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Estados Unidos | Um sindicalismo que supera as demandas trabalhistas: como a "Geração U" constrói solidariedade de classe

As e os trabalhadores que fazem parte da nova onda de sindicalização nos Estados Unidos têm clareza de que as diversas opressões sociais que sofrem todos os dias têm relação direta com a exploração a que são submetidos por serem trabalhadores. Dessa união nasce a nova força operária no coração do imperialismo.

terça-feira 3 de maio de 2022 | Edição do dia

Imagem: Alexi Rosenfeld/Getty

Os Estados Unidos estão experimentando a maior onda de sindicalização em décadas. Desde pequenos escritórios da companhia telefônica Verizon até armazéns da Amazon estão se sindicalizando. É o resultado claro de décadas de ataques neoliberais à classe trabalhadora e das consequências da pandemia de Covid-19. Os trabalhadores estão começando a perceber que são essenciais e que seus patrões não.

No entanto, existem grandes diferenças entre a organização sindical hoje e a forma como os sindicatos tradicionalmente operam nos EUA. Como já debatemos no Left Voice, uma tendência importante nessa onda de luta é o "sindicalismo de base". Em outras palavras, os trabalhadores de base estão cada vez mais dispostos a lutar contra as burocracias sindicais, que colaboram com os patrões e o Partido Democrata, e continuam a controlar grande parte do movimento operário no país. Com essa nova consciência, os trabalhadores rejeitaram alguns acordos provisórios intermediados pela burocracia e, na Amazon, formaram seu próprio sindicato independente. O sindicalismo de base é a principal característica desse momento. No entanto, há outra tendência importante nessa nova onda de sindicalismo, o chamado "sindicalismo por justiça social".

O termo não é novo. Na verdade, foi usado por burocratas sindicais para conter tentativas de luta por justiça social dentro do movimento operário em vários momentos históricos diferentes. A ideia foi utilizada pelo "novo" sindicalismo dos anos 1990 e 2000 como forma de contornar a verdadeira luta sindical. A ideia era que os trabalhadores podiam se mobilizar com as ONGs em vez de lutar e se organizar em seus locais de trabalho. Então a velha ideia de sindicalismo de justiça social era fraca e vinha em grande parte de cima para baixo. Mas esta nova geração está retomando essa ideia e a radicalizando. Em vez de passivizar as bases e removê-las dos sindicatos, a nova geração está usando a mensagem de justiça social e da solidariedade de classe para construir seus sindicatos.

Isso ficou claro durante a pandemia. Enquanto alguns trabalhadores puderam ficar em casa, outros (que eram tipicamente afro-americanos e latinos) foram forçados a trabalhar em condições precárias para sustentar a economia. À medida que o número de mortos aumentava e o estado praticamente não fazia nada para cuidar dos trabalhadores, muitos começaram a ver as conexões entre a pandemia e casos mais amplos de injustiça.

O momento político que deu origem a esse surto foi definido não apenas pela pandemia, mas também pelo movimento Black Lives Matter. Com revoltas em todo o país, milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra a violência do Estado contra negros, latinos e outras minorias raciais. Esse movimento evoluiu para incluir uma discussão profunda sobre opressões especiais, outras maneiras pelas quais o capitalismo americano desprivilegia membros de diferentes comunidades como imigrantes, LGBT+, etc. Da violência policial aos ataques aos direitos trans, ficou claro para muitos que o Estado e o sistema não funcionam para ninguém além da burguesia.

Outro aspecto importante da situação política atual são os ataques sem precedentes aos direitos democráticos e especialmente aos oprimidos. Das leis que restringem o voto à efetiva ilegalização do aborto em muitos estados, passando pela guerra sem quartel que está sendo travada contra as crianças trans, estamos em um momento em que a direita avança. E enquanto tudo isso acontece, vemos uma ausência quase total de qualquer movimento nas ruas ou qualquer resistência significativa da classe trabalhadora.

Assim chegamos ao momento presente. Os trabalhadores estão cada vez mais conscientes não apenas de sua posição como trabalhadores, mas também das maneiras pelas quais os antagonismos de classe do capitalismo produzem as próprias forças que os oprimem por causa de suas identidades. A LGBTfobia, o racismo, o sexismo, a xenofobia etc. são subprodutos de um sistema que divide os trabalhadores para facilitar a exploração e a opressão. Cada vez mais, as linhas artificiais que separam questões cotidianas, como salários e condições de trabalho, e "justiça social", como combater a opressão, começam a se confundir à medida que uma nova geração entra em cena. A chamada Geração U (de union, sindicato em inglês, NdT), é cada vez mais queer, mais politizada e está ciente da necessidade de justiça racial, de gênero, ambiental e pelas deficiências. Isso se deve, em parte, ao funcionamento da maioria dos sindicatos. Normalmente, os sindicatos estão sob o controle rígido de suas burocracias, que seguem as linhas partidárias de seus aliados democratas e tentam tirar seus membros das ruas e ir às urnas. Além disso, a maioria dos sindicatos evita lutar contra opressões especiais e não vai além de declarações vazias de apoio. Isso limita o alcance do sindicato e, por extensão, o peso político da classe trabalhadora organizada como um todo. Em um momento em que vemos uma escalada de ataques contra os especialmente oprimidos, é vital que os trabalhadores entendam que temos o poder e o dever de defender a nós mesmos e nossos colegas de trabalho contra esses ataques da burguesia.

Essa nova tendência de sindicalismo de justiça social representa um movimento importante nessa direção e é o resultado de trabalhadores cada vez mais vendo as conexões entre suas próprias identidades oprimidas e seu lugar como membros explorados da classe trabalhadora. Por exemplo, os trabalhadores do armazém da Amazon em Staten Island falam explicitamente de suas origens negras, latinas e asiáticas e como eles veem a luta por melhores condições em seus locais de trabalho como parte da luta pela justiça racial. Um funcionário da Amazon falou ao Left Voice sobre como ele via ser queer como um combustível para sua luta pela sindicalização. Quando os professores de Minneapolis entraram em greve algumas semanas atrás, uma de suas principais demandas era que o distrito escolar fizesse mais para contratar e reter professores negros e latinos. A Starbucks tem um número desproporcionalmente alto de trabalhadores trans, que estão ajudando a liderar a luta por melhores condições em seus locais de trabalho.

Isso lembra algumas das ações incipientes dos trabalhadores que vimos durante as revoltas do Black Lives Matter em 2020. Desde motoristas de ônibus que se recusam a ajudar a polícia a transportar manifestantes detidos até o fechamento de portos na Costa Oeste pelo sindicato em solidariedade aos protestos, 2020 mostrou que as divisões artificiais estabelecidas entre os oprimidos e os trabalhadores estavam começando a se romper.Essa nova onda de organização sindical também é uma importante resposta às políticas identitárias que definiram grande parte do neoliberalismo ao separar a luta de classes das lutas parciais de cada movimento social, fragmentando o movimento de acordo com raça, gênero, identidade etc. Durante anos nos disseram que a identidade era o motor das lutas por melhorias. No entanto, isso apenas garantiu que um setor mais acomodado, seja do establishment político ou econômico, dentro desses grupos identitários pudesse influenciar os diferentes movimentos dos oprimidos, separando-os da classe trabalhadora em geral. Agora, os trabalhadores veem cada vez mais claramente que classe, muito mais que identidade, nos une e que, para lutar pela libertação de nossas identidades, devemos repudiar qualquer entrada em nossos movimentos por parte dos nossos inimigos de classe.

À medida que a atual onda de sindicalização varre os Estados Unidos e suas indústrias, será importante continuar a desenvolver uma verdadeira consciência de classe em todas as divisões de identidade impostas à classe trabalhadora pelo capitalismo. Levar essa consciência à sua conclusão natural pode ser explosivo, pois significa que a única maneira de abolir as opressões do capitalismo é a classe trabalhadora lutar, ganhando conquistas para si e para as diversas comunidades e identidades de seus membros, contra os patrões que querem dividi-la. Há, é claro, o perigo de cooptação, pois as burocracias vão querer canalizar essa nova onda de energia do movimento operário para o sindicalismo reformista, que fala muito, mas luta pouco no nível de classe. Para resistir a isso, devemos reconhecer que, como as divisões primárias na sociedade capitalista são divisões de classe e todas as outras divisões se multiplicam a partir daí, a classe trabalhadora só pode confiar em si mesma. Só nós podemos nos libertar. A libertação não será alcançada unindo-se aos “aliados” burgueses ou seus cúmplices nas burocracias dos sindicatos e movimentos sociais ou ONGs. A justiça social só será conquistada com a força unificada da classe trabalhadora.

Se vamos conquistar uma sociedade mais justa e igualitária, será através dos esforços organizados da classe trabalhadora e dos oprimidos, trabalhando juntos contra nossos opressores e exploradores. Vital para esse processo é recuperar nossos sindicatos e transformá-los nas armas mais fortes à nossa disposição. Isso não será feito apenas com o sindicalismo pela justiça social, mas também com o sindicalismo classista: o processo de reorientar os sindicatos para lutarem por toda a classe trabalhadora. Os trabalhadores estão começando a entender a interconexão de nossas lutas, e todos devemos fazer o que pudermos para seguir aprofundando e radicalizando essa consciência.




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