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CRÍTICA LITERÁRIA | Terry Eagleton: a literatura situada na vida

Nesta segunda-feira o crítico literário marxista inglês Terry Eagleton completa 73 anos de vida. Queremos homenagear sua vida e obra com uma breve apresentação de sua importância e de sua trajetória.

segunda-feira 22 de fevereiro de 2016 | 12:20

Terry Eagleton veio de uma família trabalhadora inglesa, com ascendência de imigrantes irlandeses que lutavam pela independência do país em relação ao domínio da Inglaterra. Teve uma infância de penúria. Esse passado, certamente, fez toda a diferença quando ele se tornou um estudante universitário na prestigiada e elitista universidade de Cambridge.

Ao chegar lá, Eagleton já era familiarizado e simpatizante da noção de socialismo, mas tinha um dilema que é ainda comum encontrarmos: sendo católico, e tendo familiaridade com a pregação da Igreja contra o socialismo, não sabia como conciliar sua vontade política e sua crença religiosa. Conflito que foi se aquietando ao entrar na Universidade e se resolvendo plenamente conforme Eagleton se tornou marxista e deixou a religião, como sua crença particular, para trás. Contudo, ainda hoje Eagleton carrega a marca de ser um marxista com um agudo interesse pela religião como fenômeno social, não a enxergando como simples “falsa consciência”, mas sim como uma questão complexa e contraditória e nutrindo certa simpatia pelos valores cristãos autênticos, em oposição àqueles das instituições corruptas, conservadoras e dominadoras à serviço da classe dominante que encontramos na maior parte das Igrejas.

Como crítico e intelectual, Eagleton se destoa: não carrega nada da marca da arrogância e da empáfia da academia, que se considera via de regra autossuficiente e despreza o “mundo real” que está fora de seu limitado e restritivo campo de estudos. Pelo contrário, resgatando a melhor tradição marxista, Eagleton é alguém que escreve com o claro propósito de ser entendido, tanto por especialistas em sua área como por leigos. Tal como os melhores teóricos do marxismo, é capaz de apresentar ideias de grande complexidade e profundidade em um texto muito simples e acessível, sempre permeado de ironia e humor, com metáforas da vida cotidiana que qualquer um (em especial um inglês médio) pode compreender em sua realidade.

Esse é o tom, por exemplo, de uma de suas obras mais importantes e que talvez seja a mais célebre aqui no Brasil: Literary Theory – An Introduction (Teoria da Literatura: Uma introdução), de 1983. Nesse livro, Eagleton procura discutir sinteticamente diversas escolas de crítica e teoria literária. Sem o dizer de forma explícita, o que Eagleton faz é uma análise profundamente materialista e dialética, portanto marxista, dessas correntes de pensamento: ou seja, situa suas concepções em seu contexto histórico e social, mostrando de onde nascem, quais são suas motivações sociais e políticas, e ao apontar suas motivações faz a sua crítica. Para Eagleton, como para o marxismo, as ideias não “flutuam” na cabeça de grandes pensadores: elas estão profundamente enraizadas nas condições sociais de sua criação, sendo fruto destas – sem que por isso deixem de poder influenciá-las reciprocamente.

Problematizar o que é “evidente”: esta é a primeira tarefa de um marxista; é a crítica implacável de tudo o que existe. E desta forma Eagleton toma seu objeto de estudos. Questionando o próprio conceito de literatura, algo que tradicionalmente na academia se toma como “óbvio”, ele demonstra como, à semelhança de qualquer conceito teórico, a ideia de literatura é histórica e ideológica, e está a serviço das classes dominantes de seu tempo.

Toda a crítica estética é uma crítica política. Essa é a conclusão a que Eagleton conduz seu leitor, nunca de maneira dogmática, mas sim seguindo um percurso histórico e teórico rico e aprofundado. E lembrando que a literatura serviu como uma ferramenta ideológica fundamental no período de ascenso e consolidação da burguesia como classe dominante, principalmente frente ao enorme declínio que essa mesma burguesia impôs à religião como ferramenta de dominação utilizada pela nobreza para governar pelo “direito divino”. Ideias como as de nação e identidade nacional, por exemplo, escorreram das páginas dos romances para a cabeça do proletariado inglês como forma de procurar impedir a revolta das classes exploradas contra seus exploradores.

Quando Eagleton discute profundamente o conceito de literatura, as diferentes correntes de crítica literária e conclui explicitando a ideia extensamente elaborada de que toda crítica literária é uma crítica ideológica e política, com aplicações que não se dão somente aos objetos que se convencionou academicamente chamar de “Literatura”, mas qualquer tipo de prática discursiva, um de seus alvos fundamentais é o pensamento hegemônico nos cursos de literatura, o humanismo liberal. Em suas próprias palavras:

A resposta do humanista liberal, porém, não é pouco convincente por acreditar ele na possibilidade de que a literatura seja transformadora, mas sim porque em geral subestima grosseiramente essa capacidade transformadora, considera-a isoladamente de qualquer contexto social determinante, e só pode explicar o que entende por uma "pessoa melhor" nos termos mais limitados e abstratos. São termos que geralmente desconhecem o fato de que ser uma pessoa na sociedade ocidental na década de 1980 é estar preso aos tipos de condições políticas que delineei ao início desta Conclusão, e de certo modo ser responsável por eles. O humanismo liberal é uma ideologia moral dos bairros elegantes, limitada, na prática, a questões altamente impessoais. Ele é mais severo com o adultério do que com os armamentos, e sua valiosa preocupação com a liberdade, a democracia e os direitos do indivíduo, simplesmente não é bastante concreta. Sua noção de democracia, por exemplo, é a ideia abstrata da urna, e não de uma democracia específica, viva e prática, que também poderia interessar-se de alguma forma pelas operações do Foreign Office e da Standard Oil. Sua noção de liberdade individual é igualmente abstrata: a liberdade de qualquer pessoa em particular é prejudicada e se torna parasitária se depender do trabalho estéril e da opressão ativa de outros. A literatura pode protestar contra essas condições, ou não, mas só é possível devido a elas. Como disse o crítico alemão Walter Benjamin, ‘não há documento cultural que não seja ao mesmo tempo um registro de barbárie’ • São os socialistas que querem chegar às aplicações plenas, concretas, práticas, das noções abstratas de liberdade e democracia subscritas pelo humanismo liberal, tomando-as por sua significação literal quando elas chamam a atenção para o que é ‘vivamente específico’. É por isso que muitos socialistas ocidentais se mostram impacientes com a opinião humanista liberal sobre as tiranias da Europa oriental, achando que tais opiniões simplesmente não chegam até onde deveriam chegar: o necessário para derrubar essas tiranias não seria apenas a maior liberdade de palavra, mas uma revolução dos operários contra o Estado.”

É baseado nessas concepções que Eagleton vê na tarefa do crítico “literário” (entre aspas aqui pois ele já demoliu o conceito do que é a literatura) algo muito mais abrangente do que a simples leitura de textos e sua crítica. Ele, colocando isso em prática, faz discussões da cultura de massas, de obras como Harry Potter e outras que são sumariamente desprezadas pela arrogância acadêmica, mesmo que na vida real tenham muito mais influência do que os textos te Charles Dickens ou Machado de Assis. A compreensão da ideologia, da indústria cultural, dos meios de produção da cultura e da forma como circulam as práticas discursivas são questões fundamentais. Eagleton é uma leitura essencial para aqueles que não desejam fazer discussões “nas nuvens”, mas sim colocar seu conhecimento a serviço de entender as questões que se desenrolam no mundo e poder atuar sobre elas.

Algumas obras de Terry Eagleton publicadas no Brasil:

  •  Marxismo e Crítica Literária. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
  •  Marx. São Paulo: Editora Unesp, 1999.
  •  A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2003.
  •  A tarefa do crítico. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
  •  Teoria da Literatura: Uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
  •  Ideologia: Uma introdução. São Paulo: Boitempo, 1997.
  •  Marx estava certo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.


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