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RACISMO | Um mês após detenção racista, jovens da São Remo irão aguardar em liberdade

Depois de um mês detidos arbitrariamente na Fundação Casa, acusados de um crime que não cometeram, os dois jovens negros, moradores da São Remo - favela que fica ao lado da Universidade de São Paulo, zona oeste da capital - foram finalmente liberados.

sábado 17 de agosto de 2019 | Edição do dia

No dia de ontem, 15 de agosto, após arrancarem um mês da vida de dois jovens inocentes, a justiça finalmente permitiu que os rapazes Y., 16 anos, e A., 17 anos, pudessem acompanhar em liberdade o julgamento do processo pelo qual são acusados.

Na porta do Fórum do Brás, Dona Ivone, mãe de Y., externou sua alegria “Agora é ir lá pra porta da Fundação Casa e esperar meu filho sair, eles estão muito felizes, estão radiantes. (...) Não tenho o que falar, não dá pra explicar o tamanho da minha felicidade, não tem como explicar, é só sentindo”, e continuou com um chamado “a luta ainda não acabou. Vamos lutar pra provar a inocência do meu filho.”

Dona Iracema, mãe de A., também comentou emocionada, “Fiquei muito feliz, me deu uma tremedeira, o coração batia forte. O juiz agradeceu pelos filhos que a gente tem, disse ‘parabéns pelos filhos que vocês têm’”. Ao ser perguntada pela reportagem da Globo como foi encarar os policiais que apreenderam os filhos delas, foi bem clara no recado “Nossa, foi difícil hein. Muito difícil (...) espero que eles não façam isso com outras famílias, espero. Porque é muito dolorido pra uma mãe. Pra família toda, né?”

O Professor Lula, treinador dos rapazes e técnico do time 1010, vice-campeão da Taça das Favelas, sintetizou o sentimento das dezenas de parentes e amigos que acompanhavam a audiência do lado de fora do Fórum “Alívio. O impossível é temporário. Faça o seu melhor. É uma reflexão que vou fazer com todos os meus alunos (...) porque você jogar no Pacaembú uma grande final da taça das favelas, dia 01, e um mês depois você estar dentro de uma internação é pra você cair e levantar de volta, porque você não merece estar aqui dentro. E é isso o que os meninos me falaram lá dentro: ‘Professor, você está chorando hoje, mas você vai ter muitas alegrias’. Meu choro lá dentro foi de alegria, eu tenho contato com os meus alunos, tenho certeza que eles não fizeram isso. Eu tenho certeza!”

Após saírem da Fundação e abraçarem as mães a amigos, A. falou sobre seus planos pro futuro “Eu quero o melhor, quero seguir o meu sonho de ser jogador de futebol”. E Y. completou o amigo, com a moral de quem vai seguir de cabeça erguida batalhando pelo sonho de ser jogador de futebol: “Falou tudo, ser jogador. Isso aqui pra mim vai ser só mais uma motivação. Muitos podem falar que é pra fraquejar, mas pra mim foi pra fortalecer, pra sair daqui maior com o meu desejo de vencer na vida”.

Os jovens, porém, ainda não foram absolvidos. Irão aguardar o processo em liberdade, mas haverá novo julgamento dia 12 de setembro. Mesmo com todas as provas das câmeras e dos celulares dos rapazes demonstrando o contrário, tanto os policiais militares que os prenderam como a policial militar que dirigia o veículo roubado sustentam a acusação de que os dois teriam sido responsáveis pelo assalto.

Ao final da audiência, os policiais militares que prenderam Y. e A. ainda mostraram o dedo do meio para os familiares e amigos dos jovens e arrancaram em alta velocidade dentro de um carro particular escoltados por uma viatura da PM. Essa atitude grotesca é simbólica e escancara a certeza que esses policiais militares possuem de que não sofrerão nenhuma punição pelos danos que estão causando a essas duas famílias. Essa atitude foi gravada pela Rede Globo de Televisão e foi transmitida hoje pela SPTV 1ª edição. Questionada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública orientou os moradores a procurarem a Corregedoria da Polícia Militar, que é controlada pela própria Polícia Militar (sic!)

Essa situação dos jovens Y. e A. é a realidade de milhares de jovens negros da periferia que têm suas vidas e de seus familiares destruídas pelo racismo de uma polícia militar treinada para encarcerar a juventude negra, pelo racismo de um Estado que coloca a palavra de um policial acima das provas concretas e materiais, pelo racismo de um país em que o presidente sugere medir os negros em “arrobas”, como se faz com animais!

Os familiares, amigos e redes de apoio e proteção contra o genocídio e o movimento negro se mantêm mobilizados para garantir o fim desse processo absurdo contra estes dois jovens inocentes.

Marcello Pablito, diretor da Secretaria de Negros e Negras e combate ao racismo do SINTUSP

RELEMBRE O CASO

Dia 16 de julho, enquanto aguardavam o retorno da namorada de Y. da Igreja em frente a casa dela, os dois jovens foram abordados por um carro da Polícia Militar que passava pelo local e, sem qualquer justificativa, foram levados para delegacia onde seriam acusados de roubar um carro e render a motorista. Sem nenhum direito à defesa ou sequer a presença dos pais e responsáveis, os menores foram sumariamente encaminhados para a Fundação Casa.

A dona do carro, uma policial militar que estava fora de serviço no momento do assalto, disse na delegacia reconhecer Y. e A. como os responsáveis pelo assalto. Os dois policiais militares que enquadraram os jovens afirmaram no boletim de ocorrência que eles estariam de posse da chave do veículo. Tendo somente a palavra dos policiais militares, sem nenhuma prova e mesmo com a negativa dos jovens, o delegado ainda assim decidiu detê-los na Fundação Casa.

VEJA MAIS AQUI: Comunidade São Remo se manifesta contra mais uma absurda prisão de dois jovens negros

No início de agosto ocorreu a audiência de custódia. Os familiares, amigos e movimentos sociais trouxeram imagens das câmeras da região que comprovam que Y. e A. estavam em outro local durante o crime, também o GPS dos celulares dos rapazes comprova que o caminho que eles fizeram até a casa da namorada de Y. fica a mais de 1,5 Km de distância do local do crime. Essas informações e prova fizeram até mesmo o Promotor rever a acusação porém, elas nem sequer foram levadas em conta pelo Juiz, que decidiu mantê-los encarcerados até a audiência de averiguação de ontem.

VEJA AQUI: Segue a prisão racista e arbitrária dos dois jovens atletas negros da São Remo




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