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SÍRIA | Síria: a diplomacia, a guerra e o longo inverno árabe

A cúpula de Viena para negociar uma saída diplomática à guerra civil síria terminou com a convocatória a uma próxima cúpula. A reunião da qual participaram diplomatas e ministros de 17 países junto com os representantes da ONU e da União Europeia, pôs mais uma vez em evidência que a Síria se transformou em um campo de batalha na qual se dão as disputas das potências tradicionais e regionais.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quinta-feira 5 de novembro de 2015 | 00:05

Como era de esperar, a cúpula de Viena para negociar uma saída diplomática à guerra civil síria terminou com a convocatória a uma próxima cúpula. A reunião da qual participaram diplomatas e ministros de 17 países – entre eles os Estados Unidos, Rússia, França, Arábia Saudita e o Irã – junto com os representantes da ONU e da União Europeia, pôs mais uma vez em evidência que a Síria se transformou em um campo de batalha na qual se dão as disputas das potências tradicionais e regionais. E ainda, da reunião, que com mais pompa que otimismo se considerou o maior esforço diplomático para resolver a crise síria desde 2014, não participaram diretamente nem o governo de Assad nem representantes dos grupos opositores.

Além da internacionalização da guerra civil na Síria, a foto da cúpula mostrou a nova realidade geopolítica: pela primeira vez o Irã foi convidado a participar de uma negociação pública e estatal com os Estados Unidos e as grandes potências não relacionadas com seu programa nuclear. Também foi cenário da “guerra fria” regional entre a Arábia Saudita e o Irã.

Por sua vez, as potências europeias participaram ansiosas para encontrar uma solução política que detivesse as ondas de refugiados da Síria e em menor medida do Iraque e Afeganistão que chegam à União Europeia.

Em linhas gerais, a diplomacia expressou os alinhamentos que estão se dando nos campos militares: por um lado a Rússia e o Irã que trataram de sustentar Assad o maior tempo possível, ao menos durante as primeiras etapas de uma “transição negociada”, e por outro os Estados Unidos, a União Europeia, os Estados do Golfo e da Turquia que com distintas ênfases consideram que Assad deve sair do governo, ainda que no caso dos Estados Unidos sua prioridade seja derrotar o Estado Islâmico. Mas nem todos os atores chegaram igualmente à cúpula. Os Estados Unidos ficaram praticamente sem opções estratégicas válidas para derrotar o Estado Islâmico após o fracasso de sua política de “armar os rebeldes”. E contra a vontade expressa do governo de Obama, está deslizando em direção a uma política de envio das tropas ao Iraque e à Síria. Esse giro foi antecipado pelo Secretário da Defesa, Ashton Carter, na semana passada diante de uma audiência no Congresso ratificada pelo presidente norte-americano ao final da cúpula em Viena. De fato, na semana passada foi morto o primeiro soldado norte-americano em combate no Iraque durante uma operação para liberar 70 reféns curdos que o Estado Islâmico estava a ponto de executar.

Em contraste, a Rússia e o Irã fortaleceram sua posição, e por extensão a de Assad, a partir da decisão de Putin sobre a intervenção militar na Síria, que começou há exatamente um mês. Indubitavelmente os bombardeios russos, as tropas da Guarda Revolucionária do Irã e as milícias do Hezbollah fortaleceram o exército sírio. Assad não está em condições de “ganhar” a guerra, mas isolou por enquanto a perspectiva de queda iminente do regime, consolidando seus bastiões, não tanto frente ao avanço do Estado Islâmico, mas, sobretudo, fazendo com que retrocedam os grupos de “rebeldes” incluídos os moderados apoiados pelos Estados Unidos, Arábia Saudita, Turquia e Qatar.

Em linhas gerais, na guerra civil síria, se sobrepõem três grandes frentes de batalha: a disputa entre “Ocidente” e a Rússia, motivada pela debilidade dos Estados Unidos e pela necessidade de Putin de maquiar a crise da Ucrânia; a disputa entre a Arábia Saudita e o Irã, e por extensão o enfrentamento regional entre sunitas e xiitas; e o enfrentamento entre a Turquia e as frações radicalizadas do movimento nacional curdo, tanto no interior de suas fronteiras como na Síria.

Nem os bombardeios norte-americanos, nem os russos conseguiram debilitar qualitativamente o Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria. O governo dos Estados Unidos está tentando, até agora sem êxito, que o exército iraquiano lance uma ofensiva para retomar a cidade de Ramadi, sob o poder do EI desde maio desse ano. A motivação do Pentágono está na Rússia. Mas esse resultado está longe de ser alcançado, e o governo do Iraque, aliado do Irã, é reticente a brindar essa colaboração.

Essa situação em que há avanços e retrocessos parciais, mas nenhuma vitória definitiva no terreno também se expressa nas dificuldades dos Estados Unidos para encontrar uma saída diplomática, conciliando interesses contraditórios. Um elemento de crise adicional é que não está claro quem são os grupos opositores “moderados” que poderiam participar de um eventual regime de transição. Os EUA seguem sustentado o Exército Sírio Livre como sua principal opção. Mas o campo “rebelde” está fragmentado. Segundo a inteligência norte-americana, haveria 13 grupos de um tamanho considerável, mas mais de 1000 milícias e grupos locais, que abarcam um amplo arco político – laicos, islamistas, moderados e radicais.

A guerra civil síria é quiçá a expressão mais crua da derrota dos levantamentos da “primavera árabe”. Nos mais de quatro anos desde que começou deixou uma verdadeira catástrofe humanitária: 250 mil mortos e 11 milhões de desabrigados, a metade da população, dos quais 4 milhões fugiram do país. Mas tanto a intervenção norte-americana à frente da coalizão ocidental contra o Estado Islâmico, como a intervenção russa para sustentar o regime de Assad têm um caráter profundamente reacionário. O mesmo que as tentativas de estabelecer um “regime de transição” quando o esgotamento militar dos campos enfrentados assim o permitir.




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