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ARQUIVOS DA IV INTERNACIONAL | Teses do grupo trotskista palestino (1948)

Publicamos aqui a tradução inédita das teses do grupo palestino da IV Internacional, escritas em janeiro de 1948, ano da Nakba, em Haifa pelos trotskistas que lutavam contra a divisão imposta pelo imperialismo com o apoio do stalinismo.

sexta-feira 4 de junho de 2021 | Edição do dia

(Na foto: árabes palestinos expulsos de suas terras durante a Nakba, 1948)

Quarta Internacional: Teses do grupo trotskista palestino

1. O enfraquecimento do imperialismo britânico após a segunda guerra mundial, a consolidação da burguesia nativa em algumas colônias importantes e o desenvolvimento da classe trabalhadora, bem como a intensificação de sua luta social e antiimperialista forçaram a Grã-Bretanha a evacuar suas tropas de certas colônias e providenciar um reajuste da defesa do Império. Por outro lado, a burguesia local tornou-se um agente mais confiável da dominação imperialista indireta devido ao modo crescente da classe trabalhadora organizada que emergiu mais forte do que nunca desta guerra. Particularmente nas colônias - e semi-colônias e nas regiões coloniais onde o imperialismo norte-americano penetrou como principal potência econômica, o imperialismo britânico tenta atribuir parte das tarefas de defesa do Império e a preparação da próxima guerra mundial contra o imperialismo norte-americano. Por outro lado, a Grã-Bretanha busca manter o máximo possível de influência econômica e autoridade sobre a burguesia nativa. Isso é o que está acontecendo no Oriente Médio agora. Por um lado, o imperialismo britânico evacua parte de suas tropas da Palestina e do Iraque e deixa às Nações Unidas, ou seja, ao imperialismo norte-americano, a tarefa de decidir o destino da Palestina e, por outro lado; incita uma “guerra santa” na Palestina para ganhar influência política sobre o mundo árabe e se esforça para se aliar aos Estados árabes, como pelo tratado planejado com o Iraque, que daria ao imperialismo britânico o máximo de poder possível sob as condições de dominação indireta. O antagonismo entre os imperialismo norte-americano e britânico nesta região se manifesta particularmente na questão de como cada um deles pode obter o máximo de influência direta sobre a economia e a política nativa, enquanto envia o menor número de tropas para lá. A decisão de dividir a Palestina apoiada pelos Estados Unidos, aparentemente em oposição à Grã-Bretanha, criou a seguinte situação no Oriente árabe: a Grã-Bretanha obteve a possibilidade de retirar parte de suas tropas enquanto fortalecia seu prestígio no mundo árabe; os EUA, cujos interesses petrolíferos não sofreram perda de prestígio devido aos laços econômicos que unem a burguesia nativa ao imperialismo ianque, ganhou ali um agente direto, a burguesia sionista, que, por isso, se tornou totalmente dependente do capital e da política americana. Além disso, o imperialismo dos EUA agora tem uma justificativa para intervir militarmente no Oriente Médio sempre que for conveniente. Ambos criaram uma situação de crescente chauvinismo em que se tornou possível esmagar a classe trabalhadora árabe e todos os movimentos de esquerda em todo o Oriente árabe, e isso também se deve ao apoio russo ao plano de divisão imperialista da Palestina.

2. Os senhores feudais árabes e a burguesia do Oriente Médio, representada pela Liga Árabe, veem a burguesia sionista como um competidor não só no mercado de bens de consumo do Oriente Médio (no que diz respeito ao Egito), mas também no mercado dos agentes imperialistas no Oriente Árabe. Com sua guerra racial contra os judeus da Palestina, a Liga Árabe quer limitar a área de atividade das indústrias judaicas e provar ao imperialismo que é um fator que pode servi-lo ainda melhor do que o sionismo. Ao mesmo tempo, ela favorece o imperialismo em seus planos de grande escala no Oriente Médio e está muito interessada em seguir suas ordens de usar esta guerra chauvinista para agitar sentimentos anti-russos e esmagar brutalmente a classe trabalhadora árabe e todos grupos de esquerda. Ela vê no espantalho sionista e no problema palestino em geral uma oportunidade muito grande para desviar a atenção das massas oprimidas nos países árabes de seus problemas sociais e da exploração imperialista e indígena, para exacerbar o ódio racial contra as minorias e para recrutar os miseraveis e desempregados para o “Jihad” na Palestina. Nessas circunstâncias, o antagonismo tradicional entre as duas facções da Liga Árabe - a família Hachemita britânica de um lado e o bloco americano do rei do petróleo da Arábia, Egito e o atual regime da Síria, de outro - se manifesta em sua competição pela intervenção mais extrema e ativa na Palestina para estar lá no local, para criar um fato consumado e para recolher os espólios tão logo seja necessário cumprir as decisões finais do imperialismo.

3. Os senhores feudais árabes da Palestina, sabendo que em tal guerra racial eles são os dirigentes natos, partem de tentarem recuperar sua autoridade sobre a população árabe da Palestina, uma autoridade que foi enfraquecida pelo desenvolvimento, durante a guerra, de uma jovem burguesia nas cidades costeiras e pelo crescimento e organização da classe trabalhadora árabe palestina. O apoio direto que o imperialismo britânico deu aos dirigentes feudais, contra qualquer outro fator árabe (repatriação dos Husseinis, reconhecimento do Alto Comitê Árabe auto-imposto, etc.) - tudo porque o imperialismo inglês estava interessado em ver a liderança árabe mais reacionária e chauvinista - permitiu que esses senhores feudais impregnassem, desde o início, seu próprio caráter nos eventos atuais. Enquanto a revolta de 1936 começou com uma greve geral e inicialmente se concentrou nas cidades, desta vez o principal aspecto da atividade foi desde o início a ação militar de bandos guerrilheiros rurais. Enquanto em 1936-1939 grande parte da "luta" foi travada contra as tropas britânicas (embora o objetivo principal fosse contra os judeus), desta vez foram principalmente os judeus que foram atacados antes dos oficiais do governo imperialista britânico, enquanto estes oficiais e soldados são tratados com amizade ou no máximo acusados de não manter a prometida “neutralidade”. É assim que eles conseguiram criar uma atmosfera de extremo chauvinismo, em que a provocação pode levar a um massacre de trabalhadores judeus, como nas refinarias de Haifa, pelas seções atrasadas de seus colegas trabalhadores árabes (alguns dos trabalhadores árabes mais avançados não participaram desta ação e outros salvaram os judeus), e onde não há mais uma luta grevista comum entre trabalhadores judeus e árabes pelas mesmas demandas, mas ao contrário, onde essas lutas são travadas separadamente para a introdução de medidas de segurança contra possíveis ataques. A separação entre trabalhadores árabes e judeus e a separação entre a classe trabalhadora árabe das cidades mais avançadas e de seu interior - o campesinato pobre - (um dos principais objetivos da divisão) é realizada pela suposta luta dos dirigentes feudais contra a divisão da terra. A burguesia árabe, na medida de sua existência - na Palestina como classe independente (donos de plantações de limão e instalações urbanas das cidades costeiras - os seguidores de Muss el Alami) quer ordem e segurança nos seus negócios, mas a sua liderança nacional, durante os ataques chauvinistas em massa, é cada vez menos importante em comparação com as guerrilhas de direção feudal.

4. O sionismo, que parece estar no auge de seu sucesso diplomático, conseguiu ajudar o imperialismo a criar uma situação na qual as massas judias devem aprender o que significa ser o bode expiatório do imperialismo. A atual guerra civil, que exacerba o chauvinismo nas massas judaicas ao extremo, é em parte consequência do chauvinismo sionista que acompanhou o estabelecimento de uma economia judaica fechada. Se o imperialismo conseguiu desviar o descontentamento das massas árabes no Oriente Médio de si mesmo e dirigi-lo contra a população judaica da Palestina, a consequência inevitável desta guerra será a total dependência do sionismo do imperialismo americano.

5. Nessas circunstâncias, o declínio da influência das organizações de trabalhadores árabes é evidente. Depois de terem conseguido se tornar um fator importante na vida política árabe, elas agora estão quase paralisadas. Também não podemos esperar que eles recuperem essa posição em um futuro próximo, pelos seguintes motivos:

a. A onda esmagadora de organizações de esquerda e da classe trabalhadora no Oriente árabe veio antes que fossem fortes o suficiente para se defender e manter sua posição. Se este foi o caso nos centros da classe trabalhadora árabe, particularmente no Egito, não há dúvida de que está influenciando a classe trabalhadora mais atrasada na Palestina.

b. Num futuro próximo, um declínio numérico da classe trabalhadora árabe na Palestina é esperado, em primeiro lugar por causa da diminuição do trabalho pelo exército e, em segundo lugar, por causa das paralisações do trabalho causadas pelos eventos correntes. O desemprego entre os trabalhadores árabes não só ameaçará as conquistas limitadas dos últimos anos, mas também criará um terreno fértil para o chauvinismo e incentivará o recrutamento de grupos liderados pelo feudalismo.

c. Os stalinistas árabes perderam parte de sua influência política e organizacional porque as massas os viam como representantes da Rússia, que traiu as massas árabes sendo a favor da divisão do estado judeu.

d. O crescente chauvinismo dos trabalhadores judeus, o apoio aberto à partição pelos sionistas de “esquerda”, incluindo os stalinistas judeus, também se reflete entre os trabalhadores árabes e é outro fator que os joga nos braços da reação feudal. Por outro lado, a composição social da classe trabalhadora árabe é muito mais progressiva hoje do que no início da revolta de 1936-1939. Enquanto naquela época trabalhadores agrícolas, funcionários comerciais, etc. representavam mais da metade da classe trabalhadora árabe, hoje quase três quartos dos trabalhadores árabes estão empregados em obras públicas do governo, em empresas de petróleo e outros estabelecimentos industriais. Após o período de reação e recuo, o ponto de partida estará em um nível mais alto do que em 1939.

6. Se no passado a atividade política do Partido Revolucionário entre os trabalhadores judeus era difícil por causa da posição privilegiada destes últimos na economia fechada dos judeus, será ainda mais hoje porque essa posição foi apoiada não apenas pelos Estados Unidos imperialista, mas também pela Rússia. A virada dos stalinistas judeus, que se tornaram os seguidores mais entusiastas da divisão da Palestina e da criação do Estado judeu, limita ainda mais os pontos de contato que poderiam ter sido usados ​​pelo partido revolucionário como ponto de partida para sua atividade entre os trabalhadores judeus. Por outro lado, o aumento da influência da reação feudal árabe é expressa pelo aumento do chauvinismo do lado judeu. Uma certa perspectiva do nosso trabalho consiste na possibilidade de conquistar individualmente os stalinistas que permaneceram firmemente contra a divisão e que podem, portanto, admitir a traição da Rússia stalinista.

7. A análise anterior mostra que no futuro próximo (nos próximos meses) não se pode esperar ações em grande escala dos trabalhadores árabes, muito menos ações conjuntas entre trabalhadores árabes e judeus. Antes que se faça sentir o cansaço causado pela deterioração da situação econômica e pelo derramamento de sangue, que será o ponto de partida de uma nova ascensão revolucionária, é muito provável que haja um fortalecimento do chauvinismo e massacres em grande escala. Num futuro próximo, nosso trabalho se limitará principalmente a manter vínculos entre camaradas árabes e judeus, fortalecendo os quadros, particularmente do lado árabe, como base para a atividade revolucionária no futuro. Devemos explicar pacientemente às camadas mais avançadas do proletariado árabe e da intelectualidade que as ações militares raciais apenas aumentam o fosso entre judeus e árabes e, portanto, praticamente levam à divisão política; que o fator fundamental é que a principal causa da divisão é o imperialismo; que as lutas atuais apenas reforçam o imperialismo; que graças à direção burguesa e feudal dos países árabes - que são agentes do imperialismo - fomos derrotados em uma etapa da luta anti-imperialista e que devemos nos preparar para a vitória em uma próxima etapa - isto é, para a unificação da Palestina e do Oriente Árabe em geral - criando a única força que pode atingir esses objetivos: o partido proletário revolucionário unificado do Oriente Árabe. Nosso sucesso dependerá muito da consolidação, entretanto, das forças comunistas revolucionárias no Egito.

Haifa, janeiro de 1948




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