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TERCEIRIZAÇÃO | Dari Krein: "Vamos para o embate contra o PL 4330"

quarta-feira 8 de abril de 2015 | 00:01

Esquerda Diário: Como você vê possível aprovação do PL 4330 no Congresso no atual contexto político do ajuste fiscal?

Dari Krein: Temos a possibilidade desta aprovação, é muito real e preocupante. Ela deve ser aprovada na Câmara, Senado e depois irá para a sanção presidencial. O primeiro aspecto que temos de entender é que o esboço deste projeto foi feito já em 1998, ainda no governo FHC. E o projeto faz parte de um conjunto de medidas constituídas nos anos 1990 com o objetivo de desconstruir a proteção social garantida pela lei (CLT e a Constituição), para garantir maior flexibilidade das leis trabalhistas.

Flexibilidade esta entendida como a ampliação da liberdade de determinadas condições de contratação de trabalho, que é uma característica do capitalismo contemporâneo, um capitalismo globalizado, financeirizado, neoliberal. A regulamentação da terceirização, que não estava prevista em nosso arcabouço legal, aparece neste contexto. Nos anos 1990 já houve uma primeira flexibilização: em 1993, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) criou a súmula 331, que legitimou a possibilidade de terceirização em atividades-meio.

Nos anos 2000, na minha avaliação pessoal, este projeto recorrentemente voltou à pauta. Houve um movimento contra a terceirização. Então, nos anos 2000 se cria de certa forma uma situação que mobiliza dois campos, um fórum nacional que se mobiliza contra este projeto de Lei (PL 4330), constitui uma frente ampla que aglutina pessoas favoráveis e contra a regulamentação da terceirização, mas que o ponto comum que as reúne é serem contrários a este projeto de lei. Esta mobilização, mais ampla, nos anos 2000, segura de certa forma, a aprovação do PL mesmo com importantes setores do governo querendo aprová-lo. O setor patronal coloca com grande prioridade na agenda legislativa a aprovação desta lei, a possibilidade de usar a terceirização de uma forma mais ampla, tanto que a CNI e a CNA colocam destaque a este tema. Há uma disputa em torna da regulamentação da terceirização, que nos anos anteriores se conseguiu segurá-la. Na minha opinião, o projeto do PL4330 volta com força no período atual por conta de uma motivação política.

É claro que o ministro da fazenda Joaquim Levy tem interesse em sua concepção de mundo (neoliberal), e outros setores do governo têm interesses, mas o projeto volta em pauta hoje por uma motivação política, com a fragilização do governo Dilma e sua incapacidade de conseguir estabelecer uma certa agenda política. Dentro dos escândalos de corrupção, Eduardo Cunha vai estabelecer uma agenda de votações no Congresso, para desviar o foco das denúncias de corrupção em que ele está inserido. Uma agenda extremamente conservadora, com a terceirização que é uma demanda dos setores patronais, e também com a agenda da redução da maioridade penal, apoiada por setores conservadores da sociedade. Num cenário crescente de deterioração da governabilidade do governo, aqui se abre um pacto para uma agenda conservadora, pois temos hoje um Congresso extremamente conservador, mais conservador do que nos anos anteriores.

Infelizmente, hoje temos um cenário em que a chance deste projeto de lei ser aprovado é muito grande, com a aprovação das bancadas ruralista, empresarial, a bancada da bola e a evangélica, além de uma parte do movimento sindical, o partido Solidariedade (dirigido por Paulinho da “Força Sindical”) apoiando explicitamente este projeto, faz com que a chance dele ser aprovado seja muito grande.

ED: Comente um pouco sobre as consequências para os trabalhadores do aumento da terceirização a partir da aprovação do PL 4330.

DK: Se a aprovação deste projeto ocorrer tal como está, hoje viveremos um dia de luto da classe trabalhadora. Primeiramente porque você fere de forma substantiva as proteções trabalhistas existentes na sociedade brasileira como um todo. Se este projeto for aprovado irá ampliar a capacidade da empresa de organizar a gestão de sua força de trabalho de acordo com sua necessidade, ou seja, vai buscar competitividade em cima da redução do custo do trabalho com a redução dos direitos trabalhistas.

Mas não é só isto, em segundo lugar, também, vai fragilizar as possibilidades de estruturação de políticas sociais mais amplas. Porque querendo ou não, hoje a nossa seguridade social está muito vinculada ao assalariamento, à carteira de trabalho. Mas terceirizar não significa ficar sem carteira de trabalho, certo? Porém parte do que se busca com a terceirização é aumentar a contratação como pessoa jurídica, o chamado P.J. Este é um fenômeno presente principalmente nos setores mais organizados da economia, mas que também pode ser visto em outros setores. Vai possibilitar que as empresas possam contratar parte de seus funcionários que não terão direitos trabalhistas e acesso à seguridade social.

Uma outra questão é que, da forma como está escrito este projeto, com o modo substitutivo, proposta elaborada por Arthur Maia (SD), é que se vai fragilizar a capacidade de resistência coletiva dos trabalhadores. Ou seja, por exemplo, se uma categoria faz uma greve e conquista algo muito substantivo, principalmente no setor de serviços, a empresa pode afirmar que não irá mais contratar diretamente, passando a contratar uma prestadora de serviços. Num contexto como este, aumenta imensamente o poder do capital sobre o trabalho. As empresas podem usar a terceirização para burlar o que uma categoria conquistou como direito, e ao fazer isto, você quebra a solidariedade entre os trabalhadores, dividindo a categoria entre empregados principais e os terceirizados.

E por último, mas não menos importante, a terceirização é sinônimo de precarização, como vários estudos mostram. Porque a lógica empresarial é ter maior controle sobre a gestão do processo de produção e baratear o custo do trabalho em cima dos trabalhadores, reduzindo direitos, ampliando a jornada, ou fazendo uma situação em que ele gaste menos e deixe os trabalhadores numa condição mais miserável para atender aos objetivos de lucros da empresa.

O substantivo nesta questão é abrir a possibilidade jurídica de contratar um PJ que é um “empregado dele mesmo”. Quando a empresa faz isso, ela visa ter o controle sobre o processo de acumulação, de modo que a terceirizada não tem autonomia de como ela vai fornecer seus serviços para a empresa principal. A terceirização é um mecanismo para que a empresa faça os ajustes que forem necessários. Não é só pagar o salário mínimo registrando em carteira, as condições de trabalho continuam ruins. Por exemplo, com a terceirização temos a diferenciação entre os trabalhadores, com efetivos trabalhando com uma jornada de 6 horas e o terceirizado com 8 horas diárias e salários e direitos trabalhistas reduzidos, como já se vê no setor bancário.

A terceirização também tem impactos no aumento dos acidentes de trabalho, pois o terceirizado está submetido a maiores jornadas de trabalho, menor remuneração, menor preparação para o exercício da atividade profissional, maior rotatividade. Não há perspectiva de carreira profissional numa terceirizada e isto, é claro, leva a uma pressão muito maior. Obviamente, isto tem consequências na exposição ao risco do trabalhador. Numa empresa terceirizada não há espaço para treinamentos e qualificação para evitar o risco, pois tudo é rápido, com baixo custo e baixos salários. Há um efeito muito negativo, deletério, sobre a vida dos trabalhadores.

ED: Em sua opinião, qual deveria ser a resposta dos trabalhadores, da esquerda, dos movimentos sociais, para poder impedir o avanço da precarização e da terceirização do trabalho?

DK: Acho que temos um embate. Hoje será um dia de luto, caso seja aprovado o PL. Nós temos um Congresso muito conservador. Acho que temos de ter uma junção de todas as forças que veem o perigo da aprovação do projeto 4330 e somar no sentido de fazer uma resistência, mostrando aos trabalhadores os efeitos negativos desta lei. Teremos que conseguir convencer, num ambiente político não muito favorável e com a ascensão de forças a direita, dos perigos colocados com a aprovação deste projeto. Temos sentido, porém, no período recente, uma mobilização maior dos trabalhadores com o aumento no número de greves. Vejam, por exemplo, a greve dos professores do Paraná e da rede pública do estado de SP. Temos de impulsionar este processo de mobilização para resistir, mas nossa mobilização tem que impedir que este projeto seja efetivado, porque depois de efetivado é mais difícil o embate.

A terceirização, é claro, afeta de forma diferenciada os vários setores da economia, mas o que temos de ter em mente é que está em jogo a sobrevivência dos direitos trabalhistas e da proteção social. Teremos um efeito devastador muito grande sobre as perspectivas de assegurar a própria estruturação da sociedade. O que tem de ser feito é aproveitar este movimento de crescimento das mobilizações sociais e colocar a terceirização como aspecto central da agenda do movimento trabalhista e social brasileiro. Esta é sim uma questão estratégica fundamental: não permitir que este projeto seja efetivado. A única forma de resistir é mostrar para o conjunto da sociedade os efeitos deletérios desta lei, assim teremos visibilidade e conseguiremos resistir. Vamos ter que ir para o embate, para a luta, não tem jeito.




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