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CONGRESSO DO MRT | Um mês do governo Bolsonaro: expectativas, crises e tendências em curso

O governo Bolsonaro está em seus primeiros momentos, e muitas questões estão ainda por se definir, mas se delineiam tendências que nós do MRT buscamos fazer uma análise marxista, no marco preparatório do IV Congresso do Movimento Revolucionário de Trabalhadores que se realizará proximamente.

quinta-feira 14 de fevereiro de 2019 | Edição do dia

Se em qualquer novo governo é normal que haja um período de “lua de mel”, é natural que um governo que conseguiu se apresentar como algo “novo” para amplos setores das massas, “contra a velha política”, que para diversos setores seja ainda cedo para superar as ilusões e enganos que Bolsonaro conseguiu condensar no marco de toda a manipulação eleitoral e a prisão de Lula, como aprofundamento do golpe institucional.

Outros artigos que abrem o período pré-Congresso do MRT

Veja aqui: Uma batalha decisiva da correlação de forças nacional: a reforma da previdência

Veja também: O bonapartismo judiciário e a Lava Jato de Sérgio Moro no Executivo

Foi isso que se expressou em algumas pesquisas eleitorais que surgiram antes de se iniciarem as crises no governo, tanto da imprensa agora “oposicionista” Folha de SP, quanto de setores ligados ao governo como a XP investimentos. As pesquisas indicavam que na consciência de amplos setores das massas, inclusive entre parcelas que não votaram em Bolsonaro, existe expectativa de que a economia vá melhorar e disposição de “dar um tempo” ao governo.

Particularmente entre os capitalistas, os ricos e as classes médias mais enriquecidas, nos grandes centros urbanos e no campo, satisfeitos com a eleição de Bolsonaro, o sentimento é o de quem acabou de embarcar em uma viagem romântica de retorno à lei e à ordem, ignorando as denúncias de corrupção que envolveriam o governo Bolsonaro. Ainda que setores populares também embarcam nestas ilusões, particularmente os que pensaram ter encontrado em Bolsonaro uma tentativa de resposta à corrupção, à violência social e na defesa dos valores conservadores de amplos setores em reação ao chamado “politicamente correto”.

Ao mesmo tempo, as pesquisas seguem mostrando como Bolsonaro soube se eleger sem expressar para as massas o seu reacionário programa econômico, pois esta aparente disposição de “lua de mel” não tem a mesma expressão em relação a outros fatores, para além da pauta econômica, como por exemplo os ataques aos indígenas e parte da pauta chamada “de costumes” como o Escola Sem Partido.

Em meio à sua lua de mel com as massas, esse governo se desenvolve com muitas contradições, reflexo de um golpe institucional e de que ainda está buscando consolidar sua própria base, tanto no capital financeiro, quanto na burguesia nacional, no parlamento, nos meios de comunicação e nas próprias massas - pois sabemos que a base dura bolsonarista não representava mais do que cerca de 15% antes do ascenso meteórico que conseguiu com a facada.

Se estas já seriam contradições muito importantes para o governo, as diversas crises que se instalaram desde o início, como a do Flávio Bolsonaro e sua relação com Queiroz e milicianos, só intensificam de que não será fácil que o governo desfrute de uma “lua de mel” tranquila.

Leia também: Escândalos com Flávio Bolsonaro escancaram as contradições do governo

O governo Bolsonaro, ao lado do avanço do autoritarismo judiciário e da participação política dos militares, é a tentativa de dar uma saída pela direita para o que chamamos de “crise orgânica”, retomando o conceito do marxista italiano Antônio Gramsci, que ajuda a entender uma situação complexa como a que vivemos. Em situações como essa, surge uma crise do sistema político e da autoridade estatal, segundo Gramsci, uma crise da forma em que a burguesia exerceu a hegemonia nas últimas três décadas, sem que o movimento operário e de massas estivesse em condições de dar uma resposta.

Jornadas de Junho: centenas de milhares foram às ruas se erguendo contra diversos ataques políticos e econômicos

Junho de 2013 foi a fagulha que fez explodir uma crise do sistema político, que entrou em choque com as transformações econômicas que alteraram as condições surgidas com o boom das commodities, do crédito e dos empregos precários que elevaram as aspirações reformistas em amplos setores de massas, elementos marcantes da era lulista. Se junho fez explodir a crise do sistema político, a recessão que se iniciou no fim de 2014 fez chocar as aspirações de mais direitos sociais e democráticos que haviam ganhado as ruas, com a agenda de ataques planejada pelas classes dominantes.

O projeto econômico do lulismo, que se apoiava na estrutura herdada por FHC e pelo Plano Real, nas condições do boom das matérias primas, alimentou o agronegócio, os latifundiários e as finanças, que terminaram sendo as bases fundamentais do golpe institucional e da eleição de Bolsonaro. As alianças de governabilidade que o PT construiu na base da corrupção, fortaleceram os setores mais reacionários do centrão, evangélicos, ruralistas, que terminaram sendo os próprios artífices do golpe institucional e que também migraram em peso para Bolsonaro.

Quando na oposição, a insistência por parte do PT de uma linha meramente parlamentar foi o que permitiu que passo a passo a agenda do golpe institucional fosse se impondo e o governo Temer conseguisse se manter de pé depois da [greve geral de 28 de abril, que colocava a potencialidade de uma resistência efetiva pela esquerda contra os ataques e que poderia abrir uma crise mais profunda no governo Temer que levasse a sua derrubada.

Greve Geral do 28A: leia aqui nossas conclusões e as tarefas da esquerda revolucionária naquele momento

Essa política que nos trouxe até essa situação reacionária, que persiste agora na trégua que estão dando ao governo, é parte constitutiva e expressão da passividade das massas, o que será crucial romper para evitar uma consolidação dos fatores reacionários de um governo que caracterizamos como bonapartista de direita, mas que tem uma ala que visa avançar em elementos fascistizantes. Há ainda diversos obstáculos para isso, mas podem avançar com um eventual recrudescimento da luta de classes.

Como se expressam as múltiplas contradições já no começo do governo, ainda não se consolidou um bloco de poder coerente e homogêneo para além da tarefa comum de atacar as condições de vida das massas e a esquerda. Não se podem descartar novos giros bruscos na situação, nem considerar que a crise orgânica já se fechou pela direita, porque a correlação de forças entre as classes fundamentais, o proletariado e a burguesia, ainda não passou por suas batalhas decisivas, sendo uma delas justamente a reforma da previdência e os grandes ataques econômicos que Bolsonaro precisa passar.

Brumadinho: centenas de mortos, dez cidades atingidas e danos irreparáveis para os trabalhadores e para toda a população

Uma expressão de fenômenos que podem impactar profundamente na situação foi o crime da Vale de Brumadinho, que reabriu a ferida de Mariana e causou uma grande comoção no país e em especial em MG, gerando um ódio de massas no estado ao lucro da Vale e inclusive importantes setores questionando se a mineração pode estar nas mãos dos capitalistas e não deveriam ser controladas pelo Estado. O governo Zema terá mais dificuldade de levar à frente seus planos de privatização. O absurdo da tragédia obrigou Bolsonaro e Zema a recuarem em suas constantes denúncias das “dificuldades para os patrões” com as licenças ambientais, como se o Brasil fosse “demasiado rígido”.

Veja nossa declaração sobre Brumadinho: Pela re-estatização da Vale sob gestão dos trabalhadores e controle popular, para enfrentar a mineração predatória

Apesar de toda retorica de ataques do governo, ainda não foi implementada nenhuma medida que seja sentida por setores significativos como uma ataque a suas condições de vida. Ainda é uma interrogante como ataques frontais via reforma da previdência, via privatizações ou aplicação da reforma da previdência em setores fundamentais podem ser respondidos. O teste da GM até agora foi favorável a empresa e sua chantagem de fechar fábricas no Brasil: passaram sem resistência ataques importantes em São José dos Campos (10 dos 21 pontos, que incluem o rebaixamento do piso salarial), ainda que a mobilização pontual em Gravataí e a retirada das 21 uma propostas em troca de uma negociação para possíveis acordos fiscais com o governo de Eduardo Leite não deixa de ser uma mostra de que pode existir disposição de luta frente aos ataques mais contundentes – como seria esse plano draconiano na fábrica que recebe os mais baixos salários da GM no país.

A ativação de uma vanguarda incipiente em setores importantes como o metrô de São Paulo, e com a greve dos municipários de São Paulo, greves pontuais de rodoviários em cidades menores, também são uma mostra disso. Ao mesmo tempo, devem alertar para o perigo do isolamento da vanguarda em relação as massas, que poderia ter consequências duras na atual situação. Mais do que nunca seria preciso avançar em medidas de organização e coordenação local, regional e nacional, de todos os setores de vanguarda que se colocam contra o governo Bolsonaro.

Para entender profundamente estas contradições no marco nacional partiremos da situação internacional para analisar o país. Pois, para além de que uma análise marxista séria necessita ter este ponto de vista, os primeiros movimentos do governo Bolsonaro aprofundam este fator ao assumir uma linha “ativa” neste terreno, em seu intento de ser um verdadeiro “Trump tupiniquim”, vinculando seu destino ao imperialismo norte americano e a parte do que existe de mais reacionário na política internacional, como o Estado de Israel e seu primeiro ministro arqui reacionário Benjamin Netanyahu, e outros governos de ultra direita como os de Matteo Salvini (Itália), Viktor Orbán (Hungria) e Andrzej Duda (Polônia).

Bolsonaro e o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton

Trata-se de governos que surgem no marco internacional atravessado pelas consequencias não resolvidas da Grande Recessão de 2008, e que atuam uma espécie de “Internacional reacionária”, que declara uma “cruzada anti-globalista” e “anti-socialista”, que tem como um de seus mentores Steve Bannon e sua denominada “The Movement”, que recebe nos EUA Olavo de Carvalho e declarou recentemente Eduardo Bolsonaro como “líder ideológico” na América do Sul. Sem esse ponto de vista é impossível entender, por exemplo, o peso que Bolsonaro deu para “prestar serviço” com a “caça” a Cesare Battisti, a vinda do exército de Israel para Brumadinho e particularmente a ofensiva imperialista para forçar um golpe de Estado “clássico” contra a Venezuela.

Saiba mais: Blocos de poder e primeiras rachaduras do governo Bolsonaro

Mas também partimos do fator internacional porque essa “nova direita” coloca um enorme desafio para a esquerda, com um projeto internacional e ideológico que o reformismo vergonhosamente não é capaz de se colocar à altura, com sua perspectiva nacionalista, sindicalista e eleitoralista. Como socialistas revolucionários, estamos no “outro polo” dessa direita reacionária: vemos a batalha no Brasil como parte da batalha internacional por uma nova sociedade, que não esteja submetida à barbárie capitalista como se expressa em Brumadinho.

Só podemos construir esta batalha apostando na luta de classes, como apontam os “Coletes Amarelos” na França que, ainda que com contornos imprecisos e com um destino em disputa também pela direita, recoloca o espectro da revolução num país imperialista, como anuncia a própria burguesia francesa. Para triunfar, impedindo que fenômenos de luta como o francês sejam canalizados politicamente pela direita, está mais que claro que será necessário um partido nacional e internacional com uma estratégia e um programa para vencer, o que não tem nada a ver com a política que o PT vem levando adiante e nem mesmo do PSOL. O MRT batalha para construir no Brasil uma alternativa revolucionária como o PTS na Argentina vem se consolidando, com um partido que tem atuação parlamentar mas aposta na luta de classes e numa estratégia e programa para vencer.

"Coletes Amarelos" na França na luta contra os ataques de Macron

Uma economia internacional com potenciais crises e desenvolvimento de tensões comerciais que afetam o Brasil

Após uma débil recuperação econômica internacional, uma série de analistas renomados internacionalmente como Larry Summers, Nouriel Roubini, Paul Krugman e Joseph Stiglitz prognosticam que deve estourar uma nova recessão este ano ou em 2020. O aprofundar da crise capitalista segue agora o caminho das disputas comerciais, ao contrário da colaboração entre as potencias que se viu em 2008.

Trump foi vitorioso em suas últimas taxações contra a China – que após 12 meses voltou a importar soja dos EUA. No entanto, esta vitória aponta no sentido de colocar o mercado global em um caminho de profundo estreitamento, repleto de disputas comerciais cada vez mais violentas. A União Europeia já aponta como possibilidade taxar a importação de aço (que afetaria por exemplo Minas Gerais em peso), alegando ser necessário fazer isso para reestabelecer suas margens de lucro após as taxações da mesma mercadoria no mercado internacional pelos EUA. Os próprios EUA dão indícios de que fariam o mesmo em relação a automóveis europeus (centralmente alemães) e japoneses.

Quanto à Europa, o nacionalismo de Trump (que pode chegar ao cúmulo de definir a "importação de veículos como perigo à segurança nacional") parece buscar restabelecer a dependência comercial que os países europeus tinham frente aos EUA no pós-Primeira Guerra Mundial, sem absolutamente as mesmas condições de então. Por meio de manobras comerciais, e a pressão da economia determinante no mundo, busca alargar suas zonas de influência em detrimento de outras potências.

Com a China, o entrevero é bem mais grave do que "injustiças comerciais": trata-se de impedir que a China consiga as condições necessárias para levar adiante o plano Made in China 2025 (liderar a tecnologia de ponta em 10 indústrias avançadas) e ameaçar a preeminência tecnológica dos EUA (vide o incidente com a prisão da executiva da Huawei, principal produtora de celulares no mundo e vanguarda na tecnologia 5G de telecomunicações).

A reação em cadeia do "momento protecionista" descortina as novas relações geopolíticas que emergem entre outras potências além dos EUA e da China: o novo documento da Bundesverband der Deutschen Industrie (Federação das Indústrias Alemãs), a patronal germânica mais concentrada, que tem inúmeros negócios na China, define o gigante asiático como "competidor estratégico que utiliza todas as alavancas para ganhar supremacia tecnológica sobre seus parceiros comerciais". Em 2018, foi Trump quem definiu a China como "competidora estratégica", orientando o eixo da política externa norte-americana aos "conflitos entre as potências", e fazendo desabar os ataques tarifários.

No caso da Alemanha, a abordagem é mais suave que a dos EUA: o país tem 5000 empresas na China, e um Investimento Estrangeiro Direto de 76 bilhões de euros. As cadeias de produção alemãs são muito interligadas com as exportações à China, o que dá um caráter sui generis à relação dos dois. A Alemanha é mais dependente da China que os EUA, e no marco das surpreendentes quedas no índice de produtividade industrial da Alemanha, qualquer disputa mais feroz com o gigante asiático está descartada por Berlim. Mas é um sinal que em meio ao final da "era Merkel", a Alemanha estará envolvida em disputas geoestratégicas com a China (que tem tanta influência no Leste europeu que os alemães a acusam de querer fraturar o continente entre oriente e ocidente), o que não a deixará longe de disputas com os EUA.

Segundo o FMI, com o seguimento da disputa entre estadunidenses e chineses, estima-se uma queda de quase 2% no comércio mundial, somente neste ano. Com o estreitamento do comércio internacional as taxas de crescimento não podem subir, ao menos não de forma tendencialmente consistente. Não se apresenta internacionalmente um ambiente convidativo à esperanças de recuperação de longo alento no Brasil, ainda que recuperações econômicas parciais não estejam excluídas.

O governo Trump, ao qual Bolsonaro vincula seu destino, tem outras frentes de crise

O principal ponto de apoio da popularidade de Trump até aqui é que a economia dos EUA veio se recuperando, permitindo uma redução drástica do desemprego, além do acordo que consegue entre as alas da burguesia norte americana em desafiar o poderio chinês na guerra comercial.

Veja também: Um revés eleitoral de Trump, sem ser um grande triunfo dos Democratas

Mas, além de que este ponto de apoio na economia está sob risco, o governo enfrenta uma série de outras contradições, como se expressou na recente eleição de meio mandato, em que os Republicanos perderam a maioria da Câmara dos Representantes para o Partido Democrata, que teve uma importante votação nos grandes centros urbanos, e particularmente entre latinos, mulheres e negros.

A última crise foi o chamado “shutdown” (fechamento do governo), que Trump declarou por semanas porque os Democratas não liberavam verba para ampliar a construção do muro na fronteira com o México (é importante marcar que o muro, sem o cujo financiamento o presidente promete manter fechado o governo, já existe em parte e foi primeiramente construído pelos próprios Democratas) e Trump saiu derrotado. Outra “promessa de campanha” de Trump foi a retórica da “retirada das tropas da Síria”, que mesmo que não tenha sido levada a efeito, significou uma ruptura com o últimos dos generais no alto escalão trumpista, Jim Mattis, que já havia sido precedida pela saída de HR McMaster e John Kelly, abrindo uma crise com um dos pilares do seu bonapartismo que é justamente os militares.

Ofensiva de Trump contra imigrantes: política xenófoba e racista dos EUA enjaulou imigrantes, separando filhos de seus pais

Alguns analistas apontam que essas crises poderiam alimentar uma abertura de processo de impeachment contra Trump. Apesar de que essa ameaça já “é uma rotina”, agora os democratas tem a maioria da câmara onde se iniciaria o processo, que ainda assim todos sabem que teria enorme dificuldade para vingar, devido a que dependeria de uma traição de setores republicanos no Senado, onde estes tem maioria.

Em seu discurso anual “State of the Union” - identificado por alguns analistas como uma mostra do enfraquecimento de Trump – as marcas do intervencionismo imperialista e do anti-socialismo ficaram abertas. Trump reafirmou as diretrizes da “retomada da democracia” na Venezuela, reivindicando as medidas de sanção contra a PDVSA e bloqueios de bens que agravarão as condições de vida das massas venezuelanas. Além disso, lançou sua campanha eleitoral para 2020 contra os Democratas, colocando a ideologia trumpista em primeiro plano: depois de dizer que a Venezuela “passou de ser o país mais rico da América Latina a ser o mais pobre, pela política do socialismo”, indicou ser a única opção viável contra o “socialismo de Bernie Sanders” e dos Democratas, para que os EUA “jamais seja um país socialista”.

O que Trump tem como favorável a ele é a passividade na luta de classes, apesar de que tiveram lugar em seu governo um movimento de mulheres massivo, diversas manifestações do movimento negro, algumas lutas de juventude e, o que para nós é especialmente valioso, ampliação da simpatia pelo socialismo (num entendimento reformista) em amplos setores de massa, além do começo de um ressurgir do movimento operário, com uma onda de greve de professores que vem desde o ano passado e que agora emergiu em uma greve histórica dos professores em Los Angeles, contra um governo Democrata, depois de décadas.

A crise da Venezuela num momento agudo e seus impactos no Brasil

Povo venezuelano enfrenta crise violenta: inflação, fome e miséria

A ofensiva contra a Venezuela é parte de uma tentativa de se apoiar na vitória de Bolsonaro no Brasil para consolidar um giro à direita na América do Sul, se apoiando em Macri na Argentina, Iván Duque na Colômbia, entre outros, para reverter definitivamente a correlação de forças regional. Se é certo que os últimos anos foram um palco do fortalecimento da direita, ainda não se fecharam as contradições abertas com os levantamentos populares que houve em vários países no começo dos anos 2000 e que foram desviados pelos governos reformistas (tímidos) em vários países, dentro dos quais se inseriu o lulismo e o kirchnerismo.

Estes governos, que chamamos de pós-neoliberais, estimularam nos anos de crescimento o consumo como “superação da exclusão”, gerando um individualismo que é parte do que abriu espaço para a direita, ainda deixa elementos na consciência de setores das massas de aspirações pelas recordações do período de crescimento econômico que essa direita quer suprimir definitivamente, mas não podemos descartar que essa consciência se choque justamente no Brasil com o programa ultra liberal de Guedes/Bolsonaro.

Veja nossa declaração sobre a Venezuela aqui

Frente à catástrofe econômico-social imposta pelo autoritarismo de Nicolás Maduro, o governo de Trump nos EUA e a direita venezuelana começaram a usar o justo descontentamento com o governo para avançar no plano de forçar um golpe de Estado reacionário que não tem nada a ver com os interesses dos trabalhadores e do povo pobre da Venezuela.

Repudiamos a ingerência do imperialismo norte americano e seus aliados na Venezuela, sem prestar nenhum apoio político a Maduro, pois sabemos que a saída para a crise que assola a Venezuela com a miséria e um governo crescentemente autoritário está longe de poder ser através do algoz imperialista, Bolsonaro e cia, e passa pela mobilização independente dos trabalhadores com um plano de emergência para que os capitalistas paguem pela crise

O Estado de Israel e o sionismo internacional como fatores que vem ganhando relevância no Brasil

Que o Estado de Israel, historicamente e particularmente dirigida por Benjamin Netahnyahu, é um polo da extrema direita internacional e um fator importante da geopolítica internacional para todos os direitistas, não é nenhuma novidade, mas com Bolsonaro apostando em ser um ator geopolítico da direita internacional e a relação que o sionismo estabeleceu com as Igrejas Evangélicas (em princípio nos EUA, mas com a implantação destas igrejas no Brasil, aqui também), isso ganhou outra dimensão.

Exército de Israel chegando no Brasil para intervir em Brumadinho

Os EUA são o berço do sionismo cristão-evangélico com “um movimento de cristãos pré-milenaristas, fundamentalistas/evangélicos, que aderem e promovem as crenças e objetivos do sionismo político e religioso”. O mais importante a ressaltar é que a formação das diferentes vertentes dos evangélicos, pentecostais e neopentescotais no Brasil foi um fruto direto das correntes vindas do imperialismo norte-americano, disseminando aqui o apoio aos interesses dos sionistas e a leitura religiosa particular típica do sionismo-cristão, que desde sempre buscou fundar monopólios de mídia como a Record. Com isso a formação de um setor capitalista que detém a Record, como a Igreja Universal do Reino de Deus, termina por ser também uma via de transmissão através da religião dos objetivos de Bolsonaro de transformar o país em nação submissa número 1 a Trump, e seus interesses geopolíticos que favorecem o sionismo.

São estas questões de fundo que estão por trás da quantidade de bandeiras de Israel na posse em Brasília e em diversas cidades do país. Onde essas igrejas tem maior peso na população, tem começado a ganhar os “corações e mentes” de setores de massa a defesa do Estado de Israel e o tema de Israel nas pregações litúrgicas. Isso é algo que está por trás também do peso que a família Bolsonaro e a ala religiosa do governo dá para este enclave do imperialismo estadunidense no Oriente Médio.

É isso que explica o Estado de Israel, junto a Bolsonaro, ter aparecido em Brumadinho por pura “politicagem”, pois ficou claro que não serviu para nada no salvamento, bem como é o que está por trás também da justificativa “teológica” que a “ala ideológica” do governo Bolsonaro tenta dar para a ofensiva contra a Venezuela, que eles também propagandeiam como se fosse uma “terra do terrorismo islâmico”.

A política internacional é um dos principais fatores de divisão interna no governo Bolsonaro

Com o acirramento da disputa entre EUA e China, o Brasil desde o golpe institucional tem sido crescentemente palco dessa disputa e de uma renovada ofensiva imperialista, iniciada com a Lava-Jato e aprofundada em outros termos agora com a subordinação integral do clã Bolsonaro (nos referimos a sua atuação com os filhos) ao governo Trump. Os três grandes problemas internacionais do Brasil, atualmente, são a China, a Venezuela, e conflito com Israel e o bloco dos países árabes. Todos estes temas delicados estão atravessados pela relação que o núcleo duro do governo Bolsonaro estabeleceu, desde novembro, com Trump.

Essa ala trumpista do governo tem contradições com as demais, como colocamos no recente artigo a partir da Operação Os Intocáveis, a partir do encontro de Olavo de Carvalho com Steve Bannon.

Bannon teria dito: “O mercado financeiro ama o capitão Bolsonaro, mas eles amam mais a Escola de Chicago", e pergunta se Olavo conseguiria exercer influência sobre o ministro da Economia. O filósofo faz sinal negativo com a cabeça”. “O Ministério da Economia, sob Paulo Guedes, é um governo; o território de prosperidade adulta cuja funcionalidade, a se confirmar, autorizará a garotada a brincar de ideologia no parquinho.” A frase do executivo do grupo editorial Record expressa como guedistas vêm a ala trumpista. Um golpe que atingisse o núcleo familiar do entorno de Bolsonaro e dos ministros da “cota Olavo de Carvalho” não cairia mal para esse setor.

Parte dessas contradições foram as que Bolsonaro teve que lidar em Davos, no Forum Econômico Mundial. Desprezando todas as análises interessadas da intervenção de Bolsonaro, poderíamos sintetizar que o mercado financeiro viu pontos positivos e negativos na intervenção de Bolsonaro, avaliando o conjunto dos atores. Considerou positivo ele ter reafirmado que o país vai ser mais aberto aos negócios, privatizações, reformas, seu recuo em relação ao Acordo de Paris (ambiental, e que todos sabem que é mentira seu compromisso) e as chamadas “desburocratizações”, bem como apareceu mais “globalista”, mas se mostrou decepcionada com a falta de detalhes da reforma da previdência, a tributária e fiscal e seu centro no diálogo com os governos de extrema direita, o que ficou debilitado pelo boicote de Trump ao Forum.

Contradições internacionais: Mourão e alas dos militares

Um dos fatores que chama atenção no governo é o intento de Mourão de se diferenciar dessa “ala ideológica”. Enquanto Bolsonaro esteve em Davos, foi o momento onde o então presidente interino chegou expressar mais diferenças com Bolsonaro em mais de uma ocasião. Como quando citou a perseguição à Jean Willys do PSOL, se dizendo supostamente preocupado com a democracia no país. Além disso, recentemente fez declarações sobre o direito ao aborto para as mulheres. Muito antes do que realmente representar uma “ala esquerda” dentro do reacionário exército, o que Mourão representa é uma demagogia para se diferenciar em alguns assuntos claramente da ala bolsonarista dentro do governo, com razões econômicas
e políticas bem concretas.

Bolsonaro em Davos: compromisso com ajustes e reformas à serviço do imperialismo

O alinhamento de Bolsonaro ao trumpismo em meio a grandes conflitos comerciais internacionais, principalmente envolvendo a China e os EUA, é uma destas razões. Isso porque a China é uma das mais importantes parcerias comerciais do Brasil no globo, com 28% das exportações indo para lá, contra apenas 12% indo aos EUA. Além disso, os chineses compram 57% do petróleo bruto brasileiro, 82% da soja em grãos, 54% do minério de ferro, 42% da celulose, e 17% das carnes, entre os principais produtos brasileiros de exportação.

Leia também: Os militares voltaram pra política. Mas com qual política?

Também os países árabes são importantes compradores de carnes e outros produtos brasileiros, além de serem importantes portas de entrada dos produtos brasileiros para o mundo mulçumano. E a declaração de Bolsonaro de que moveria a embaixada brasileira para Jerusalém em acordo com a política do Estado de Israel causou rusgas também com estes países. Novamente, Mourão se diferenciou publicamente com declarações contrapostas às de Bolsonaro. Levando em consideração a contradição de que hoje para a ampla maioria das massas os militares e o governo Bolsonaro são a mesma coisa, Mourão taticamente busca se diferenciar precisamente em temas que facilmente podem ser percebidos pelas massas, como a perseguição a Jean Willys e o tema do aborto, buscando preservar os militares caso o governo Bolsonaro enfrente problemas. Ao mesmo tempo verbaliza as preocupações de setores do agronegócio que podem ser diretamente prejudicados com uma mudança de política em relação à China e ao mundo árabe (ou com determinados pontos das reformas de Paulo Guedes, como no caso da isenção no INSS de exportadores agrícolas).

Assim tem a vantagem de se diferenciar precisamente da família Bolsonaro, e consequentemente de um compromisso absoluto com o Trumpismo. Mas não necessariamente das políticas neoliberais e de subordinação do exército ao imperialismo, sobretudo aos EUA – outra tradição do exército brasileiro pelo menos desde o segundo pós guerra –, sem perder a opção de diálogo com outras frações do imperialismo.

Para cumprir este papel o exército tem de ter um caráter de precaução para assuntos internos. Caráter que Mourão reivindica para o exército brasileiro e exatamente neste sentido também deu sinais muito significativos.

Leia também: Mourão é inimigo das mulheres: Ontem seus heróis nos assassinavam, hoje querem que trabalhemos até morrer

O primeiro deles foi quando exigiu a conformação, em acordo com Heleno, de um "conselho de ministros" para assuntos internacionais delicados. Em outras palavras: significa tirar das mãos do Araújo a condução dos temas internacionais mais importantes do país, e ter sobre Bolsonaro uma influência pragmática determinante (nisso, apoiado por Guedes). Outro foco de conflito entre algumas alas dos militares e o governo é a linha privatista sem limites, como se expressou (ainda que timidamente) na questão da Embraer, da Eletrobras e é uma tensão inclusive em relação ao pré-sal. E por fim, as declarações de Mourão que o Brasil não participaria de nenhuma intervenção na Venezuela também são importantes indícios que apontam neste sentido.

O que vemos como a marca mais forte na atual situação e conjuntura política brasileira é o papel de todas estas alas contraditórias no governo para pensar como construir novos padrões de acumulação de capital para a burguesia imperialista e localizar sua própria ala para servirem como subordinados dos capitalistas imperialistas dentro do Brasil. Como consequência teriam dentro do país condições de manter a classe trabalhadora e o povo com as piores condições de vida em décadas.




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