziano dos marxistas

Ao longo dessas páginas buscamos situar as convergências e divergências entre o pensamento estratégico de Gramsci e o de Trotski. Vimos como as diferenças não consistem em que o fundador do exército vermelho fosse um “teórico da ofensiva permanente”, mas sim nas relações que ambos os revolucionários estabelecem entre ataque e defesa, posição e manobra.

Para Clausewitz, a defesa e o ataque são duas “formas em que se desdobra a atividade guerreira”, dentro delas a superioridade da forma defensiva sobre a ofensiva está dada pelo desprendimento maior de forças de que esta última necessita. Isto implica que quem está em condições de se defender com êxito não necessariamente tem forças suficientes para atacar. Nesta constatação básica do pensamento clausewitziano poderíamos ver identificados tanto Gramsci quanto Trotski. É o que vimos nas convergências entre ambos os revolucionários na forma de enfrentar a orientação de “classe contra classe” e valorizar a frente única defensiva.

A superioridade da defesa tem outra consequência no arcabouço teórico de Clausewitz, e é que o ataque a defesa não têm entre si mesmos uma relação polar [78]. O fato de que, por regra geral, seja mais fácil a conservação que a conquista faz que muitas vezes nenhum dos oponentes tenha a força suficiente para atacar. É o que justifica, entre outras razões, “a suspensão do ato guerreiro”, o que faz que o choque de forças não seja constante. Aqui podemos situar outro dos pontos de contato entre Trotski e Gramsci. Vimos como ambos levantam ritmos mais lentos para a situação europeia a partir de 1924. No entanto, aqui também começam as diferenças. Para Trotski, tratava-se de um equilíbrio relativo que implicava a possibilidade certa de “giros bruscos” na situação, incluído o caso do “ocidente”, e não ritmos “mais lentos” em geral.

Em Gramsci a passagem à ofensiva é um dos pontos mais ambíguos em seu pensamento estratégico. Como dizíamos na comparação com Maquiavel, é nisso que se baseiam todo tipo de correntes reformistas para adotar o conceito de “guerra de posição” como fundamento de uma estratégia voltada à busca de espaços dentro do regime burguês, levando até o absurdo o conceito de “defesa”.

Como apontava Clausewitz, “a defesa em sentido geral – portanto, também a defesa estratégica - não constitui um estado absoluto de espera e detenção do golpe; em consequência, não consiste num estado completamente passivo mas num estado relativo e, por conseguinte, contem em maior ou menor grau elementos ofensivos” [79].

Trotski em seus escritos sobre a Alemanha de finais dos anos 1920 e princípios dos 1930 propõe constantemente ligar as batalhas defensivas ao desenvolvimento dos meios ofensivos, pondo as “fortalezas” a serviço do avanço dos organismos de frente única das massas – chamem-se sovietes, comitês de fábrica, ou como seja – e da autodefesa e o armamento do proletariado.

Esta lógica, evidentemente, não se limitava à Alemanha. Vimo-lo na comparação com a Rússia. Também podemos vê-la ao longo da revolução espanhola, em que Trotski sustentava: “podemos e devemos defender a democracia burguesa não com os métodos dela, mas com os da luta de classes, ou seja, com métodos que preparam a derrubada da democracia burguesa por meio da ditadura do proletariado” [80].

Assim como na Alemanha de 1923, seu pensamento estratégico mais alto voltará a se expressar em outro dos momentos de “quebra” do processo histórico, as Jornadas de Maio de 1937 em Barcelona. Como na Alemanha uma década e meia antes, Trotski terá que responder aos mesmos argumentos que naquele momento Brandler esgrimira sobre a insuficiência do armamento. Outro tanto sucederá com os organismos de frente única das massas, só que na Espanha não terá que se enfrentar ante os que exclamam a insuficiência de seu desenvolvimento, mas sim com os que, como Andreu Nin, opinavam que impulsioná-los era desnecessário. Após a derrota, voltará a combater contra os dirigentes que querem expurgar suas responsabilidades sob o argumento de que as massas não haviam lançado suficiente iniciativa.

Tão tarde como em maio de 1937, ante o levantamento em armas dos operários catalães para defender suas posições ante as Guardas de Assalto dirigidas pelos stalinistas, Trotski opinava que ainda era possível evitar a derrota. “Se o proletariado da Catalunha – apontava – tivesse tomado o poder em maio de 1937, teria encontrado o apoio de toda a Espanha. A reação burguesa e stalinista não teria encontrado nem sequer dois regimentos para esmagar os operários catalães. No território ocupado por Franco, não somente os operários, mas também os camponeses, teria se colocado do lado dos operários da Catalunha proletária, teriam isolado o exército fascista, introduzindo nele uma irresistível desagregação. Em tais condições, é duvidoso que algum governo estrangeiro tivesse se arriscado a lançar seus regimentos sobre o ardente solo da Espanha. A intervenção teria sido materialmente impossível, ou pelo menos perigosa. Evidentemente em toda insurreição existe um elemento imprevisto e arriscado, porém todo o curso ulterior dos acontecimentos demonstrou que, mesmo em caso de derrota, a situação do proletariado espanhol teria sido incomparavelmente mais favorável que a atual, sem ter em conta que o partido revolucionário teria assegurado seu porvir para sempre” [81].

São claros os pontos de contato entre esta política e a defendida por Trotski em 1923. Trata-se outra vez da constituição de um “governo operário” em uma região, que Trotski chama o POUM [82] a impulsionar junto com a esquerda da CNT [83], como “bastião revolucionário” para a partir de sua defesa desenvolver a revolução à escala nacional, para alçar partindo dali o programa de nacionalização da terra e de sua entrega aos camponeses em todo o território espanhol, da libertação do Marrocos, cuja opressão permitia que Franco o utilizasse como base de operações, etc. Em síntese, levantar as demandas que o programa da Frente Popular havia negado explicitamente, para desatar as forças revolucionárias que este se propunha a conter. No entanto, o POUM reafirmou sua política de “traição ao proletariado em proveito da aliança com a burguesia” [84], que Trotski vinha criticando desde o ano anterior [85].

Na Saxônia, a esquerda da socialdemocracia se negou à insurreição e à greve geral, então o KPD chamou a classe operária a abortar os planos e não romper os quadros da legalidade burguesa. No caso de Barcelona, claro está que a direção do POUM não chegou a isso, porém as similitudes não deixam de estar à vista. Os dirigentes anarquistas da CNT e da FAI, seguindo o programa da Frente Popular de manter “em todo o seu vigor o princípio da autoridade” [86], chamaram os operários a cessar os enfrentamentos, a direção do POUM sob os mesmos argumentos de Brandler participou ativamente na desmobilização. Os dirigentes do POUM que já haviam sido expulsos em dezembro do ano anterior do governo da Generalitat foram um exemplo de como ser defensor da legalidade burguesa também “a partir de fora”.

O que mostram tanto o exemplo da revolução alemã de 1923 como o da revolução espanhola, assim como os diferentes processos que fomos analisando ao longo dessas páginas, é que Trotski desenvolveu em um nível novo as relações entre defesa e ataque na estratégia revolucionária, sendo, neste sentido, o mais clausewitziano dos marxistas [87]. Ali onde o pensamento estratégico de Gramsci teve seu ponto mais débil, é onde se distingue justamente Trotski entre os grandes estrategistas do marxismo revolucionário.

Sobre a combinação de “posição” e “manobra”

Como vimos, Trotski combateu resolutamente, assim como Gramsci, a orientação ultra-esquerdista que o stalinismo adotou a partir de 1928, no mesmo sentido que antes havia lutado contra os teóricos da “ofensiva revolucionária” e o próprio bordiguismo durante os primeiros anos da III Internacional. No entanto, o fundador do Exército Vermelho também enfrentou resolutamente as interpretações oportunistas que pretendiam assimilar as formulações do IV Congresso da IC a uma política de conquista pacífica de “posições” nos marcos do regime burguês. E no mesmo sentido, combateu aqueles que, sob o argumento das grandes “manobras”, utilizavam o exemplo da revolução russa para dissolver-se na passividade e no fatalismo, esperando que as condições da insurreição de Outubro de 1917 se reproduzissem pela força mesma dos acontecimentos.

Apesar disso, foi um lugar comum de muitas correntes “centristas” dentro do trotskismo utilizarem o fato de que Trotski tenha defendido a tática de “governo operário” em 1923 como suposto fundamento para a capitulação a diferentes governos burgueses. Uma das justificações mais recentes deste tipo foi desenvolvida por Daniel Bensaïd em “Sobre o retorno da questão político-estratégica”, assim como por outros dirigentes da antiga Liga Comunista Revolucionária da França após o abandono da “ditadura do proletariado” e antes de sua dissolução no Novo Partido Anticapitalista (NPA) [88].

Segundo Bensaïd: “Os debates sobre o balanço da revolução alemã e do governo de Saxônia-Turíngia, depois do quinto congresso da Internacional Comunista, mostram a ambiguidade não resolvida das fórmulas nascidas dos primeiros congressos da IC e o leque de interpretações práticas às quais deram lugar” [89]. Sob este guarda-chuva, ensaia uma interpretação própria sobre os requisitos para participar de um “governo operário” onde a existência de condições subjetivas para começar a preparar a insurreição é substituída por um “ascenso significativo da mobilização social”, onde “mais modestamente que o armamento exigido por Zinoviev” (sic), propõe como exigências mínimas uma série de medidas de esquerda que o governo em questão deve adotar; e por último, que “os revolucionários” tenham força suficiente “se não para garantir o cumprimento dos compromissos, ao menos para fazer pagar um alto preço frente a possíveis incumprimentos”. Toda uma reflexão cujo objetivo era justificar por que ante a entrada de um dirigente do Secretariado Unificado [90] como ministro no governo de Lula “não fizemos disso uma questão de princípio, preferindo acompanhar a experiência para extrair o balanço com os camaradas, mais do que administrar lições ‘de longe’” [91].

Mais recentemente, e com menores pretensões a ensaiar uma fundamentação na “ambiguidade não resolvida” (nas palavras de Bensaïd) dos debates da Internacional Comunista, o Partido Obrero da Argentina reivindicou o voto pela coalizão Syriza – uma organização eleitoral sem nenhum peso estrutural em setores da classe operário ou do povo pobre, combinação de um candidato midiático com desprendimentos do velho PC grego – sob o chamado a constituir um “governo de toda a esquerda” ao qual estaria dado exigir que rompesse com o imperialismo e a União Europeia, que tome medidas anticapitalistas e “impulsione”, nada mais nada menos, que a conformação de um “governo de trabalhadores” [92].

Uma análise minimamente séria das polêmicas sobre a revolução alemã de 1923 demonstra que podem se buscar fundamentos para o apoio ao a participação em governos de colaboração de classes nas teses do VII Congresso da IC sobre a Frente Popular, mas definitivamente não, ao menos, na política defendida por Trotski. Como apontamos anteriormente, frente ao stalinismo e às tendências frentepopulistas, Trotski assinalava com clareza no Programa de Transição o sentido antiburguês e anticapitalista que dava à fórmula de “governo operário”, oposta “ao sentido puramente ‘democrático’ que posteriormente lhe deram os epígonos”.

No extremo oposto dos que veem “governos operários” em qualquer circunstância, os espartaquistas da Liga Comunista Internacional (LCI-QI) retomam esta colocação de Trotski que citamos do Programa de Transição para defender que o fundador do Exército Vermelho renegava implicitamente sua política de 1923 para a Alemanha. Todavia, para Trotski, tanto em 1923 como em 1938, a consigna de “governo operário” sempre foi concebida como “antiburguesa e anticapitalista” e oposta ao “sentido democrático” que posteriormente lhe deram as correntes frentepopulistas de todo tipo.

De fato, Trotski não tem problemas em comparar a constituição do “governo operário” na Saxônia com a tática dos bolcheviques em Outubro de 1917. “Sob certas circunstâncias – apontava – a consigna de um governo operário pode se tornar realidade na Europa. Isso quer dizer que pode chegar um ponto em que os comunistas junto com os elementos de esquerda da socialdemocracia estabelecerão um governo operário de forma similar à nossa na Rússia quando criamos um governo operário e camponês junto com os SRs de esquerda. Uma tal fase constituiria uma transição à ditadura proletária total e completa” [93].

Frente a esta comparação de Trotski, no trabalho da LCI-QI se levanta a voz contra o anátema: “Esta analogia não é apropriada em absoluto. Os SR de esquerda entraram no governo depois da tomada do poder pelo proletariado e sobre as bases do poder soviético, enquanto que na Alemanha a questão envolvia um parlamento burguês regional em um estado capitalista!” [94].

Trotski, no entanto, opunha-se taxativamente a este tipo de idealizações da revolução de outubro cujo objetivo é servir de base à passividade sectária e ao fatalismo sob o argumento de reivindicar um suposto “modelo russo”. Segundo o fundador da IV Internacional: “Não somente até a paz de Brest-Litovsk mas até o outono de 1918 o conteúdo social da revolução se limitava a uma transformação agrária pequeno-burguesa e ao controle operário da produção. Isso significa que na prática a revolução não havia superado os limites da sociedade burguesa. Durante esta primeira etapa os sovietes de soldados governaram ombro a ombro com os sovietes operários, e amiúde os puseram de lado. Somente no outono de 1918 a maré elementar de soldados e camponeses retrocedeu um pouco até seus limites naturais e os operários tomaram a dianteira com a nacionalização dos meios de produção. Somente se pode falar da instauração de uma verdadeira ditadura do proletariado a partir desse momento. Porém mesmo aqui há que se manter muitas reservas. Nesses anos iniciais a ditadura esteve limitada aos limites geográficos do velho principado de Moscou e se viu obrigada a travar uma guerra de três anos em todo o raio que parte de Moscou em direção à periferia. O que significa que até 1921, precisamente até a NEP, o que houve foi uma luta para implantar a ditadura do proletariado em escala nacional” [95].

Sob este panorama, que é o único que corresponde com o desenvolvimento histórico da revolução russa, é uma caricatura pretender limitar o problema da resolução da questão do poder na Rússia à tomada do Palácio de Inverno e espantar-se com a comparação com a Alemanha de 1923.

Parafraseando Clausewitz, Trotski considerava que “a guerra civil não é senão a continuação violenta da luta de classes por outros meios, quando “a luta de classes, ao romper os marcos da legalidade, chega a se situar no plano de um enfrentamento público e, em certa medida, físico, com as forças da oposição” [96]. A mesma abrangia ao menos três capítulos: a preparação da insurreição, a insurreição e a consolidação da vitória.

Desse ponto de vista, em que consiste precisamente a inovação do IV Congresso da IC em relação à tática dos bolcheviques em Outubro de 1917? Em que a aplicação da tática de “governo operário” se estende ao primeiro capítulo da guerra civil, como forma de constituir “bastiões revolucionários” para impulsionar a preparação da tomada do poder em determinado país.

A LCI-QI cita a historiadora Evelyn Anderson que segundo eles “notou de maneira sagaz” (sic) que “a posição comunista era manifestamente absurda. As duas políticas de aceitar responsabilidade de governo, de um lado, e preparar-se para uma revolução, do outro, obviamente se excluíam mutuamente. No entanto, os comunistas seguiram as duas ao mesmo tempo, com o resultado inevitável do completo fracasso” [97].

O que se pode ver sem ser muito sagaz é que os espartaquistas não entenderam Trotski. Escudado por um esquema simplista, o sectarismo passivo termina reproduzindo a mesma operação que caracteriza as interpretações oportunistas como a que citávamos de Bensaïd. A saber: a separação da fórmula de “governo operário” do conjunto da estratégia. No pensamento de Trotski, ambos são inseparáveis.

Vitória tática e êxito estratégico

Como vimos, a consigna de “governo operário” era concebida pelo IV Congresso da IC como consequência do desenvolvimento da tática de frente única. No caso de Gramsci, por sua vez, a fórmula da frente única se identificava com a “guerra de posição” que desenvolverá em seus Cadernos do Cárcere. No entanto, será Trotski no Programa de Transição quem sintetizará os traços essenciais da fórmula de governo operário como consigna antiburguesa e anticapitalista contrária à “frente popular”, possuindo um caráter episódico na agitação dependendo da situação concreta e cujo objetivo fundamental é ampliar a influência dos revolucionários. E isso seja por seu valor educativo, acelerando a experiência das massas com suas direções tradicionais, ou porque efetivamente se concretize, caso no qual facilitaria o caminho para a ditadura do proletariado.

É nesse mesmo marco que Trotski propõe a implementação da tática de “governo operário” na Alemanha em 1923, apesar de que esse caso particular não seja mencionado explicitamente no Programa de Transição. Ao longo de sua vida, foram múltiplos os valores práticos que Trotski concedeu à fórmula de governo operário, alguns dos quais mencionamos nestas páginas: como consigna educativa para ampliar a influência dos revolucionários, por exemplo entre abril e setembro de 1917 na Rússia; como governo de coalizão com os SR de esquerda depois de Outubro para consolidar o poder; no caso da Alemanha em 1923 como governo parlamentar regional com os socialdemocratas de esquerda para preparar a insurreição e constituir “bastiões revolucionários” que proporcionem um trampolim para a tomada do poder; com o mesmo objetivo, como exigência ao POUM e aos anarquistas de que tomassem o poder em Barcelona durante as jornadas de maio de 1937.

Agora bem, no Programa de Transição, Trotski também apontou como hipótese improvável a criação de governos operários e camponeses pelas organizações operárias tradicionais. Sobre este ponto, dizia: “A experiência do passado demonstra, como já afirmamos, que isto é pelo menos pouco provável. Contudo, é impossível negar categoricamente a priori a possibilidade teórica de que sob a influência de uma combinação de circunstâncias muito excepcionais (guerra, derrota, crack financeiro, ofensiva revolucionária das massas, etc.) partidos pequeno-burgueses, incluindo os stalinistas, possam chegar mais longe do que eles mesmos queriam na via de uma ruptura com a burguesia. Em todo caso, algo é indubitável: se esta variante, pouco provável, chegar a se realizar em algum lugar, e um ‘governo operário e camponês’ – no sentido indicado acima – chegar a se constituir, não representaria mais do que um curto episódio no caminho para a verdadeira ditadura do proletariado” [98].

A importância dessa formulação reside em que as “condições excepcionais” das que falava Trotski se generalizaram na saída da segunda guerra, e esta hipótese do Programa de Transição se deu na China, na Iugoslávia, no Vietnã do Norte e, para além do imediato pós-guerra, em Cuba [99]. Foram direções de base camponesa, que desenvolveram outras estratégias, e avançaram a processos de expropriação da burguesia em grande parte como medidas de autodefesa, dando lugar ao que a IV Internacional denominou “Estados operários deformados”.

Nesse cenário, o traço distintivo da maioria das organizações em que se dividiu a IV Internacional no segundo pós-guerra foi ver nessas revoluções triunfantes, que davam lugar a estados operários deformados burocraticamente, a extensão imparável do socialismo em nível mundial.

Avaliando o desenvolvimento daquela “hipótese improvável” do Programa de Transição por fora dos desenvolvimentos estratégicos do próprio Trotski – da relação entre manobra e posição, defesa e ataque que fomos desenvolvendo –, a conclusão não podia ser outra do que subestimar a importância de fortes organizações revolucionárias enraizadas na classe operária para o triunfo da revolução socialista [100]. Sob esta ótica a própria tática de “governo operário e camponês” transformou-se em uma via morta para a capitulação ante direções pequeno-burguesas que encabeçariam revoluções após o imediato pós-guerra.

A revolução cubana foi uma colocação à prova dessas concepções. Por fora da estratégia, a fórmula de “governo operário e camponês” transformou-se numa espécie de etiqueta, outorgada ou negada ao governo de Castro, levando a diferentes becos sem saída, sejam oportunistas ou sectários. Por um lado, Pierre Lambert em 1961 definiu que em Cuba havia um “governo operário e camponês” no marco do sistema capitalista frente ao qual ou a burguesia conseguiria levar ao regresso à “normalidade burguesa”, ou então as massas derrotariam avançando à revolução socialista [101]. Uma vez atribuída esta “etiqueta”, insolitamente, nem Lambert nem sua corrente consideraram necessário voltar a discutir mais sobre Cuba. Por outro lado, o SWP norte-americano passou a posições abertamente pró-castristas apontando que se tratava de um “governo revolucionário de operários e camponeses” e que a ausência de organismos de democracia proletária era uma questão secundária que iria se resolvendo com o tempo [102]. Por sua parte, Palabra Obrera [a corrente morenista] havia passado de uma posição sectária que caracterizava a revolução cubana como uma “revolução libertadora” – em referência ao golpe de 1955 na Argentina –, a uma posição oportunista parecida com a do SWP. O Secretariado Internacional, é claro, havia sido o pioneiro em defender este tipo de orientação oportunista.

Como reconhece Ernesto González: “As posições que naquele momento defendiam o SWP e Palabra Obrera levavam a não lutar pela construção de um partido trotskista em Cuba” [103], ao que agregaríamos que tampouco contribuíam para construir partidos revolucionários em nenhuma outra parte do mundo. Neste resultado, confluíam com o abstencionismo de Lambert. Contudo, a “hipótese improvável” que Trotski inclui no Programa de Transição não era um salvo-conduto para evitar o trabalho da estratégia, mas sim o contrário, tratava-se de pôr a estratégia em guarda ante os diferentes cenários.

Este tipo de reflexão estratégica já havia sido levantado pelo fundador do Exército Vermelho em cenários anteriores. No início dos anos 1930, ele defendera com respeito à Alemanha: “Em uma carta anterior dizíamos que, dadas certas circunstâncias históricas, o proletariado pode triunfar inclusive com uma direção centrista de esquerda. Me informam que muitos camaradas interpretam esta posição de modo tal que minimizam o papel da Oposição de Esquerda e tiram importância dos erros e pecados do centrismo burocrático. Nem preciso dizer que divirjo totalmente de semelhante interpretação. A estratégia do partido é um elemento sumamente importante para a revolução proletária. Porém de nenhuma maneira é o único fator. Com uma relação de forças excepcionalmente favorável, o proletariado pode chegar ao poder inclusive com uma direção não marxista. Assim ocorreu, por exemplo, na Comuna de Paris, e mais recentemente, na Hungria. O grau de desintegração do bando inimigo, sua desmoralização política, a inépcia de seus dirigentes, podem dar ao proletariado durante um período a superioridade decisiva, ainda que sua direção seja débil. Porém, em primeiro lugar, não há nada que possa garantir uma coincidência tão ‘afortunada’ das circunstâncias; é a exceção, não a regra. Em segundo lugar, como demonstram os dois exemplos citados anteriormente – Paris e Hungria –, a vitória obtida em semelhantes condições resulta sumamente instável. Esmorecer a luta contra o stalinismo com base em que, em certas condições, até a direção stalinistas seria incapaz de impedir a vitória do proletariado (...) seria colocar a política marxista de cabeça para baixo” [104].

Isso é assim porque, para Trotski, assim como para Clausewitz, nada pode substituir o trabalho da estratégia. Como dizia este último: “Na estratégia (…) não há vitória. Por um lado, o éxito estratégico é a preparação favorável para a vitória tática; quando maior seja esse êxito estratégico, menos duvidosa será a vitória no curso do EMPENHAMENTO das forças. Por outro lado, o êxito estratégico consiste em saber se servir da vitória obtida. Quanto mais possa a estratégia, graças a suas combinações, depois de obtida a vitória, incluir êxitos em seus efeitos, tanto mais se libertará das ruínas CAMBALEANTES, cujos cimentos foram sacudidos pela batalha; quanto mais arraste as grandes massas, o que deve ser penosamente ganho no curso mesmo da batalha, maior será o seu êxito” [105].

Trotski define neste mesmo sentido estratégico o que considera, nada mais nada menos, como “o papel histórico da Oposição de Esquerda”, e sob este título aponta que “obscurecer as diferenças com o centrismo a título de facilitar a ‘unidade’ seria não apenas nos suicidarmos politicamente, mas também encobrir, fortalecer e alimentar todos os traços negativos do centrismo burocrático e, por esse fato sozinho, ajudar as tendências reacionárias em seu seio contra as tendências revolucionárias” [106]. Mais ainda, ele consideraria essa questão essencial a partir de 1933 depois que o stalinismo permitiu a ascensão de Hitler sem apresentar batalha, e defenderá a necessidade de constituir um novo partido revolucionário mundial do proletariado, a IV Internacional.

O abandono da concepção estratégica de Trotski levou os trotskistas do pós-guerra a percorrer o caminho sobre o qual o fundador do Exército Vermelho já havia alertado. No caso que citávamos de Cuba em 1961, enquanto a imensa maioria das correntes do trotskismo identificavam o triunfo da revolução com o caráter revolucionário de sua direção castrista e sua capacidade para capitalizar estrategicamente a vitória para o avanço do socialismo, Fidel Castro avançava na intervenção sobre os sindicatos.

Sob o impulso da revolução a classe operária cubana havia recuperado suas organizações das mãos da burocracia de Eusebio Mujal, no entanto Castro utiliza o argumento dos perigos que ameaçavam a revolução para colocar os stalinistas cubanos à cabeça da central operária, fazendo deles sócios do regime mesmo sem ter cumprido nenhum papel na revolução. Simultaneamente, procederá à perseguição e criminalização da organização trotskista cubana. Uma pequena organização – o Partido Obrero Revolucionario – porém com grande tradição no movimento revolucionário cubano, que será catalogada como “agente encoberto do imperialismo” [107].

Entretanto, os fatos que aqui resenhamos não foram suficientes para que as diferentes correntes trotskistas existentes naquele então problematizassem sua visão da direção castrista; pelo contrário, logo abandonaram a defesa dos trotskistas do POR [108] e progressivamente foram aprofundando a sua adaptação à direção de Castro, chegando no caso do SWP sob a direção de Barnes ao próprio abandono do trotskismo.

Esta foi a consequência necessária de deixar de lado o trabalho da estratégia, de se orientar por fora de uma reflexão sobre a capitalização estratégica da vitória revolucionária, da análise de seus diferentes momentos defensivos e ofensivos, do papel das posições conquistadas em cada uma dessas viragens, etc. Isto é, de colocar-se por fora daquilo que o pensamento vivo de Trotski havia deixado como legado.

Lenin dizia em seus Cadernos Filosóficos que “É completamente impossível entender O Capital de Marx, e sobretudo o primeiro capítulo, sem ter estudado a fundo e entendido o conjunto da Lógica de Hegel. Portanto, meio século mais tarde, nenhum dos marxistas entendeu Marx!” [109]

No mesmo sentido, poderíamos dizer que é impossível entender a estatura de Trotski como revolucionário sem compreender como concebeu a possibilidade de “governos operários” ou “governos operários e camponeses” como ressortes para impulsionar a preparação ou o desenvolvimento triunfante da guerra civil, a extensão da tomada do poder à escala nacional, e a conquista da ditadura do proletariado. Especialmente, sem entendê-lo nos três momentos de sua vida onde a revolução podia quebrar efetivamente o curso da história. Em Petrogrado em 1917, que marcou a conquista do primeiro estado operário; na Saxônia em 1923 que abria a possibilidade de desencadear a tomada do poder em uma das principais potências imperialistas e cuja derrota foi chave para o isolamento e a burocratização da URSS e da IC; em Barcelona em 1937, onde se colocava a possibilidade de deter o curso da humanidade em direção à segunda guerra mundial.

Isso nos autoriza a dizer, parafraseando Lenin, que nenhum dos trotskistas do pós-guerra até hoje entendeu Trotski, porque sem compreender profundamente sua estratégia nesses momentos de quebra da história ruptura histórica? É impossível dimensionar em toda a sua amplitude o significado do seu legado como alternativa revolucionária.

Daí que o litígio sobre a tática de “governo operário” por fora da estratégia seja, como diria Marx, um problema puramente escolástico. Sem partir de seu pensamento vivo não se pode compreender a transcendência da concepção de Trotski que viu que o “governo operário” como consigna antiburguesa e anticapitalista pode ser um caminho régio para a ditadura do proletariado, e não somente sua denominação popular.

Neste sentido Trotski já havia combatido o stalinismo quando este ressuscitou a fórmula de “ditadura democrática de operários e camponeses” – consigna do “velho bolchevismo” que havia sido superada pelo próprio Lenin em suas “Teses de Abril” – para justificar a subordinação ao Kuomintang que levou à derrota da revolução chinesa de 1925-27. A partir de 1935, Trotski se enfrentará com a orientação de “frentes populares” que o stalinismo erigiu em estratégia no VII Congresso da IC, que postulava a conformação de “governos de frente única” das organizações antifascistas como fórmula para cobrir os acordos com setores da burguesia imperialista, convertendo os partidos comunistas em meros instrumentos da diplomacia da URSS; como se expressou claramente durante a revolução espanhola e a greve geral com ocupação de fábricas da França em 1936. Como dizia Trotski, “A ‘Frente Popular’ é uma coalizão do proletariado com a burguesia imperialista, representada pelo Partido Radical [110] e outras podridões da mesma espécie de menor envergadura” [111]. Porém esta questão será o tema do próximo capítulo.

NOTAS:

[1] Nota para Estrategia Internacional: Tanto os debates prévios no seio da III Internacional, como a política do stalinismo a partir de 1935 de constituição de “frentes populares” não são abordados neste capítulo, mas sim nos que o antecedem e sucedem respectivamente no livro.

[2] Michael Burawoy, “Dos métodos en pos de la ciencia: Skocpol versus Trotsky”, em Zona Abierta N° 80/81, Madri, 1997.

[3] Na introdução da nova edição dos textos do período de cárcere de Gramsci, Razmig Keucheyan da revista Contretemps retoma aquele lugar comum: “o erro de Rosa Luxemburgo e de Trotski, diz, consiste em haver ficado com uma concepção do mundo social, e por fim da estratégia revolucionária, anteriores às mudanças estruturais descritas por Gramsci, (...) [em particular a diferenciação] entre a ‘frente oriental’ e a ‘frente ocidental’, isto é entre as sociedades orientais ainda fluidas e as sociedades ocidentais nas quais a sociedade civil e o Estado se interpenetram solidamente”. (Razmig Keucheyan, “Machiavel, la politique, le prince moderne et les classes subalternes”, em Antonio Gramsci, Guerre de mouvement et guerre de position, La Fabrique, Paris, 2011, p. 163.

[4] A esta involução irão seguir sucessivos capítulos. Em dezembro de 1925, com a oficialização da “teoria” do socialismo num só país, que cortará laços com o internacionalismo que havia caracterizado a III Internacional desde antes mesmo de sua fundação; com o chamado a construir “partidos operários e camponeses”, que na China implicará na entrada no Kuomintang e a catástrofe da revolução no Oriente. Deriva que mais tarde se aprofundará no VI e VII Congressos.

[5] O IV Congresso havia sido celebrado pouco depois que os camisas negras italianos levaram a cabo sua “marcha sobre Roma”, com a qual Mussolini começa a assumir o poder. As direções das principais organizações operárias se mostram impotentes. Faz-se mais evidente a necessidade de construir uma frente única defensiva, e que o PCI tenha uma política ativa neste sentido com respeito às distintas alas dos socialistas italianos e as organizações operárias para enfrentar o fascismo no sentido das teses sobre a frente única desenvolvidas pela IC, às quais havia se oposto a maioria da delegação italiana.

[6] “Resolución sobre la táctica de la Internacional Comunista”, em Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista, Tomo II, Bs. As., Pluma, p. 207.

[7] Nota para Estrategia Internacional: No capítulo anterior afirmamos sobre a Frente Única: “Em síntese, podemos dizer que a frente única constitui uma tática complexa que tem um aspecto de manobra, outro tático, e outro estratégico. Por um lado, implica acordos – produto de determinada relação de forças entre as tendências – com reformistas como aliados circunstanciais (aspecto de manobra), com o objetivo das unidade das fileiras operárias para lutas parciais em comum (aspecto tático). E por outro lado, como objetivo principal, a ampliação da influência dos partidos revolucionários como produto da experiência em comum (ou do seu rechaço pelas direções reformistas), no sentido de reduzir as ‘reservas estratégicas’ para a tomada do poder (aspecto estratégico)”.

[8] “Resolución sobre la táctica de la Internacional Comunista”, en op. cit., p 208.

[9] Idem, p. 209

[10] Idem.

[11] Idem, p. 208.

[12] Idem.

[13] Leon Trotski, “Report on the Fourth World Congress (December 28, 1922)”.

[14] Carl von Clausewitz, De la Guerra, Buenos Aires, Solar, 1983, p. 490.

[15] Cf. Pierre Broué, Révolution en Allemagne.

[16] Cf. Pierre Broué, op. cit. Também Hans Kippenberger, “La insurrección de Hamburgo” (informe ao Executivo sobre a insurreição de Hamburgo), em La insurrección armada, Barcelona, Fontamara, 1978.

[17] Christine Buci-Glucksmann, Gramsci y el Estado: hacia una teoría materialista de la filosofía, Madri, Siglo XXI, p. 337.

[18] Mike Jones, “Letters: Germany 1923”.

[19] Leon Trotski, “Informe al 3º Congreso Provincial de Moscú del Sindicato de Metalúrgicos” (1924).

[20] Antonio Gramsci, “Carta a Togliatti, Terracini y otros”, em Antología, Madri, Siglo XXI, p. 139.

[21] Isaac Deutscher, “Record of a Discussion with Heinrich Brandler”, em New Left Review I/105, Setembro-Outubro 1977, Londres, pp. 47-55.

[22] Cf. Heinrich Brandler e Isaac Deutscher, “Correspondence between Brandler and Deutscher 1952-9”, em New Left Review I/105, op. cit., pp. 56-81.

[23] Leon Trotski, “The Timetable for Revolution”.

[24] Idem.

[25] Leon Trotski, Stalin, el gran organizador de derrotas. La III Internacional después de Lenin, Bs. As., Ediciones IPS.

[26] Nesta mesma carta realiza uma importante reivindicação de Trotski, inclusive da teoria da revolução permanente, no entanto depois do Congresso se ligará à campanha de bolchevização que tinha como objetivo a perseguição de Trotski e de todo aquele que simpatizasse com ele. A respeito, dizia Trotski: “Nestes tempos tem-se falado e escrito com frequência sobre a necessidade de ‘bolchevizar’ a Internacional Comunista. Trata-se, com efeito, de uma tarefa urgente, indispensável, cuja proclamada necessidade faz-se sentir de modo ainda mais imperioso após as terríveis lições que o ano passado nos dera na Bulgária e na Alemanha. O bolchevismo não é uma doutrina, ou não é apenas uma doutrina, mas sim um sistema de educação revolucionária para levar a cabo a revolução proletária”. (Lições de Outubro)
No entanto, a “bolchevização” consistiu no contrário disso. Avançou-se em desorganizar as direções dos diferentes partidos comunistas exigindo o alinhamento automático com as posições da ascendente burocracia do Partido Comunista russo e o rechaço ao “trotskismo”. Qualquer conclusão estratégica havia ficado vedada.

[27] Leon Trotski, “Introducción a ‘5 años de la Internacional Comunista’”.

[28] Leon Trotski, Stalin, el gran organizador de derrotas. La III Internacional después de Lenin, op. cit., p. 146.

[29] Do ponto de vista das massas, como analisamos em capítulos anteriores, o que se expressa nesses momentos, segundo Trotski, é uma atitude mais circunspecta produto da experiência acumulada que lhes aponta a impossibilidade de tomar o poder sem uma direção decidida à sua frente. O que chamou “a calmaria antes da tempestade”. O grupo de direita que se desenvolve contra a necessidade de preparar a insurreição se baseia em interpretar este elemento como “conservadorismo” das massas, como refluxo, quando em realidade é expressão de algo muito diferente, de que realizaram uma experiência prática sobre os limites da ação espontânea para alcançar o triunfo.

[30] Como o lançamento da insurreição em Reval (Estônia) em fins de 1924 por fora da situação das massas e do estado da correlação de forças, que naturalmente terminou em fracasso. Ou o atentado à catedral de Sofia (Bulgária) em abril de 1925.

[31] Nota para Estrategia Internacional: Como afirmamos em um capitulo anterior: “Em 1921 o KPD havia avançado em sua influência. A esquerda do USPD que constituía ao redor de dois terços da militância ativa fundiu-se com o KPD para formar o Partido Comunista Unido (VKPD). Em março de 1921 nas minas de carvão de Mansfeld tiveram lugar greves e ocupações de fábrica e o governador socialdemocrata da Saxônia prussiana (Anhalt), Hörsing enviou o exército e a política para suprimir o movimento. A aplicação de fato da “teoria da ofensiva” pelo VKPD foi que, em vez de denunciar a repressão e chamar a solidariedade desde uma posição defensiva, o que seguramente teria sido uma tática poderosa, chamou-se imediatamente à greve geral em todo o país e à luta armada. De 22 a 29 de março lutou-se heroicamente porém não houve resposta ao chamado por fora do VKPD e dos operários da Alemanha central, o que levou à derrota, com importantes baixas e milhares de presos. A consequência posterior foi o afastamento de uma parte considerável da militância do VKPD”.

[32] Leon Trotski, “Introducción a ‘5 años de la Internacional Comunista’”, em op. cit.

[33] Cf. Leon Trotski, “Los problemas de la guerra civil”.

[34] Carl von Clausewitz, De la Guerra, Tomo I, Bs. As., Círculo Militar, 1968, p.53.

[35] Leon Trotski, Stalin, el gran organizador de derrotas. La III Internacional después de Lenin, op cit., p. 138.

[36] Antonio Gramsci, “Carta a Togliatti, Terracini y otros”, em op. cit., p. 146.

[37] Antonio Gramsci, Cuadernos de la Cárcel Tomo 5, México, Ediciones Era, 1999, p.63.

[38] Leon Trotski, “The New Economic Policy of Soviet Russia and the Perspectives of the World Revolution. Delivered at the November 14, 1922 Session of the Fourth World Congress of the Comintern”.

[39] Antonio Gramsci, Cuadernos de la Cárcel Tomo 5, op. cit., p.6.

[40] É importante esclarecer que o termo “manobra” na literatura militar também pode ter um sentido diferente, o qual utilizamos em várias partes do livro, onde se contrapõe a “combate”. Assim, é característico de Clausewitz distinguir a primazia da manobra nas guerras do século XVIII para conquistar pequenas vantagens posicionais que permitam negociar algum tipo de paz favorável sem combate, das guerras napoleônicas onde se busca medir forças e primam as grandes batalhas.

[41] Kautsky, em resposta a Rosa Luxemburgo, identifica a “estratégia de desgaste” com a defesa da “velha tática provada” do parlamentarismo em contraposição à ação direta e à greve geral. Em capítulos anteriores mostramos como esta polêmica rezava concretamente sobre como conquistar a unidade da classe operária alemã detrás da socialdemocracia, sobre como dirigir os setores que nem estavam organizados no SPD nem nos sindicatos socialdemocratas, especialmente os operários católicos referenciados no Deutsche Zentrumspartei. Kautsky considerava que a forma de conduzir estes setores era através da agitação eleitoral e dos representantes parlamentares. Rosa Luxemburgo aponta corretamente como a “estratégia de desgaste” em Kautsky era Nichtsalsparlamentarismus (nada-mais-que-parlamentarismo). Isto é, como o teórico da socialdemocracia alemã negava a perspectiva da revolução para teorizar uma estratégia dedicada a ocupar espaços nos marcos do regime burguês. No caso de Gramsci, a questão era diferente já que a estratégia para uma “guerra de posição” correspondente ao Ocidente era assimilada – como desenvolvemos nestas páginas – à fórmula da frente única elaborada pela III Internacional. No entanto, é chamativo que o revolucionário italiano em seus Cadernos do Cárcere, assim como Kautsky em seu momento, toma Rosa Luxemburgo como contraponto de referência, porém neste caso para enfrentar a “guerra de posição” à teoria da revolução permanente de Trotski. Como desenvolveremos, ainda que o pensamento estratégico de Gramsci não possa ser assimilado ao de Kautsky, suas ambiguidades deixam a porta aberta a revisões no mesmo sentido, que de Togliatti em diante pretenderam utilizá-lo como fundamento de estratégias reformistas, em contradição com a trajetória revolucionária do próprio Gramsci.

[42] Ambos figuras destacadas da ala “esquerdista” da III Internacional, a quem Lenin dedicou seu folheto Esquerdismo, doença infantil do comunismo.

[43] Como afirma Gramsci, Bordiga “pensa que a tática da internacional manifesta reflexos da situação russa (…) para ele essa tática é sumamente voluntarista e teatral, porque só com um extremo esforço da vontade se podia obter das massas russas uma atividade revolucionária, que não estava determinada pela situação histórica. Pensa que para os países mais desenvolvidos da Europa central e ocidental essa tática é inadequada ou inclusive inútil” (Antonio Gramsci, “Carta a Togliatti, Terracini e outros”, em op. cit., p. 145).

[44] Herman Gorter, “Carta abierta al camarada Lenin”, em La izquierda comunista germano-holandesa contra Lenin, Espanha, Ediciones Espartaco Internacional, 2004, p. 157.

[45] Por um lado, na Itália – que ficará fora daquele esquema binário sob a caracterização de “capitalismo periférico” – defenderá essencialmente uma política de frente única “por baixo” nos marcos das teses do V Congresso. Por outro lado, para a Grã Bretanha – incluída dentro do “ocidente” – sustentará uma posição oportunista de manter a todo custo a subordinação do proletariado britânico à burocracia do Trade Union Congress (TUC), afirmando em agosto de 1926 que “apesar da indecisão, da debilidade e, se se quiser, da traição da esquerda inglesa durante a greve geral, o Comitê anglo-russo deverá ser mantido” (Antonio Gramsci). Este ecletismo estará em sintonia com a política ziguezagueante da IC dirigida por Zinoviev.

[46] Tomamos a tradução ao castelhano de Valentino Gerratana, José Aricó traduz: “A estrutura maciça das democracias modernas”. O texto original em italiano diz “La struttura massiccia delle democrazie moderne, sia come organizzazioni statali che come complesso di associazioni nella vita civile costituiscono per l’arte politica come le ‘trincee’ e le fortificazioni permanenti del fronte nella guerra di posizione: essi rendono solo ‘parziale’ l’elemento del movimento che prima era ‘tutta’ la guerra ecc.”.

[47] Antonio Gramsci, Cuadernos de la Cárcel Tomo 5, op. cit., p.22.

[48] Nesse sentido, contra as interpretações “socialdemocratas” do revolucionário italiano, afirmava que qualquer dos principais estados imperialistas “era mais forte que o estado czarista, porque descansava não somente no consenso das massas, mas também em um aparato repressivo superior”. Perry Anderson, As antinomias de Gramsci, México, Fontamara, 1991, p. 89

[49] Leon Trotski, “Lecciones de Octubre”, em La teoría de la revolución permanente (compilación), Ediciones CEIP “León Trotsky”, Bs. As., 2000, p. 240.

[50] Antonio Gramsci, Cuadernos de la Cárcel Tomo 3, op. cit., p. 105.

[51] Idem, p. 157.

[52] Benditos os que possuem, em latim.

[53] Cf. Leon Trotski, “Los problemas de la guerra civil”, em op. cit.

[54] “Informe enviado por Athos Lisa, al PCI: Discusión política con Gramsci, en la cárcel.”.

[55] Idem.

[56] Leon Trotski, “Un programa de acción para Francia”.

[57] Emilio Albamonte e Manolo Romano, “Revolución permanente y guerra de posiciones”, em Estrategia Internacional n° 19, Bs. As., 2003.

[58] Leon Trotski, “Programa de Transición”, em El programa de Transición y la fundación de la IV Internacional (compilación), Bs. As., Ediciones CEIP “León Trotsky”, 2008, p. 92.

[59] Idem, p. 91.

[60] Idem.

[61] Depois do V Congresso e do fracasso das aventuras putschistas na Estônia e Bulgária, a orientação ziguezagueante da IC voltou a concretizar outra guinada. Em 1925 havia se realizado o acordo com o Trade Union Congress (TUC) inglês, constituindo-se o Comitê Anglo-russo sobre a base da solidariedade com a URSS. Porém, este acordo no nível sindical longe de servir como manobra para ampliar a força própria dos comunistas na Grã Bretanha e afrouxar o isolamento da União Soviética, terminou se constituindo num obstáculo estratégico para os comunistas britânicos que terminaram sendo cobertura pela esquerda da traição da burocracia do TUC à greve geral de 1926. No lapso que vai desde a constituição do acordo até a traição de 1926, a direção da IC não fez mais do que exagerar o “giro à esquerda” da direção do TUC desarmando o proletariado britânico que durante esses anos protagonizou o maior movimento de luta desde o Cartismo. Outro tanto sucedeu na China, onde o CEIC ordenou ao PCCh a entrada no Kuomintang com as consequências catastróficas para a revolução chinesa que analisaremos em seguida. No entanto, nem a ruptura do Comitê Anglo-russo, nem a ruptura com o Kuomintang se deram por iniciativa da direção da IC, quando era evidente que esta política havia levado à derrota. A direção do TUC rompeu o Comitê em 1927 quando já não lhe era funcional, visto que a IC já havia prestado seus serviços em 1926 e o movimento estava derrotado. Outro tanto sucedeu com o Kuomintang, que após a IC ter garantido a entrega das armas em Xangai em 1927, considerou “superado” o acordo e empreendeu a repressão sobre os comunistas; isso não foi suficiente, contudo, para que a IC deixasse de entregar sua confiança, em seguida, à “ala esquerda” do Kuomintang, para levar à derrota definitiva da revolução.

[62] Em 1926, no interior do partido comunista da URSS, produzem-se novos deslocamentos, a direção fica nas mãos de Stalin e Bukharin. Porém ao mesmo tempo se estendia o descontentamento entre os operários na União Soviética, especialmente nas grandes capitais como Leningrado. Expressão deste descontentamento é a ruptura de Zinoviev – que havia encabeçado a campanha antitrotskista no V Congresso – e de Kamenev com Stalin, e sua aproximação de Trotski e da oposição de esquerda. Assim é que em abril de 1926 se forma a Oposição Conjunta que encarará uma batalha que irá durar até a capitulação de Zinoviev e Kamenev em 1927. Ambos, junto com Trotski, haviam sido expulsos da direção em outubro, e do partido após as manifestações e enfrentamentos no décimo aniversário da revolução. Após a derrota da Oposição Conjunta, volta a começar a luta entre as camarilhas de Stalin e Bukharin.

[63] No XI Pleno do CEIC em fevereiro de 1928, após o VI Congresso da IC em julho, e um mês depois do X Pleno, de conjunto serão assentadas as bases da política de “classe contra classe”, também conhecida como “o terceiro período”.

[64] Diferentemente do esquerdismo dos primeiros anos da IC, este retrocesso estratégico do stalinismo se dá em prol de uma política funcional aos interesses da burocracia de Moscou, enquanto a política dos esquerdistas alemães, holandeses ou italianos dos primeiros anos vinte era, ao menos, uma expressão da busca infantil de um caminho para a revolução.

[65] Nas eleições de setembro de 1930, o Partido Comunista havia passado dos 3,3 milhões de votos de dois anos antes para 4,6 milhões, o NSDAP havia saltado de 800 mil votos a 6,4 milhões.

[66] Carl von Clausewitz, De la Guerra Tomo III, Bs. As., Círculo Militar, 1969, p. 24.

[67] Idem, p. 27.

[68] Cf. Christine Buci-Glucksmann, op. cit., p. 383.

[69] Antonio Gramsci, Cuadernos de la Cárcel Tomo III, op. cit., p. 156.

[70] Leon Trotski, “¿Y ahora?”, em Revolución y fascismo en Alemania, Bs. As., Ed. Antídoto, 2005, p.

[71] Esta posição estava agravada pela própria gênese do PCI no Congresso de Livorno, onde os revolucionários foram incapazes de ficar com a maioria do antigo Partido Socialista. Ou seja, minoritários desde o princípio, a tática da Frente Única se lhes impunha como necessidade desde o próprio começo de sua atividade como partido independente.

[72] Bordiga será, entre os dirigentes da IC, um dos que se pronunciará pela democracia partidária e contra a campanha antitrotskista.

[73] Leon Trotski, “¿Y ahora?”, en op. cit., pp. 130 y 131.

[74] Idem, p. 93.

[75] Maquiavel, para responder por que Alexandre Magno após substituir Dario III Codomano havia conseguido estabilizar seu poder em poucos anos, recorria justamente a comparar a dificuldade para a tomada do poder na França (Ocidente) e na Turquia (Oriente) consoante o rei governasse diretamente com súditos ou com a ajuda de nobres, estes últimos funcionando como espécies de “trincheiras” que podiam ser utilizadas por quem queria tomar o poder assim como contra este para que não possa se estabilizar nele.

[76] Cf. Peter Paret, Clausewitz y el Estado, Madri, Centro de Estudios Constitucionales, 1979.

[77] Félix Gilbert, “Maquiavelo: El renacimiento del arte de la guerra”, em Creadores de la estrategia moderna, Bs. As., Circulo Militar, 1968, p. 67-68.

[78] Ou seja, não necessariamente aquele que tem interesse em que o ataquem porque pode travar uma luta defensiva exitosa, tem interesse – nas mesmas circunstancias – em travar uma luta ofensiva caso não seja atacado.

[79] Carl von Clausewitz, De la Guerra, Buenos Aires, Solar, 1983, p. 488.

[80] Leon Trotski, “¿Es posible la victoria?”.

[81] Leon Trotski, “La verificación de las ideas y de los individuos a través de la experiencia de la Revolución española”.

[82] Partido Obrero de Unificación Marxista. Surgido da fusão do grupo de Andreu Nin, com o Bloque Obrero y Campesino dirigido por Joaquim Maurín.

[83] Confederación Nacional del Trabajo, dirigida pelos anarquistas da Federación Anarquista Ibérica (FAI) desde princípios da década de 1930.

[84] Leon Trotski, “La traición del ‘Partido Obrero de Unificación Marxista’ español”.

[85] Nota para Estrategia Internacional: Como desenvolvemos no próximo capítulo, para justificar sua entrada ao Consell da Generalitat, o POUM se encarrega de embelezar a Esquerra Republicana destacando seu “caráter profundamente popular” e o caráter mais de esquerda de seu programa republicano. Apesar de que o novo governo estaria encabeçado pela Esquerra Republicana, o POUM considerava que “Quanto à hegemonia proletária, a maioria absoluta de representantes operários a asseguraria plenamente”, vale esclarecer que se referiam a stalinistas, socialdemocratas e anarquistas. (Cf. Pierre Broué, La Revolución Española. 1931-1939, Barcelona, Ediciones Península, 1977, p. 202). No entanto, como diria Trotski: “Politicamente, o mais surpreendente é que a Frente Popular espanhola não tinha paralelogramo de forças: o lugar da burguesia estava ocupado por sua sombra. Por mediação dos stalinistas, socialistas e anarquistas, a burguesia española subordinou o proletariado sem nem sequer incomodar-se em participar da Frente Popular”. Leon Trotski, “Lecciones de España: última advertencia”).

[86] “Programa electoral del Frente Popular”, em Pierre Broué, La Revolución Española. 1931-1939, Barcelona, Ediciones Península, 1977, p. 186.

[87] Nota para Estrategia Internacional: Como desenvolvemos em capítulos anteriores, Clausewitz afirmava que “A destruição das forças inimigas aparece sempre como o meio mais elevado e mais eficaz ao qual todos os demais devem ceder” (De la Guerra, Tomo I, op. cit., p. 73). Baseados numa interpretação unilateral desta afirmação, floresceram entre seus intérpretes e críticos aqueles que o catalogaram como o teórico da ofensiva permanente. Desde o Conde Schlieffen – autor do plano aplicado pela Alemanha na primeira guerra mundial – que o usou para fundamentar suas posições, até o teórico militar anticlausewitziano Lidell Hart que utilizou este modo para desacreditá-lo. Entretanto, com aquela definição Clausewitz não pretendia dizer que em toda guerra nem em todo momento estava colocado como objetivo imediato a destruição do exército inimigo, mas tentava dar conta da mudança de época que a Revolução Francesa havia significado, e como esta havia acarretado mudanças profundas tanto na tática como na estratégia que marcavam o contraste com as guerras “de gabinete” do século XVIII.
Algo parecido sucedeu no marxismo revolucionário na época imperialista. Assim como com Clausewitz, dentro da própria III Internacional houve setores que interpretaram a “atualidade” da revolução proletária na nova época como sinônimo de “iminência”. Thalheimer, Fröhlich, Lukács, agrupados na revista Kommunismus foram os Schlieffen de Lenin. Interpretaram a perspectiva revolucionária da época como fundamento para a teoria da “ofensiva revolucionária” permanente. Lenin e Trotski os enfrentaram nos debates da IC. Trotski teve que combater uma variação ainda mais grotesca anos depois, ante a linha de “classe contra classe” do stalinismo.
O que é certo é que nem para Clausewitz, nem para Lenin e Trotski, “a destruição das forças do inimigo” constituía o único propósito em toda guerra, mas sim o mesmo estava determinado pela efetiva existência ou não das condições para ser alcançado. Hans Delbrück, com base em uma interpretação das notas do próprio Clausewitz, a partir das quais o general prussiano reformulou partes importantes de Da guerra, apontou como isso determinava dois polos da arte da guerra. Por um lado, o da “estratégia de abatimento” (Niederwerfunsstrategie) quando se luta “pela decisão”; por outro lado, o da “estratégia de desgaste” (Ermattungsstrategie) onde não está colocada a “destruição da força do inimigo” mas apenas “objetivos limitados”. Entre ambos os polos se funda cada estratégia em determinadas circunstâncias concretas dando lugar a uma variada multiplicidade de guerras que vão desde a quase observação armada até a “guerra absoluta”.
Do ponto de vista da revolução proletária, Trotski desenvolverá esta diferença tomando o contraste entre: Por um lado, a etapa de crescimento capitalista das décadas anteriores à primeira guerra mundial, nas quais estavam colocados “objetivos limitados”, dizia Trotski que “frente a um capitalismo em crescimento, a melhor direção do partido não podia fazer outras coisa que acelerar a formação do partido operário” (Stalin, el gran organizador de derrotas, op. cit., p. 151); E, por outro lado, a etapa aberta após a guerra imperialista, onde a chave da direção era estar preparada para viragens bruscas da situação tanto à esquerda (com a possibilidade de revolução e tomada do poder) como à direita (com a necessidade de passar à defensiva) que colocassem enfrentamentos decisivos. Por sua vez, por exemplo na década de 1920, Trotski mostra uma combinação de ambos. Ao mesmo tempo em que sustentava que a chave das direções das IC era estarem preparadas para estas mudanças bruscas de situação – e assim o discutiu, tanto na Alemanha como na China posteriormente –; no caso da URSS o fundador do Exército Vermelho levantava a necessidade de uma política econômica ativa do Estado Operário para desenvolver as forças produtivas como base para sustentar a aliança com o campesinato. Para Trotski ambas as orientações eram parte de uma estratégia de conjunto para o desenvolvimento da revolução internacional, e este será o ponto central de base para o enfrentamento durante aqueles anos tanto à política do “triunvirato” como à do bloco Stalin-Bukharin.
A ausência deste tipo de reflexão estratégica se expressou, pela negativa, nas discussões dentro das correntes trotskistas após a segunda guerra e o surgimento da Ordem de Yalta, quando se fez necessário restabelecer um novo marco estratégico e readequações programáticas. Como apontávamos no artigo “Trotski e Gramsci. Convergências e divergências” (Estrategia Internacional nº 19): “O trotskismo se dividiu, neste terreno, entre duas grandes tendências, ambas equivocadas. De um lado aqueles como o Comitê Internacional encabeçado por Pierre Lambert (e incluindo neste arco as correntes de Nahuel Moreno com base na Argentina e Guillermo Lora na Bolívia) que defendiam a tese ‘estancacionista’. ‘As forças produtivas da humanidade se estancaram’ repetiam segundo a letra do Programa de Transição, sem ver que a fabulosa destruição de forças produtivas provocada pela guerra e a reconstrução capitalista da Europa permitiram aplicar, de forma concentrada e abrupta, a mais avançada técnica norte-americana e criar uma demanda rápida de bens de consumo, tudo ao mesmo tempo. Isto significou uma negação parcial, temporária, limitada, porém que mudou o que era um fato antes da guerra. A continuidade da época imperialista, isto é da fase de declínio do capitalismo, não foi o mesmo que o estancamento das forças produtivas que, durante o parêntesis de 1948 a 1968, tiveram um desenvolvimento parcial. No extremo oposto aos ‘estancacionistas’, a interpretação do Secretariado Unificado (SU) baseou-se na teoria de Ernest Mandel que vê nesse desenvolvimento parcial durante o ‘boom’ as características de um neocapitalismo ou ‘capitalismo tardio’, adotando uma versão corrigida da teoria burguesa das crises capitalistas, supostamente mensuráveis através de ‘ondas’ ou ciclos automáticos de crescimento e retração, onde o fato da luta de classes estava completamente subordinado”.
Ao contrário da lógica de Trotski que apontávamos, em ambos os casos as consequências foram: por um lado, não avançar na construção de fortes partidos revolucionários em situações onde só dava para perseguir “objetivos limitados”, e por outro, quando se colocava a tomada do poder, identificar o surgimento de novos estados operários burocratizados com o avanço imparável do socialismo, perdendo de vista a estratégia de conjunto apontada por Trotski, que mostrava a impossibilidade de avançar dessa forma no desenvolvimento internacionalista da revolução.

[88] Para uma polémica com Bensaïd sobre este ponto ver: Claudia Cinatti, “¿Qué partido para que estrategia?”, em Estrategia Internacional nº 24, 2007-2008.

[89] Daniel Bensaïd, “Sobre el retorno de la cuestión político-estratégica”.

[90] Nos referimos a Miguel Rossetto, que foi ministro do desenvolvimento agrário do governo do PT no Brasil.

[91] Daniel Bensaïd, op. cit.

[92] Ver neste número de Estrategia Internacional: Claudia Cinatti, “Luta de classes e novos fenômenos políticos no quinto ano da crise capitalista”.

[93] Leon Trotski, “Report on the Fourth World Congress (December 28, 1922)”, em op. cit.

[94] “Una crítica trotskista de Alemania 1923 y la Comintern”.

[95] Leon Trotski, “La naturaleza de clase del estado soviético”.

[96] Leon Trotski, “Los problemas de la insurrección y de la guerra civil”, em op. cit.

[97] “Una crítica trotskista de Alemania 1923 y la Comintern”, em op. cit.

[98] Leon Trotski, “Programa de Transición”, op. cit., p. 92.

[99] Cf. Matías Maiello e Emilio Albamonte, “En los límites de la ‘restauración burguesa’”, em Estrategia Internacional nº 27, Bs. As., 2011.

[100] Cf. Matías Maiello e Emilio Albamonte, op. cit.

[101] Citado em Ernesto González, El trotskismo obrero e internacionalista en la Argentina, Tomo 3, Bs. As., Antídoto, 1999, p. 54.

[102] Idem, p. 53.

[103] Idem, p. 58.

[104] Leon Trotski, “La situación de la Oposición de Izquierda”.

[105] Carl von Clausewitz, De la Guerra Tomo III, op. cit. p. 23.

[106] Leon Trotski, “La situación de la Oposición de Izquierda”, em op. cit.

[107] O próprio Trotski havia analisado como hipótese deste tipo de relação entre um exército de base camponesa que conduzisse uma revolução triunfante e a vanguarda operária das cidades em seus intercâmbios com os oposicionistas chineses; Cf. Leon Trotski, “La guerra campesina en China y el proletariado”.

[108] Sobre estas frágeis bases foi que se reunificaram as tendências trotskistas em 1963. A consequência esperada foi um novo acontecimento deste tipo anos depois, quando na Nicarágua a adaptação da maioria do Secretariado Unificado à direção da FSLN os levou a apoiar a expulsão da “Brigada Simón Bolívar” organizada pelo morenismo.

[109] V. I. Lenin, “Cuadernos Filosóficos”, em Obras Completas, Tomo 38, Bs. As., Cartago, 1960, p.

[110] Refere-se ao Partido Radical francês, um partido historicamente ligado à opressão colonial francesa, que tinha sua base tradicional entre a pequena burguesia das cidades e do campo.

[111] Leon Trotski, ¿A dónde va Francia?, Ediciones Pluma, Bs. As., 1974, p. 114.

 
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