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Uma ilha para enterrar os pobres: as valas comuns dos EUA em meio à pandemia

Felix Melita

Uma ilha para enterrar os pobres: as valas comuns dos EUA em meio à pandemia

Felix Melita

As valas comuns de Heart Island evidenciam cruamente o que o sistema tem a oferecer aos mais precarizado, pobres e trabalhadores em tempos de pandemia. O capitalismo, com sede na Casa Branca, garantiu que o vírus discrimine entre pobres e ricos.

As valas comuns nos EUA: a desigualdade empilha caixões

Muito foi dito que a COVID-19 não discrimina entre ricos e pobres, por tratar-se de um vírus altamente contagioso. E é verdade; o vírus, por si mesmo, não faz distinção. Contudo, as estatísticas de mortalidade apontas outra coisa.

É aqui que as taxas diárias de aumento de contágios e números de mortes surpreendem todos os dias na imprensa, e cada atualização de dados é respondida com um "breaking News”. Porém, a surpresa – e o espanto – chegam novamente dos EUA, com o caso de Heart Island, ao tornar-se público o caso da escavação de valas comuns para enterrar pessoas em situação de rua, imigrantes, latinos, negros e setores mais precários e empobrecidos que não podem arcar com os custos de um necrotério, um funeral, ou mesmo um enterro.

A imagem de um buraco cavado com uma retroescavadeira em uma ilha abandonada próxima ao Bronx, em Nova York é o cartão postal que adianta o tom de desigualdade com o que será enfrentada a crise sanitária, que já contava, no início do mês (09/04) com 159,937 infectados e mais de 7.000 mortos.

Agora, são fileiras de caixões sem nome, que formam uma imagem viva dessa precariedade, em que se estima que a maioria dos enterrados corresponde a negros, imigrantes, latinos e pessoas em situação de rua. Isto é, não só uma discriminação étnico-racial, mas também um retrato das condições das classes sociais mais precárias, como a classe trabalhadora norte americana

É nesse sentido que o periódico La Vanguardia assinala que:

Passou de 25 pessoas enterradas por semana para 120, segundo dados oficiais. Duas valas foram adicionadas e os enterros passaram a ser realizados cinco vezes por semana, quando antes era apenas uma. [1]

Trata-se de uma situação alarmante. Em razão da política de Donald Trump, de subestimar completamente a COVID-19, já se projetam 60,000 mortes. Destas mortes, é previsto que a maioria corresponda a negros, latinos e os mais pobres. Só no que diz respeito ao Estado de Chicago, os negros representam 70% das mortes, quando não passam de 30% da população [2]. Considere, ainda, que ““um relatório preliminar indica que 34% dos 3.602 mortos da covid-19 em Nova York são latinos.” [3]. Isto é, trata-se de uma política malthusiana por parte do governo Trump, ao estabelecer medidas completamente insuficientes, para que os custos destas sejam pagos com as vidas dos mais pobres.

Estes enterros em valas comuns chegaram a um nível tão alto que já não são os detentos da prisão de Rikers Island – sujeitos a trabalhos escravos – mais empreiteiros contratados pelo governo americano a tarefa de cavas as valas enormes, para empilhar os corpos dos indigentes.

Frente a essa situação, o prefeito da cidade de Nova York, Bill de Blasio, alegando que os necrotérios não podem acompanhar, afirmou que “obviamente, o lugar que usamos, historicamente, é Heart Island [4]

Trata-se de um território esquecido, destinado àqueles que não cumprem com os cânones do “sonho americano” e o slogan de “Make America Great Again”. Um lugar que tem sido utilizado ao longo dos últimos 150 anos como um cemitério massivo de “ninguéns”, como os chamava o falecido Eduardo Galeano.

Um cemitério para pobres e esquecidos: exemplo de dois mundos para a crise

Hart Island tem sido, historicamente, um centro de exclusão social. Em 1985, foi utilizada como centro de sepultamento de pessoas com HIV, onde 17 pessoas foram enterradas, pois nenhuma funerária aceitou recebê-los. Em 1905, foi um reformatório para jovens, assim como um acampamento militar durante a segunda guerra. No século XIX, foi a seção feminina de um hospital psiquiátrico da Nova York, onde, segundo informações de 1880, não era um espaço para tratamento, mas para “albergar” casos crônicos, isto é, um campo de concentração.

É esta a história de Hart Island como campo de concentração onde jovens "rebeldes", mulheres "loucas", pessoas vítimas do HIV, viciados e mortos que por não terem dinheiro nos bolsos foram condenados ao esquecimento. Nos últimos 150 anos, foram encontrados mais de um milhão de pessoas que foram enterradas na ilha. As valas comuns em meio à pandemia de COVID-19 só vem aumentar os ritmos em que se enterram os pobres, evidenciando a lógica histórica do sistema no qual há uma saúde para os ricos e outra para os pobres, nas filas de desemprego.

Com cifras que chegam aos 16,8 milhões de desempregados nas últimas três semanas, com a exponencialidade com a qual aumentam os casos de contágios e mortes por COVID-19 e com a política criminosa de Donald Trump – que agora começa a anunciar abertura dos mercados, quando isso implica maiores contágios – se espera que as valas coletivas de Hart Island aumentem cada vez mais. No dia de hoje, estima-se que os EUA tenham 714.215 infectados e 37.555 mortes.

O caso de Hart Island é hoje o cartão postal da irracionalidade do sistema atual. Isto é, trata-se de um modelo econômico a nível mundial que pode assegurar viagens globais – que quase duplicaram (de 800 milhões a 1.4 bilhão) entre 2010 e 2014 – mas condena os pobres a valas comuns.

É o que mostra a lógica que atravessa esse sistema mundialmente, em todos os momentos. É uma saúde pública completamente desmantelada como um edifício do pós-guerra, para o qual as pessoas mais pobres e as massas trabalhadoras são totalmente abertas. Assim, para evitar a propagação de um modelo para a "Ilha Hart" e a extensão dessa fórmula ianque de se espalhar como uma praga capitalista, é necessário organizar os setores privados, relegados e esquecidos, a grande maioria explorada, oprimida, contra toda barbárie capitalista.


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FOOTNOTES

[1Peiro, Francesc (10 de abril de 2020) Fosas comunes en Nueva York por la crisis del coronavirus. La Vanguardia. Recuperado el 18 de abril de 2020 desde: https://www.lavanguardia.com/internacional/20200410/48406794088/nueva-york-fosas-comunes-coronavirus-estados-unidos-muertes.html

[2BBC (10 de abril de 2020). Coronavirus: New York ramps up mass burials amid outbreak. BBC. Recuperado el 18 de abril de 2020 desde: https://www.bbc.com/news/world-us-canada-52241221

[3El País (9 de abril de 2020) La fosa común para muertos con coronavirus en Nueva York, en imágenes. El País. Recuperado el 18 de abril de 2020 desde: https://elpais.com/elpais/2020/04/09/album/1586457256_299548.html#foto_gal_1

[4BBC (10 de abril de 2020). Coronavirus: New York ramps up mass burials amid outbreak. BBC. Recuperado el 18 de abril de 2020 desde: https://www.bbc.com/news/world-us-canada-52241221
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Felix Melita

Estudante de Psicologia da Universidade de Antofagasta
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