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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER | Uma ficção real e a fria reprodução da cultura do estupro

Nos jornais e redes sociais ganhou grande repercussão o vídeo com o relato de Bertolucci sobre o abuso sexual que planejou contra a atriz Maria Shneider em uma das cenas de seu famoso filme O último tango em Paris. Esse escândalo também marca, mais uma vez, a reprodução e naturalização da cultura do estupro contra nós mulheres.

terça-feira 6 de dezembro de 2016 | Edição do dia

O vídeo foi divulgado pelo portal espanhol El Mundo de Alycia e ultrapassou um milhão e trezentas mil de visualizações no Youtube. Ele mostra o cineasta italiano em uma entrevista falando sobre a cena da “manteiga”, como planejou a situação do estupro junto ao ator Marlon Brando, sem o conhecimento da atriz, e admitindo que o fez porque queria a “reação de Maria, não como atriz, mas como menina”, porque queria que ela “reagisse ao ato de humilhação, sentisse seus gritos”. Bertolucci acrescentou, ainda, que, apesar de sentir-se “culpado”, não se arrepende, justificando que “para fazer filmes, e conseguir algo, às vezes, é necessário ser completamente frio”.

Maria Shneider havia denunciado à época do filme, nos anos 70, e posteriormente, como registrado em uma entrevista que deu ao jornal britânico Dayli Mail em 2007. Na entrevista, Maria fala sobre como sentiu-se “humilhada e, para ser honesta, um pouco estuprada por Marlon e também por Bertolucci”, também disse que “mesmo que o que Marlon estava fazendo não era real” suas lágrimas eram de verdade. Ainda nessa entrevista diz que sentia-se tratada como uma sex simbol e não como atriz.

No Twitter, nestes últimos dias, vários artistas do mundo do cinema hollywoodiano se expressaram repudiando a confissão de Bertolucci e a conivência ativa de Brando. A declaração da diretora norte-americana Ava DuVernay foi “Indesculpável. Como diretora eu mal posso compreender isso. Como mulher fico horrorizada, enojada e enfurecida com isso.”

Esse “escândalo” do cinema voltou à tona pela re-publicação deste vídeo de 2013, como parte das discussões acerca do 25 de novembro, dia internacional contra a violência às mulheres, e chocou por mostrar que não se tratou de uma ficção. Sobretudo chocou pela “frieza” de Bertolucci ao admitir que planejou o estupro de Maria, com reivindicação aberta no vídeo, como se o terreno da arte fosse desligado da vida e fosse justificável tamanha violação humana. A intensa reação de importantes artistas, mulheres e diversos setores na Internet também escancara como este é um assunto cotidiano: A cultura do estupro condena dia a dia nós mulheres à situações de violência física e psicológica. As insistentes denúncias feitas por Maria antes da sua morte, em 2011, bem como seu histórico de depressão são mais uma ilustração dessa realidade cruel.

A reprodução de uma cultura na qual nós mulheres somos reduzidas a objeto sexual e temos nossas vidas subjugadas se expressa em cada ato de violência machista, em cada abuso que deve ser combatido, no entanto ela tem sua razão de existência ligada profundamente no sistema opressor e explorador de organização social que é o capitalismo.

Nós mulheres enfrentamos todos os dias em nossas famílias, escolas, universidades e locais de trabalho a violência machista e convivemos com sua brutal ideologia, em suas mais distintas formas, e a estrutura social que nos cerca nunca nos estimulará a nos rebelarmos. Hoje vemos um amplo auditório de debates, nos encorajamos a ir às ruas com nossas reivindicações, no Brasil e no mundo, inclusive com importantes demonstrações de força, como foi o ato de centenas de milhares de mulheres contra o feminicídio, por “Ni una a menos” na Argentina. Não atoa até as grandes empresas e os poderosos assumem discursos "feministas", os mesmos defensores da precarização e inferiorização do trabalho feminino, além de reprodutores de padrões estéticos e ideologias que nos objetificam e nos fazem adoecer. Por isso cada enfrentamento cotidiano nosso contra a violência machista deve ser ligado a um combate estratégico contra o capitalismo e seus representantes políticos.

Se tocam uma, organizaremos milhares!




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