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Privatização e precarização do trabalho | Via "Imobilidade": a face cruel da privatização dos transportes

No último dia 14/05 o programa Fantástico da TV Globo exibiu uma reportagem especial sobre os danos causados pela privatização das linhas 08 e 09 da CPTM em SP, e da Supervia do RJ. A matéria de 12 minutos no horário nobre com trilha sonora do grupo RZO, apresentou justificativas estapafúrdias do consórcio CCR, e também contou com relatos de ex- funcionários e passageiros denunciando o drama cotidiano das falhas, acidentes e riscos, que todo o dia a população é obrigado a enfrentar para ir e voltar do trabalho. Por trás da inédita denúncia em TV aberta, o que está em jogo é a burguesia tentar emplacar a sua hegemonia de classe, diante a crise da mobilidade urbana nas principais capitais.

Felipe GuarnieriDiretor do Sindicato dos Metroviarios de SP

quarta-feira 24 de maio de 2023 | Edição do dia

"Privatiza que melhora". Quem nunca já se deparou com esse jargão liberal para solucionar o problema dos serviços públicos? Trata- se de uma expressão da ideologia dominante exercida pela hegemonia burguesa no controle do Estado Capitalista.

Gramsci explica essa relação na sua obra Cadernos do Cárcere, da seguinte forma:

Esta é a fase mais estritamente política, que assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das superestruturas complexas; é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em “partido”, entram confrontação e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma combinação delas, tenda a prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados.

Começar com essa referência não tem outro objetivo, senão demonstrar o óbvio. Não, a Rede Globo não está com um editorial contrário a política de privatização, dos governos estaduais e federal. A emissora defensora dos interesses da fração hegemônica da burguesia, atua como uma espécie de representante popular, para conquistar base social em favor do novo modelo de privatização defendido pela Faria Lima (resignação designada aos Bancos e Fundos de Investimento que possuem seus escritórios alocados na tradicional avenida paulista).

Gramsci, também explica esse papel da imprensa capitalista na hegemonia burguesa:

O exercício normal “normal” da hegemonia, no terreno clássico do regime parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações -, os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente multiplicados.

Limpado esse campo dos objetivos e interesses, vamos ao problema. Por que a emissora historicamente golpista, e defensora das principais reformas neoliberais, elabora com a qualidade de todo o seu aparato uma matéria que apresenta os danos causados pela agenda de privatizações, que ela mesmo defende?

Primeiro, porque essa agenda possui uma crise instalada no setor de transportes, estratégico para o funcionamento do Estado. Como demonstra a reportagem, o Ministério Público foi obrigado atuar. Multas no valor de até 10 milhões de reais já foram aplicadas, assim como a suspensão de mais de 29 milhões dos subsídios pagos pelo Estado na arrecadação das tarifas (por sinal quase 50% mais cara do que o transporte estatal) a empresa ViaMobilidade, gerida pelo consórcio CCR e que administra as linhas 08 e 09 da CPTM em São Paulo.

No mesmo documento do MP, identifica-se 60 pontos de melhorias nos trens e vias que a empresa deve se comprometer para não perder a concessão das linhas. O próprio Governador Tarcísio, que iniciou seu mandato dizendo que não é o MP que governa o Estado, e sim ele, teve que recuar. E intermediar a construção desse acordo. Se ele será cumprido até agosto, ainda não sabemos. O fato é, que a recomendação do MP não é contrária a privatização, em última instância ela atua para exigir uma readequação da empresa nos investimentos, ou que o governo mude o modelo de concessão.

Exatamente, a mesma diretiz defendida pelo Governo de Claudio Castro para a SuperVia no Rio de Janeiro. Abandonada pela multinacional japonesa Mitsui, que em abril passado já informou as autoridades que quer largar a concessão. Nisso, o parecer da da pasta de transportes, afirma que o modelo de concessão da década de 90 é ultrapassado e precisa de um novo modelo de contrato.

Tanto em SP quanto no RJ o novo modelo sugerido pela matéria, com mais participação do Estado no aporte financeiro, na verdade trata-se do domínio econômico dos fundos de investimento. Fortalecido desde 2020, a partir da intermediação do BNDES no governo Bolsonaro e que segue com o aval da frente ampla de Lula-Alckmin, como abordado nessa mesma coluna semana passada

Enquanto, os representantes da CCR e da Mitsui, tentam justificar o injustificável, com teses malucas e muita demagogia, quem paga o preço são os trabalhadores com condições cada vez mais precárias de trabalho, e a população correndo risco de vida nos trens. Jornadas superiores a 12hs de trabalho, sem treinamento, longas filas, tarifas caras, acidentes, superlotação, fatores que constituem a realidade do transporte cotidianamente.

Um drama que não é criado do dia para a noite. A privatização é o destino final de uma política preparada a longo prazo nos serviços públicos de terceirização e precarização do trabalho. O que foi chamado de processo neoliberal de reestruturação produtiva, aplicado no início dos anos 90 no Brasil. Governos precarização o serviço público para sustentar a viabilidade da privatização, degradando as condições de trabalho. A vida do casal de funcionários da bilheteria das estações no RJ, retratado na reportagem, é a de muitos brasileiros. Despedem-se de manhã, logo cedo, e só voltam a se ver meia noite, após a extenuante jornada, com salários baixos e sem direitos.

A reforma trabalhista aprovada em 2017 aprofundou a terceirização, estendendo a legalidade das atividades-meio para as atividades fins. É fruto do golpe e se consolidou nos anos de Bolsonarismo. Contudo, a plataforma defendida pela Frente Ampla não propõe sua revogação, mas sim sua revisão. Combinada por um processo de negociação dareforma sindical em curso com as principais centrais sindicais CUT/CTB, Força Sindical e UGT.

A declaração recente do Ministro do Trabalho, e ex-presidente da CUT, Luiz Marinho, reflete precisamente o caráter conciliatório da política do governo Lula-Alckmin:

Atividade principal não se terceiriza, já atividades complementares pode ser terceirizada, mas mesmo assim é preciso observar a qualidade e transparência dos contratos, com participação do controle social, que são os sindicatos. Mas na medida que fragilizaram a condição do sindicato, acabaram com o Ministério do Trabalho e fragilizaram a fiscalização, os empresários sentiram-se à vontade para usar o trabalho precário e análogo à escravidão.

Toda manobra consiste em separar a atividade fim da atividade meio. A primeira seria repudiada, enquanto a segunda seria legal. Na prática elas se integram na política de privatização, como parte da preparação do terreno. Como o ministro explicaria que todas as privatizações da CPTM, ou do próprio Metrô, por exemplo, começaram justamente com a terceirização de atividades como a limpeza, e depois escalaram gradativamente para outras funções, como manutenção, operação de trens e bilheterias?

Não explica, porque não quer explicar, afinal de contas o PT nos seus 13 anos de governo foi parte de expandir qualitativamente o trabalho precário e terceirizado. E agora, com ajuda institucional do poder bonapartista do STF, querem terminar de construir o Castelo da Faria Lima. Para isso, contam com a aprovação do neoliberal projeto de arcabouço fiscal de Haddad, combinado a indicação de Galípolo (mentor do novo modelo de privatização) para o COPOM já mirando com ele a substituição de Campos Neto na presidência do Banco Central em 2024.

Por conta desses fatores, que conciliação de classes adotada como método e fundamento da política petista, ao contrário de aparentemente enfraquecer, acaba por fortalecer os setores da extrema direita, que atualmente no Congresso Nacional conseguiram instalar a absurda CPI do MST e preservar ainda mais os interesses dos empresários e latifundiários escravistas do Agronegócio.

Justamente, pelo fato da burocracia sindical atuar dentro do pacto que a Frente Ampla busca construir, não será consequente na luta contra a privatização nas principais capitais do país. Pelo contrário, a privatização do Metrô de BH, e a desarticulação levada a frente em SP com as ameaças de Tarcísio a Sabesp e CPTM, demonstram que só a mobilização, através de exigências e denuncias a essas direções, serão capazes de derrotar as investidas privatizantes do Governo e impor a revogação das reformas trabalhista e da previdência.

Para construir uma alternativa a essa política e de fato atingir o cerne de sustentação de todos os setores da direita no regime, é fundamental a iniciativa que tiveram mais de mil intelectuais, entidades, parlamentares, e apoiado ativamente pelo Portal Esquerda Diário, de redigir um Manifesto contra a Terceirização e a Precarização do Trabalho.

Manifesto esse que vem ganhando corpo no movimento sindical, com a adesão do Sindmetro-SP e SINTUSP, demonstrando cada vez mais como o caminho de lutar contra a terceirização, passa por defender melhores condições de trabalho aos terceirizados, por exemplo, exigindo bilhete de gratuidade no transporte, junto a um programa de efetivação sem necessidade de concurso público para unificar as fileiras da nossa classe com uma política independente contra a a agenda privatizante dos patrões e dos governos.




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