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Adriano FavarinMembro do Conselho Diretor de Base do Sintusp

terça-feira 10 de novembro de 2015 | 08:47

Saiu na quinta-feira passada matéria na Revista Veja com o título “Conheça a história de Talita Oliveira, a ex-militante da “cura-gay” que voltou a ser travesti”.

Talita Oliveira se tornou famosa após, durante a polêmica envolvendo a postura homofóbica de Levy Fidelix no debate eleitoral de 2014, publicar um vídeo no youtube defendendo posições conservadoras no que diz respeito à criminalização da homofobia, à defesa da família, ao movimento LGBT e a liberdade sexual, expressando, em certa medida, as visões de uma parcela do senso comum influenciada e educada pelas posições da mídia e da Igreja.

Logo após a viralização desse vídeo grupos políticos reacionários organizados, alguns que atuam sob a máscara de pastores evangélicos, procuraram Talita para utilizarem-na como símbolo da defesa de seus ideais homofóbicos e machistas. Uma travesti militando a favor da “cura gay” e combatendo o movimento LGBT era um prato cheio para Marcos Feliciano (PSC) e outros poderem propagandear seu discurso de ódio, agora, “embasados” na figura pública e na posição política conservadora de Talita.

Talita começou a frequentar a Assembleia de Deus, e acabou convencida de que seria “possível mudar caso eu [ela] tivesse verdadeiramente amor e confiança em Deus”. Cortou os cabelos, fez cirurgia para remover as próteses de silicone, começou a utilizar roupas masculinas, retomou seu nome de registro, terminou um relacionamento amoroso e passou a frequentar programas de televisão e dar testemunhos e depoimentos a favor da “cura gay”.

Porém, depois de um tempo sumida das redes sociais, Talita postou nos últimos dias em sua página do facebook uma declaração pública na qual apontava que “enquanto eu jejuava, orava, implorava a Deus que me tocasse e me libertasse totalmente da prática homossexual e sobretudo do desejo (o que não passava), comecei a ser confrontado com a realidade”. Parte dessa realidade ela expõe como sendo a hipocrisia de pastores reconhecidamente adúlteros e o acobertamento de membros da Congregação que tinham práticas homossexuais escondidas enquanto expressavam o repúdio que sentiam por ela dentro da Igreja pelo fato de ser “ex-gay”. A gota d’água, para ela, foi a resposta de Marcos Feliciano, seu antigo padrinho, sugerindo que ela se prostituísse quando ela pediu o auxílio dele para custear a ida dela a uma audiência pública em Brasília “Você no seu passado fez coisas horríveis com o seu corpo e agora por Deus você não pode fazer?”.

Talita afirma que “nunca fui infeliz sendo travesti. Eu nunca fui infeliz sendo homossexual. Eu fui infeliz sendo prostituta. Tendo que vender meu corpo para homens estranhos, homens que eu não desejava! Isso sim era o que me matava de angústia. Me prostituir para poder sobreviver já que o Brasil NÃO OFERECE oportunidades de trabalho para travestis e transexuais!”. A partir disso ela rompeu com essa farsa “Cansei de ser usado por pessoas como ele, que desejavam ter somente um estandarte “ex gay” para uma causa a qual ele nem mesmo compreende (...)Não existe cura gay! Não existem “ex gays”! Tudo é conveniência, medo e pressão psicológicas das pessoas.”

Mesmo após essa experiência, porém, Talita não modificou em nada suas posições políticas conservadoras, mantém o repúdio às pautas do movimento LGBT, responsabiliza os movimentos de esquerda pelos males do país e dos homossexuais e agradece a relação com Olavo de Carvalho (ideólogo racista e homofóbico da extrema-direita).

Sem entrar no mérito de todo o drama individual que Talita passou em sua vida e nesse processo, ou mesmo na origem do conteúdo de suas posições conservadoras, toda a vivência e as conclusões as quais Talita chega merecem atenção e reflexão do movimento LGBT.

Talita não é a primeira LGBT com posições políticas claramente conservadoras, há alguns meses Thammy Miranda, homem trans, filho da Gretchen, flertou com a possibilidade de se filiar no Partido Progressista (PP), do conhecido homofóbico Jair Bolsonaro e de Paulo Maluf. De 2007 a 2009 Clodovil, homossexual assumido, foi deputado federal por São Paulo pelo Partido da República (PR – herdeiro da fusão dos antigos PRONA e PL), defendendo posições contrárias ao casamento gay e ao movimento LGBT brasileiro.

Ser gay, lésbica, bi ou transexual não garante que a pessoa, por esse único motivo, defenda posições que caminhem no sentido de avançar nas conquistas fundamentais para as LGBT’s. Infelizmente tem conquistado certa hegemonia entre os setores oprimidos (LGBT’s, negros e mulheres) ligados à academia e aos movimentos sociais, uma ideologia que prega a individualização da opressão. Por essa ideologia somente um grupo oprimido determinado teria autoridade para refletir, discutir, propor e atuar em relação à luta contra aquela opressão específica, e todos os demais indivíduos que não seriam parte daquele determinado grupo oprimido seriam responsáveis direitos ou indiretos por aquela opressão específica e, portanto, inimigos ou não-aliados.

Talita, assim como Thammy, Clodovil e uma parcela das LGBT’s, na sua posição de classe ou na conclusão da sua busca individual pela emancipação, terminam se aliando politicamente com os principais responsáveis pelos assassinatos e altos índices de suicídio das LGBT’s no país, em especial das pessoas trans. Não é possível uma luta séria contra a conivência do Estado com a repressão social e opressão sexual se não passar pela exigência da separação da Igreja do Estado em uma perspectiva de enfrentamento com essa moral.

Com todas as constatações históricas que temos e as comprovações atuais de que não basta ser LGBT para lutar sequer pelos direitos democráticos (quem dirá pela liberdade sexual e social), é necessário que os setores LGBT’s organizados comecem a entender que a luta pela nossa emancipação sexual (liberdade da construção de gênero e sexualidade) passa pelo desenvolvimento da luta de classes, e que os setores burgueses e suas ideias propagandeadas pela pequena-burguesia ilustre não são capazes de responder a essas necessidades. Passou da hora dos LGBT’s organizados se voltarem para a classe trabalhadora e começarem a ver na estratégia e nos métodos de luta dos trabalhadores a possibilidade de fazer as pautas da liberdade sexual ecoarem na maioria da população.




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