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MINERAÇÃO | Vale fecha siderúrgica em cidade baiana e deixa contaminação de Manganês como herança

Região de Cotegipe, distrito da cidade baiana de Simões Filho, localizada na região metropolitana de Salvador, tem problemas há décadas com a fuligem vinda da siderúrgica Vale Manganês, que causa problemas respiratórios e neurológicos na população.

quinta-feira 1º de outubro de 2020 | Edição do dia

A siderúrgica de Simões Filho transformava Manganês em ligas (combinações com outros elementos como o ferro), como subproduto deste processo era produzido fumaça e poeira pretas. Este pó tem “gosto de remédio” e impregna no chão das casas, nas roupas e na comida dos moradores, condensando em uma camada pegajosa nos objetos. Nos corpos, os resultados são tosse, falta de ar, náusea, e crianças internadas com crise alérgica e pneumonia, além de registros de problemas neurológicos e déficit intelectual, que ocorrem principalmente em crianças.

Angélica, moradora de Cotagipe, mostra o que extraiu varrendo sua casa. Foto: Carta Capital

No dia 14 de setembro a Vale anunciou que a Empresa de Simões Filho seria fechada até o final do ano, não por conta da saúde da população da região ou danos ambientais, mas sim por “falta de competitividade” da empresa. Com a usina fechando, cessa também o lançamento de partículas de manganês na atmosfera, porém o estrago já feito continuará presente na vida dos moradores de Cotegipe e nos arredores da região.

Esta siderúrgica tem um histórico de contaminação de longa data em distritos da cidade. Em 1999, a Vale (que neste mesmo ano passou a ter o controle acionário majoritário da siderúrgica, anteriormente chamada Sibra) assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público da Bahia e a Prefeitura de Simões Filho, no qual se comprometia a destinar verbas para compensar os "danos ambientais irrecuperáveis provocados pela empresa ao longo de 38 anos de funcionamento".

O estudo encomendado pelo MP da Bahia à época confirmou que a poeira tóxica da siderúrgica era tóxica não apenas para o ar e o solo da região, mas também os moradores.

Foi detectado "um alto nível de manganês na população no entorno da fábrica", registrando a preocupação de que aquelas pessoas sofriam de problemas respiratórios e podiam ter problemas neurológicos no futuro. Esta suspeita foi confirmada por pesquisas coordenadas pelo professor Menezes Filho com a população de Cotegipe ao longo dos últimos 10 anos. A concentração de Manganês no cabelo da população era 50 vezes maior em relação aos valores de referência, o maior e mais cruel problema, é q esta substância fica alojada no cérebro e é muito grave e irreversível.

Questionada pela Repórter Brasil, a Vale afirmou que que contratou uma consultoria externa, mais especificamente de uma empresa chamada Veredas, que teria identificado que a população de Simões Filho “não apresenta um aumento significativo no número de doenças respiratórias e neurológicas em relação à população geral da Bahia." Afirmando que, ao contrário, a saúde da população estava comprometida por conta do amianto presente nas telhas das casas.

Um parecer feito pela Faculdade de Medicina da UFBA, a pedido da Promotoria de Simões Filho, fez duras críticas ao estudo da Vereda, confirmando que as doenças tinham a ver com os resíduos de manganês presentes na população, e que a afirmação sobre os problemas respiratórios recorrentes na população ter a ver com o amianto, era falso e não tinha base científica.

O TAC de 1999 previa que a Vale custeasse a construção de 200 casas populares, uma escola, uma quadra e a plantação de árvores ao custo de R$ 1,5 milhão (cerca de R$ 2,9 milhões atualmente, corrigidos pela inflação) —tudo em terrenos doados pela Prefeitura, que também ficaria responsável pela infraestrutura do local. Além disso, a empresa deveria doar mensalmente durante três anos, um valor para uma fundação para questões ambientais, totalizando R$ 1,2 milhão (cerca de R$ 3,8 milhões atualmente).

A Vale afirma que pagou todo o valor devido e que "em agosto de 2019 o Ministério Público da Bahia protocolou uma petição comunicando que a Vale Manganês atendeu a todas as cláusulas estabelecidas no TAC e solicitou o arquivamento do processo." Porém, boa parte das casas foi, de fato, construída em outros bairros de Simões Filho. Já as de Cotegipe começaram a ser erguidas, mas depois tiveram de ser demolidas porque estavam em um terreno de propriedade particular — e não houve mais verba para reconstruí-las.

Muitas famílias da região vivem da produção da carimã, uma farinha derivada da mandioca. Sua jornada normalmente vai das 7h às 20h, com rendimentos entre R$ 20 e R$ 25 por dia.

Assim como nos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho, que eram tragédias anunciadas quando ocorreram, o caso de Cotegipe é mais um exemplo de como a sede de lucro da Vale, privatizada em 1997 no governo FHC e mantida privada por todos os governos posteriores, não tem limites, passando por cima da vida de milhares, debilitando a saúde dos moradores da região e indo embora quando seu lucro passa a ser menor, deixando apenas doenças, destruição ambiental e desemprego como herança para a população local.

Os trabalhadores e o povo Cotegipanos, no entanto, não precisariam depender dessas decisões da empresa, guiada pela sede de lucro de seus acionistas, se fossem eles mesmos a controlarem a Vale. Nessa cidade, em Mariana, Brumadinho e em todos os lugares onde a Vale explora a natureza e a força de trabalho da população, a mineração deve ser gerida pelos trabalhadores, com o controle de representantes de moradores atingidos, ambientalistas, cientistas de diversas áreas, advogados populares, etc. Apenas assim é possível transformar o modelo predatório de exploração da natureza usado hoje, que causa doenças e mortes por "acidentes de trabalho" como os rompimentos de barragens, garantindo a subsistência da população.

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