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Uma introdução ao pensamento de Vigotski sobre psicologia e marxismo

Mafê Macêdo

Uma introdução ao pensamento de Vigotski sobre psicologia e marxismo

Mafê Macêdo

Lev Semionovitch Vigotski (1896-1934) foi um autor e pesquisador bielo-russo que desenvolveu importantíssimos trabalhos nas áreas da psicologia e da pedagogia. Apesar de ter morrido jovem, vítima da tuberculose, Vigotski construiu, nas palavras de Zoia Prestes e Elizabeth Tunes, uma “fecunda teoria para compreender o desenvolvimento da consciência humana, vigente até hoje. Destaca-se, em seus escritos, sobretudo o caráter social deste processo, pois leva em conta além das características individuais todo o contexto histórico e cultural vivenciado pela pessoa.”

Em um dos cadernos pessoais de anotações de Vigotski, foi encontrada a seguinte nota:

“Uma viagem é uma “viagem sobre si mesmo.” (...) Em essência, a Rússia é o primeiro país do mundo. A revolução é a nossa causa suprema. Nesta sala apenas uma pessoa conhece o segredo da verdadeira educação dos surdos mudos. E essa pessoa sou eu. Não porque eu sou mais educado do que os outros, mas porque fui enviado pela Rússia e falo em nome da revolução.” [1]

Essa proclamada identificação de Vigotski com a revolução e os reflexos disso em sua psicologia e na psicologia do seu tempo são fundamentais para a compreensão, através do materialismo histórico-dialético, de como a psicologia é resultante de um processo histórico em que as condições para o seu surgimento, mudanças e desenvolvimento, são paulatinamente gestadas.

Vigotski indicava que essa compreensão deveria se relacionar com:

1 - O substrato sociocultural da época
2 - As leis e condições gerais do desenvolvimento científico
3 - As exigências objetivas que a natureza dos fenômenos objetos de estudo coloca para o conhecimento científico no estágio atual da investigação. Ou seja, com as exigências da realidade objetiva que a ciência em questão estuda. [2]

Nesse sentido, em Problemas da Defectologia, Vigotski diz:

“Assim como, na esfera da história, não entendemos a fundo a essência do regime capitalista se o tomarmos estaticamente, fora da tendência do seu desenvolvimento, fora de sua relação necessária com o regime futuro, que está amadurecendo em suas entranhas, na esfera da psicologia, jamais compreenderemos a fundo a personalidade humana se a analisarmos estaticamente como uma soma de manifestações, condutas etc., sem o projeto de vida único dessa personalidade, sem sua linha dominante, que transforma a história de vida do ser humano de uma série de episódios desconexos e fragmentados em um processo biográfico único e coerente.”

Historicamente, a questão da consciência é respondida a partir de duas formas: a materialista e a idealista. A primeira afirma que o ser é anterior e primário ao pensar. Já a segunda, garante o contrário, argumentando que o mundo é uma consequência do pensamento, consciência ou ideia. Já na Rússia pré-revolucionária existia uma divisão marcada nesse sentido, em que os materialistas eram vistos como revolucionários e os idealistas como reformistas. Os filósofos soviéticos e os dirigentes da União Soviética, eram unânimes ao defender o ponto de vista materialista, seguindo os preceitos do marxismo.

Entretanto, Vigotski afirma que “como na própria Rússia as ideias ocidentais tinham guarida, mesmo sob o norte do materialismo histórico-dialético, fazia-se uma psicologia idealista” (apud BARROCO, 2007, p.199). Nos primeiros anos pós-revolução ainda não havia ficado claro para os psicólogos a necessidade de uma psicologia não idealista.

E nesse contexto, Vigotski deixa claro em palestras e publicações que para ele nenhuma das escolas de psicologia existentes fornecia as bases firmes necessárias para o estabelecimento de uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos. Para falar dessa situação, ele usava com frequência o termo “crise na psicologia”, impondo-se a tarefa de formular uma síntese das concepções antagônicas em bases completamente novas.

O pensador enxergou no materialismo histórico-dialético a solução dos paradoxos científicos fundamentais com os quais se defrontavam os seus contemporâneos. Isso se deu através da consideração do caráter processual dos fenômenos, que estão sempre em desenvolvimento e passando por mudanças qualitativas; da consequente importância de se estudar as funções psicológicas superiores as colocando em movimento; da historicidade como produtora de contradições; e da dimensão histórica dos fenômenos psicológicos.

Vigotski repudiava os pensadores soviéticos de sua época que tentavam fazer uma “colcha de retalhos” de inúmeras citações marxistas, para se afirmarem como tal. Ele dizia que o que queria era “uma vez tendo aprendido a totalidade do método de Marx, saber de que modo a ciência tem que ser elaborada para abordar o estudo da mente.

(...)

Para criar essa teoria-método de uma maneira científica de aceitação geral, é necessário descobrir a essência dessa determinada área de fenômenos, as leis que regulam as suas mudanças, suas características qualitativas e quantitativas, além de suas causas. É necessário, ainda, formular as categorias e os conceitos que lhes são especificamente relevantes - ou seja, em outras palavras, criar o seu próprio Capital.

O Capital está escrito de acordo com o seguinte método: Marx analisa uma “única” célula viva da sociedade capitalista - por exemplo, a natureza do valor. Dentro dessa célula, ele descobre a estrutura de todo o sistema e de todas as suas instituições econômicas. Ele diz que, para um leigo, essa análise poderia parecer não mais do que um obscuro emaranhado de detalhes sutis; no entanto, eles são exatamente aqueles absolutamente necessários à “microanatomia”. Alguém que pudesse descobrir qual é a célula “psicológica” - o mecanismo produtor de uma única resposta que seja - teria, portanto, encontrado a chave para a psicologia como um todo.” (De cadernos não publicados)

Como pode-se ver, o materialismo é base fundamental do pensamento vigotskiano e no contexto de produção do autor, os primeiros anos da URSS, se evidenciava para ele que: “Na formação da sociedade socialista, há de se considerar o modo como os bens materiais são produzidos e distribuídos, pois aí está, como uma das decorrências, o modo de produção dos sentimentos e emoções.”

A construção dessa nova sociedade se ligava a demandas públicas como a construção de “novos homens”, ao uso prático da psicologia para melhorar as condições de trabalho e ao estudo da realidade dos filhos dos trabalhadores. Objetivos muito diferente dos que tradicionalmente conhecemos pela história da psicologia, que nos EUA e na Europa nasceu visando o aumento da produtividade nas fábricas, a individualização de problemas com raízes sociais e a manutenção de modos de sofrer e desejar a serviço do capitalismo.

É muito inspirador e desafiador entender o impacto do trabalho de Vigotski atualmente, o que comprova o vigor e intensidade de suas ideias ao longo do tempo. Em um mundo com severas crises e guerras, o legado do autor se faz um instrumento poderoso contra a exploração capitalista e todos os tipos de opressão, nos provando que outra psicologia, outra ciência e outro mundo são, não apenas possíveis, mas necessários e desejáveis.


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FOOTNOTES

[1(Vigotski apud van der Veer e Zavershneva (2011, p.466)

[2(Vigotski, 1927/2004: 219)
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Mafê Macêdo

Psicóloga e mestranda em Psicologia Social na UFMG
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