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ELEIÇÕES ESTADOS UNIDOS | Terremoto político com o triunfo de Trump

Trump vence as eleições americanas. Primeira análise.

Juan Andrés GallardoBuenos Aires | @juanagallardo1

Celeste MurilloArgentina | @rompe_teclas

quarta-feira 9 de novembro de 2016 | Edição do dia

Passada a meia noite dessa terça-feira 8, Donald Trump conquistava um a um os estados chave para conseguir os 270 delegados do Colégio Eleitoral. Os resultados da eleição presidencial dos Estados Unidos confirmaram em toda a sua magnitude a crise do bipartidarismo americano. Os temores que se haviam sentido nas primárias, eclodiram com a virtual chegada de Trump à Casa Branca.

Contra todos os prognósticos, pesou mais a revolta contra o establishment de Washington. Inclusive mais que a “campanha do medo” impulsada pelo Partido Democrata, os grandes meios de comunicação e as pesquisas, ao redor de uma potencial presidência do magnata nova-iorquino.

Todos são perdedores

Sem dúvida, a principal perdedora é Hillary Clinton. O apoio das duas figuras mais populares do partido Democrata, Barack e Michelle Obama, não foi suficiente para compensar o magro entusiasmo que gerou a ex-secretária de Estado na base do partido.

Para o partido Democrata representa uma derrota em todos os campos: não só perderam a Casa Branca (sendo governo), também perderam a possibilidade de ter a maioria do Senado e o Congresso (ainda que nesse último eram remotas). Com Obama fora da Casa Branca em 2017, o partido perde peso nas três instituições de escala nacional.

Apesar de contar com uma base expansiva, composta pelos setores demográficos mais dinâmicos como os negros, os latinos e as mulheres, cada vez com mais peso no eleitorado, Clinton não conseguiu mobilizar a força necessária para chegar à Casa Branca.

O partido Republicano, ainda que tenha ganhado a eleição e as maiorias em ambas aas câmaras, permanece rachado internamente. O establishment do partido havia “soltado a mão” de Trump após sua confirmação e dedicaram todos seus recursos a manter a maioria no Capitólio. Paul Ryan, o líder do bloco legislativo, que foi um dos principais porta-vozes da oposição ao magnata, agora deverá redefinir a estratégia para unificar o partido ao mesmo tempo que negocia com um Trump na Casa Branca.

Bill Kristol, um analista conservador do partido Republicano, resumiu a situação em um tweet: “Esta é minha análise profunda do processo, baseado em um estudo cuidadoso dos resultados: OH, MEU DEUS”.

A juventude

Uma das maiores questões segue sendo a participação da juventude. A geração do milênio, filha da crise capitalista de 2008, que impulsionou movimentos como Occuppy Wall Street, o movimento pelo salário mínimo o Black Lives Matter é também a que menos confiança expressou a respeito dos candidatos.
Em 2016, 62% desses jovens acreditava que “há melhores formas de mudar as coisas que votar”. Além disso 46% acreditavam que, “meu voto não importa na realidade”, e entre aqueles que não planejavam votar, dois terços disse que não o faria porque “não lhes agrada nenhum candidato”.

Ainda que esse bloco tenha crescido em seu peso social, se transformando na geração majoritária nos Estados Unidos, superando em números aos baby boomers (nascidos no pós-guerra), seu peso eleitoral não variou. Segundo a CNN, representaram 19% dos votantes, a mesma porcentagem que em 2012.
Esses jovens, desiludidos com os dois mandatos de Obama, se mantiveram esquivos a Clinton desde as primárias. Não é demais recordar que eles votaram majoritariamente por Bernie Sanders (71%) na interna democrata contra a ex secretária de Estado (28%) há tão poucos meses.

É possível que a receita do “mal menor” não tenha sido suficiente para convencer a juventude a ir votar por uma candidata que vem como representante do establishment, nem sequer contra Trump a quem rechaçam majoritariamente (75% segundo Global Strategy Group).

Os perdedores da globalização

O fracasso das pesquisas para prever resultados como o do Brexit ou a eleição de Trump comprovam a impossibilidade das consultorias para captar fenômenos sociais e políticos profundos. As crises dos partidos tradicionais, a forte polarização social e o sentimento antiestablishment estão estreitamente relacionados com os perdedores da globalização, que se viram ainda mais golpeados desde a crise de 2008.
Faixas inteiras da população viram como, enquanto se degradavam suas condições de vida e se precarizavam seus empregos, os Estados gastavam milhares de milhões de dólares para resgatar os grandes bancos e empresas. Governos de direita e social liberais, indistintamente, se deram a tarefa de aplicar primeira a agenda neoliberal na década anterior e resgatar o sistema financeiro durante os últimos 8 anos.

Esta comunhão que Tariq Ali define como o “extremo centro” desembocou em um desprestígio generalizado do sistema partidário, dando lugar a novos fenômenos políticos. Pela esquerda surgem neorreformismos como os europeus Podemos e Syriza, que vivem se incorporando rapidamente ao sistema tradicional dos partidos. Enquanto que é a extrema direita a que mais proveito conseguiu extrair da degradação da democracia e do questionamento generalizado ao establishment político e econômico.

Se Sanders expressou nos Estado Unidos algo desses fenômenos neorreformistas, Trump é o reflexo das tendências nacionalistas, isolacionistas, protecionistas e xenófobas que vemos nas formações da extrema direita europeia. Como dizíamos em outro artigo: “O discurso nacionalista e conservador de Trump busca reafirmar o voto republicano no eleitorado majoritariamente cristão, concentrado nas áreas metropolitanas, masculino, de meia idade, nível educacional médio ou baixo, em particular num setor amplo de trabalhadores do setor manufatureiro (os trabalhadores de ‘ colarinho azul’)...”

Um dos principais cavalos de batalha de Trump foi o rechaço aos acordos de livre comércio, que a maioria percebe como causador da desocupação e da precarização dos empregos (um fenômeno que se estende por toda a classe trabalhadora e sobre o que também se apoiou Sanders nas primárias).

A retórica que animou a campanha de Trump dificilmente pode se transpor automaticamente para um programa de governo. De imediato a chegada na Casa Branca, será necessária uma negociação com o parlamento e com seu próprio partido. Sua política isolacionista se choca de frente com os interesses da burguesia imperialista, que é a principal impulsionadora dos acordos de livre comércio. Assim como é impossível que Estados Unidos se desconecte economicamente de um mundo globalizado, a principal potência militar do mundo tampouco pode renunciar a seus interesses geopolíticos sem ferir ainda mais a sua já comprometida hegemonia.

O terremoto político que significa um triunfo de Trump se sentirá para além das fronteiras dos Estados Unidos. Quando ainda não terminava a recontagem de votos, caíam as bolsas de valores da Ásia e o dólar se depreciava, como mostra do mal-estar dos mercados financeiros.

Se nos Estados Unidos, a chegada de Trump à Casa Branca inaugura uma maior polarização social e política, além de uma agudização da crise do bipartidarismo, as turbulências que pode gerar no plano internacional são ainda incertas.




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