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This is Not America: denúncia ao imperialismo e reafirmação da história de luta da América Latina

Lara Zaramella

This is Not America: denúncia ao imperialismo e reafirmação da história de luta da América Latina

Lara Zaramella

Quem nunca ouviu, seja em textos, filmes, internet ou ao vivo, os Estados Unidos se autodenominando como “América”? Em sua nova música, potencializada pela produção audiovisual do videoclipe, René Pérez Joglar, mais conhecido por seu nome artístico “Residente”, da antiga banda porto-riquenha Calle 13, junto à banda Ibeyi das irmãs Lisa-Kaindé e Naomi Díaz, oriundas de Cuba e da França, questionam e protestam contra o imperialismo ianque dos EUA.

Ao mesmo tempo que este país é responsável por apagar todo o restante do continente ao se denominar como “América”, é responsável por uma série de intervenções políticas, econômicas e culturais ao longo da história em todos os demais países do continente, “da Terra do Fogo ao Canadá”, como dito na própria letra da música, com especial enfoque aos países da América Latina. Os Estados Unidos se considerarem como América é parte estrutural da história deste país e continente, desde o século XIX, quando em 1823, o quinto presidente dos EUA, James Monroe, instituiu a chamada Doutrina Monroe que estabelecia a não interferência europeia no continente americano, como forma de manter a hegemonia exclusiva dos Estados Unidos sobre as terras e povo latino-americano.

Com menos de 10 dias de lançamento da música e do videoclipe, a produção já conta com mais de 10,5 milhões de visualizações no YouTube, sendo bastante comentada polemicamente por sua letra e vídeo de protesto que escancara trechos e características que marcam a história de todos os países da América Latina: violência policial, ditaduras militares, golpes, perseguições, mecanismos de dominação, desaparecidos, exploração e precarização do trabalho, degradação e destruição ambiental, racismo, massacre indígena, xenofobia, neoliberalismo.

O videoclipe começa com a citação de "This is not America", referenciando a obra de videoarte que o chileno Alfredo Jaar exibiu em 1987 no painel eletrônico na Times Square, em Nova York, com a ideia de que os EUA não são sinônimo de América.

Cada cena do videoclipe faz uma referência histórica, social ou política a algum episódio acontecido em solo latino-americano. Vale a pena ver e rever o vídeo, atentando-se a cada uma das referências, reconhecendo homenagens a lutadores de diversos países e movimentos, assim como o rechaço à repressão e violência cometida pela polícia, pelos governos locais influenciados e ligados à política imperialista dos Estados Unidos.

Para citar alguns exemplos, no vídeo há referências de Bolsonaro limpando a boca com a bandeira do Brasil após comer uma carne nobre com uma criança indígena atrás dele, escancarando não só como a política de extrema direita do presidente representa bem os crimes atuais que acontecem nos países latino-americanos, mas também como Bolsonaro é capacho do imperialismo dos EUA.

Há também cenas de crianças atrás de grades, como no episódio em que os Estados Unidos prendeu crianças na fronteira com o México. Ou outros episódios violentos que ocorrem nesta fronteira, fruto de políticas xenófobas e higienistas. Há imagens que escancaram a problemática da indústria do futebol no continente, do narcotráfico e da guerra às drogas, lucrativo a governos e bandos políticos, arrancando a vida especialmente de jovens negros. A letra da música cita também o evento de “cinco presidentes em 11 dias” ocorrido na Argentina em 2001, assim como os 43 estudantes de Ayotzinapa, no México, mortos em 2014. Nessa cena, inclusive, dá destaque a uma jovem mulher negra com um tiro na cabeça, fazendo referência ao assassinato de Marielle Franco, em 2018, que neste mês de março completam 4 anos de sua morte, em que o estado é responsável.

Escancara também a situação de exploração e dominação econômica e cultural, ao mostrar crianças negras e indígenas bebendo café do Starbucks, em cima de caixas da empresa multinacional Amazon e comendo Mc Donald’s, com especial peso para esta última, em que o menino, vestido como Tecun Umán, príncipe guerreiro da cultura guatemalteca indígena quiché, está comendo um “Mc Lanche Feliz”, que foi justamente criado pela sucursal desta multinacional na Guatemala.

Um usuário na rede social do Twitter montou um fio que busca todas as referências de cada uma das cenas presentes no videoclipe e acontecimentos na história da América Latina:

O título da música é uma clara referência, inclusive citada na letra - “Gambino, mi hermano, esto sí es América” (“Gambino, meu irmão, isso sim é América”) - à música de Childsh Gambino, This is America, lançada em 2018 e que abriu um amplo debate nas redes sociais, escancarando brutalmente uma denúncia ao racismo. Em entrevista recente à BBC News, o compositor Residente, comenta que a referência que faz à música de Gambino não é em crítica, mas em complemento: “Sou fã do Gambino. Meu vídeo mostra o que estava faltando em This is America. Estou completando-o, ajudando-o. (...) Por isso que digo ‘meu irmão’ na letra. Eu o considero um irmão como todos os afro-americanos. Tem que haver uma unidade entre afro-americanos e latinos também”.

Leia mais sobre a música de Gambino de 2018: Isso é América: um galpão de racismo, resistência e de luta por grandes sonhos

Além do título e da citação direta ao cantor, This is Not America também lembra trechos do videoclipe de Gambino com as cenas de homens e mulheres carregando pedaços de paus e facões, em referência a diversos momentos da história, não só da América Latina, em que mobilizações indígenas e exércitos populares se levantaram contra seus exploradores e opressores, mas também da população negra que luta contra o racismo. Essa cena no clipe de Gambino faz referência às imagens da histórica greve dos mineiros em Marikana, África do Sul, que foi respondida pelo governo do Congresso Nacional Africano com a repressão e morte de, oficialmente, 43 mineiros.

“El machete no es solo pa’ cortar caña, también es pa’ cortar cabeza’”
“O facão não é só para cortar cana, também é para cortar cabeça”

O facão, como dito acima, é uma referência forte a diversos movimentos e momentos da história de resistência e luta. Trata também dos milhares de trabalhadores do campo na América Latina que sofrem com o agronegócio enquanto base da economia em muitos países do continente. Por isso mesmo essa ideia de que, o facão não somente serve para cortar cana, mas também como protesto e luta contra os exploradores e opressores.

A música, em sua letra e no videoclipe, não só faz referência aos crimes imperialistas, as mortes e miséria que gera a política dos Estados Unidos e demais potências capitalistas sobre os países latino-americanos, mas também traz diversas cenas e episódios de lutas importantes que marcam a história desde os primórdios da colonização, como quando citam o peruano Tupac Amaru, líder de uma rebelião anticolonial no século XVIII; ou quando ao final do vídeoclipe mostram, em meio à polícia e corpos assassinados que formam a palavra “América” no chão, uma mulher negra de Palenque de San Basilio, Colômbia, o primeiro território negro livre das Américas.

A música passa também por toda a resistência e luta contra as ditaduras militares ocorridas em países latino-americanos, com cenas que fazem referência ao músico chileno Victor Jara, brutalmente assassinado pela ditadura de Pinochet, chegando até as manifestações mais atuais, como a rebelião chilena de 2019, as marchas colombianas em meio à pandemia em 2021, dentre outras.

Denunciar e rechaçar o imperialismo e toda sua política que gerou crimes, mortes, injustiças sociais, dependência econômica, apagamento cultural, dentre demais violências, é fundamental para não deixar passar despercebido. Entretanto, a música e videoclipe não deixam de fora um elemento que de fato não poderia faltar: a vontade de luta dos povos latino-americanos, da história de resistência e revolta que marca o suor e o sangue de cada trabalhador deste continente, que se enfrenta com a polícia e que não se cala frente à censura.

Diante da época imperialista que vivemos, em que hoje há uma nova guerra na Europa, continente também marcado por potências imperialistas que sugam nossas riquezas, exploram nosso trabalho e arrancam nosso direito ao futuro, vemos a atualização do que Lenin dizia há mais de um século atrás de que o imperialismo é marcado por crises, guerras e revoluções.

Em meio à barbárie capitalista, aos crimes cometidos pelas potências imperialistas, através da ideologia e da indústria cultural, de políticas intervencionistas que comandam as burguesias nacionais, da violência policial que reprime cada ato, é preciso gritar na mesma altura que denunciamos tudo isso, que o caminho que é necessário percorrer é o da mobilização desde as bases, da rememoração de nossa verdadeira história e cultura, da confiança na força que somente a classe trabalhadora, que é internacional e sem fronteiras, tem ao se organizar para, através de revoluções, transformar toda a sociedade e suas relações de produção, desde a raiz.

"Aquí estamo’, siempre estamo’
No nos fuimo’, no nos vamo’."

"Aqui estamos, sempre estamos
Não nos fomos, nem nos vamos."


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Lara Zaramella

Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
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