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DEBATE PROGRAMÁTICO | Um debate com os eixos de campanha de Guilherme Boulos

Nesta eleição surgem candidaturas contra o golpismo alternativas à Lula como Ciro Gomes e Manuela, que aparecem como “mais do mesmo” para alguns dos setores que buscam uma alternativa à esquerda do PT, e Boulos, ligado aos movimentos sociais e com propostas que são as que aparecem mais à esquerda. Isso reforça a necessidade do debate com os eixos de campanha de Boulos, pois os trabalhadores, a juventude e a esquerda precisam superar o PT pela esquerda sem repetir velhos erros do PT, que abriu espaço para o golpe, ou de “novas alternativas” como o Syriza da Grécia que mostraram seu fracasso.

sexta-feira 18 de maio de 2018 | Edição do dia

Um mundo que não permite nem tímidas reformas sem romper com o imperialismo

A eleição se dá num momento em que os analistas sérios burgueses concordam que a economia internacional tem um leve respiro que não é sustentável, com tendências a novas crises, guerras comerciais e tensões geopolíticas. Esse é o elemento estrutural por trás do aprofundamento da agressividade imperialista com Trump, que no Brasil já teve impactos como a recente taxação sobre a siderurgia e a pressão permanente com a tendência de aumento da taxa de juros que tende a deslocar capitais para os EUA em detrimento de países como o Brasil.

No segundo mandato de Lula, houve uma conjuntura extraordinária de crescimento econômico que permitiu um ciclo de consumo baseado no crédito, na expansão do trabalho precário e em programas sociais, sem expansão de direitos substanciais (como a reforma agrária ou urbana). Mas não há perspectiva de voltar qualquer ciclo como esse, e o Brasil é um dos países mais em crise do mundo.

Já no governo Dilma se sentiu essa mudança, que levou o PT a aplicar ajustes, rifando sua própria base social, o que fez avançar o golpe, que teve continuidade na prisão do Lula. O PT foi vítima dos golpistas mesmo aceitando a subordinação ao imperialismo. Foi nos governos do PT que se consolidou o papel do Brasil como “fazenda do mundo”, chegando em 2014 a ter seu patamar de industrialização regredido ao estágio de 1910, em 15%.

As empresas no Brasil que tem de 10 a 100% de capital estrangeiro em sua composição controlam o equivalente a 85% do PIB. O capital estrangeiro representa 39% das movimentações nas bolsas valores.

Se aplicaram um golpe contra o PT que dirige as principais entidades do movimento de massas, está claro que qualquer um que queira ser uma alternativa deveria apresentar um programa e estratégia à altura destes desafios. Mas Boulos não vai nesse sentido com seus eixos de campanha: a reforma tributária e a reforma política.

Uma reforma tributária que torna irrealizável o objetivo de enfrentar a desigualdade

Para enfrentar a desigualdade, Boulos diz que (negritos nossos):
"Alguns podem estar pensando: você só está falando em gastar, de onde vem o dinheiro? A proposta que nós defendemos de maneira muito clara e contundente é uma reforma tributária progressiva, que seja capaz de arrecadar um dinheiro de setores que hoje pagam muito pouco. Vou apenas dar o exemplo da tributação de lucros e dividendos que eu já mencionei. Tributaristas como o Rodrigo Orair (...) estimam que tributação de lucros e dividendos com uma alíquota progressiva no Brasil nos renderia 2% do PIB ao ano em arrecadação, 120 bilhões de reais. Isso por si só nos daria condições de avançar consideravelmente em políticas sociais democráticas. (...) O problema maior do Brasil francamente não é a dívida pública. Aliás, os patamares de proporção dívida/PIB no Brasil são muito menores que os da Europa e dos Estados Unidos. Se reduz proporção dívida/PIB não cortando gasto; se reduz proporção da dívida/PIB aumentando o crescimento. Enquanto a taxa de juros for maior do que a taxa de crescimento do PIB, você pode cortar o gasto que quiser, que vai continuar crescendo a proporção de dívida. Nos últimos três anos no Brasil se cortou tudo em termos de investimentos sociais e a dívida pública só está crescendo em relação ao PIB. Nós precisamos enfrentar essa questão, e não é com mais cortes; é com mais investimentos públicos que possam gerar inclusive dinamização da economia e mais arrecadação.

Boulos propõe enfrentar a desigualdade taxando um pouco mais o capital “rentista” e os ultra-milionários, como estes 120 bilhões sobre lucros e dividendos. O caráter limitado da proposta já se expressa ao ver que o gasto no governo golpista com previdência social em um ano foi cerca de 700 bilhões, em educação e saúde 191 bilhões. Mas vejamos outros dados (ver aqui, aqui e aqui) que mostram que se trata de muito pouco:

a) Só em 2016, 350 bilhões de lucros e dividendos foram isentos de impostos;

b) também em 2016, 84 bilhões de rendimento com herança e doações também foram isentos;

c) os 69.934 contribuintes com renda declarada superior a 160 salários mínimos mensais tiveram um rendimento total de R$ 399 bilhões;

d) somente as empresas de capital aberto lucraram em 2017 um total de 144 bilhões.

O pior é que por mais que Boulos apresente um programa nos marcos constitucionais e tímidas, a sede de ataques dos nossos inimigos não vai ser menor que com o PT. Vão se aprofundar as manobras golpistas, a direita nas ruas e um ataque especulativo, com fuga de capitais e outras medidas. Os capitalistas atacariam a economia nacional e isso afetaria imediatamente os trabalhadores e pobres, aprofundando a desigualdade que Boulos pretende combater. Boulos reedita propostas tímidas de controle de capitais do sistema financeiro, porém aos moldes do que diversos países já aplicaram que são incapazes de evitar essa extorsão.

O inevitável caminho de não pagar a dívida pública para responder aos problemas estruturais do país

Mas o mais escandaloso se mostra onde Boulos diz que “francamente não é o maior problema”: dívida pública (externa e interna). Somente no governo FHC foram quase 2 trilhões pra pagamento da dívida. Nos governos Lula foram gastos mais de 3 trilhões. Nos governos Dilma, mais de 5 trilhões.

Mas mesmo pagando tudo isso, somente de 2007 a 2015, a dívida duplicou, em parte porque é o custo mais alto do mundo, com juros altíssimos (piores que a da Grécia, que faliu), de uma dívida que diferentemente dos países centrais que Boulos nomeia, tem juros muito mais baixos e muito mais margem de manobra. Em média, mais de 6% do PIB anual vai para pagamento dos juros da dívida, sendo o Brasil o que mais gasta em juros da OCDE (35 das maiores economias do mundo), que em média gastam menos de 2%.

Os títulos da dívida são o destino de 72% de toda a poupança no país, alimentando a especulação financeira. Vale notar que não é só de “rentistas”, mas também de setores “produtivos”, pois essa divisão mecânica já não existe mais desde o começo do século passado, quando o capital industrial se fundiu com o capital bancário e gerou, no conceito do Lenin, o capital financeiro.

O único programa que pode defender a economia nacional do saque imperialista e dos capitalistas e enfrentar de fato os problemas estruturais do país é o não pagamento da dívida pública e impostos verdadeiramente progressivos sobre os capitalistas, com abolição dos impostos que recaem sobre os salários e todos os bens de consumo dos trabalhadores e do povo pobre.

Para evitar o ataque especulativo, é necessário combinar com estatização dos bancos (que não significa expropriar as poupanças privadas, mas mantê-las no país e impedir que o capital financeiro e os banqueiros especulem com a poupança nacional) e monopólio do comércio exterior (para impedir que os capitalistas destruam ramos da economia nacional ou que não sejam atendidas as demandas essenciais do povo). Isso teria que se combinar com a completa nacionalização dos grandes de setores estratégicos da economia nacional, como a Petrobras e as empresas energéticas, que teriam que passar a serem administradas pelos trabalhadores que nela trabalham e com controle popular.

Somente medidas como essas, que rompem com o imperialismo e os capitalistas e protegem a economia do país, é possível enfrentar os problemas estruturais do país como a desigualdade, com um plano de obras públicas e outras iniciativas que resolvam os problemas do desemprego, moradia, saúde, educação, transporte, etc.

Temos consciência que isso só pode ser efetivo com uma enorme mobilização operária e popular, mas a atuação da esquerda nas eleições deveria servir para construir essa perspectiva, da luta de classes, e não de alimentar ilusões em tímidas reformas que um Boulos presidente supostamente aplicaria.

Isso seria repetir a tragédia petista ou suas versões renovadas como Syriza da Grécia.

Uma reforma política que é uma ilusão de democracia participativa na democracia degradada

Boulos parte da constatação que há uma crise de representatividade e propõe medidas de “democratização” do Estado burguês, com eixo na realização de plebiscitos, em aplicar o “orçamento participativo” petista, “colocar o PMDB na oposição” e se apoiar numa suposta “bancada progressista” (que para ele e o PSOL envolve partidos burgueses como o PDT (de Kátia Abreu “motoserra” e da Delegada Martha Rocha, deputada reacionária do RJ fanática da intervenção federal e da militarização) e o PSB (de Márcio França, vice de Alckmin e atual governador de SP). O que se completa com uma “revisão do pacto federativo”, destinando um novo orçamento e papel para os prefeitos, que ele chama a uma “parceria de todos os entes do estado brasileiro”, como se estes não fossem em massa reacionários, incluindo o PMDB que Boulos afirma que “vai colocar na oposição”.

Voltemos à realidade para ver as propostas de Boulos. A crise de representatividade afeta, sobretudo, os pilares tradicionais do regime político (PMDB, PT e PSDB) e foi fortalecendo instituições como o judiciário (que já começou a se desgastar) e até os militares. A direita não somente está apresentando um programa radical para que os trabalhadores e o povo paguem a crise, mas está adotando métodos radicais, usando até as balas. É a luta de classes voltando a expressar seus contornos clássicos.

A esquerda deveria responder à altura, mas contra isso, depois do PSOL assinar manifestos com partidos burgueses como o PDT e PSB como se pudessem ser aliados na luta contra a direita, de fazer atos de palanques inúteis, sem qualquer medida de ação contra a direita e seus ataques, agora Boulos e o PSOL que tanto vociferam uma “ofensiva fascista”, nas eleições propõe....plebiscitos?

Digamos que a burguesia e seus agentes com seus métodos cada vez mais radicais não conseguisse impedir a realização de um plebiscito, basta ver a tragédia do plebiscito organizado pelo Syriza na Grécia. Assim que assumiu o governo, o Syriza convocou um plebiscito para “consultar o povo” se queria os ataques que a Troika exigia. Meses depois o plebiscito se realizou e o resultado foi um amplamente majoritário NÃO com 61% dos votos. Nos principais bairros operários de Atenas passou de 70%, e na juventude quase 80%, mostrando o forte apoio de massas pelo NÃO. Mas os imperialistas simplesmente não aceitaram o NÃO, e o Syriza, que era o “grande exemplo” para setores da esquerda mundial de um “governo de esquerda”, aplicou diretamente os planos neoliberais da Troika frente à chantagem imperialista.

Também poderíamos dar o exemplo trágico doplebiscito no Estado Espanholpela auto-determinação da Catalunha, que venceu o SIM das massas, mas não foi suficiente para impedir a ofensiva repressiva da burguesia espanholista e a derrota do movimento?

Sua outra proposta para que a população “participe da política” para além de votar de 4 em 4 anos, é reproduzir o orçamento participativo de Porto Alegre, que era uma farsa que debatia míseros 5% do orçamento e não mudou em nada a cidade.

Boulos alimenta esperanças em resolver pelo voto em plebiscito ou “conselhos policlassistas” algo que só cabe à luta de classes. A massa vira um passivo votante, como se isso pudesse enfrentar os reacionários e seus ataques.

O pior é que se esse programa o programa de Boulos fosse realizável, seria uma linha de salvação do Estado burguês e não da construção de uma mobilização que prepare sua destruição. Sequer defende uma Assembléia Constituinte Livre e Soberana, imposta pela mobilização das massas para atacar a corrupção e os problemas da democracia degradada pela raiz, instituindo que todo político e juiz ganhe o mesmo salário que um professor, que sejam eleitos pelo voto popular e revogáveis e que a corrupção seja julgada por júris populares, medidas elementares se o objetivo fosse uma verdadeira democratização do país.

Só a mobilização operária e popular, com independência de classe, pode enfrentar a direita e seus ataques

É importante a esquerda atuar nas eleições, mas isso deveria se dar no marco de um programa e estratégia de independência de classe, numa perspectiva anticapitalista, para fortalecer a perspectiva da luta de classes. A paralisação nacional do 28 de abril é o maior exemplo recente a retomar. Ali se tratava da democracia das massas em movimento, o que só se deu pela pressão das massas que obrigaram as burocracias sindicais e políticas que controlam o movimento operário a convocarem aquelas medidas. Esse era o caminho que tinha que ter sido levado adiante para enfrentar o golpe e os ataques, mas a burocracia sindical da CUT, CTB e demais centrais traíram esta que era a única forma de barrar essa ofensiva. Uma resposta de fundo para os problemas do país só pode se construir partindo da construção de uma verdadeira frente única operária, ou unidade de ação contra os ataques em curso e para reverter os que passaram.

Mas Boulos prefere dizer que “não demoniza os empresários”, mostrando a farsa do discurso “contra a conciliação de classes” e manter-se sem fazer sequer uma crítica aos burocratas da CUT e CTB, pois são seus aliados na Frente Povo Sem Medo, assim como com o PSB e PDT que seriam uma “bancada progressista”.

Não estamos falando de idéias que não tem força em nenhum lugar: este é o programa e estratégia do PTS e da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores na Argentina, que tem mais peso do que o PSOL no movimento operário e estudantil, assim como no terreno eleitoral, onde defendemos idéias como as que aqui apontamos, com o deputado federal Nicolás del Caño e Myrian Bregman à frente.

Ao contrário da ilusão das tímidas reformas tributária e política, afirmamos que os problemas estruturais do país só podem se resolver integra e efetivamente através de um governo operário de ruptura com o capitalismo, baseado em organismos de democracia direta dos trabalhadores e do povo pobre, pois é o único governo que pode de fato romper com a subordinação ao imperialismo e fazer com que os capitalistas paguem pela crise.

Abrimos este debate sobre programa e estratégia com a campanha de Boulos porque é necessário que todos que estão buscando uma alternativa à esquerda do PT tirem lições profundas das experiências do PT e da esquerda mundial, para que a esquerda possa sair da defensiva e ser parte de reverter a situação reacionária que vivemos no país, nos preparando para batalhas decisivas da luta de classes que ainda estão por vir, construindo um partido revolucionário dos trabalhadores e arrancando os sindicatos das mãos da burocracia para vencer.




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