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CINEMA | Setembro trágico de Woody Allen

Romero Venâncio Aracajú (SE)

sábado 3 de setembro de 2016 | Edição do dia

Woody Allen sempre foi mais conhecido no cinema pelas suas comédias românticas, com leveza satírica da vida americana, mais especificamente da cidade de Nova Iorque. Começou no teatro fazendo e escrevendo comédias nos anos 60 e veio para o cinema com uma bagagem invejável e madura esteticamente.

Escritor, roteirista, diretor, jazzista. Um artista quase completo e passagem definitivamente marcante pelo cinema. Porém, sempre foi considerado menor o trabalha mais dramático de Allen. Filmes como "A Outra" ou "Setembro" são sempre considerados menores e rejeitados pela critica mais especializada. Pessoalmente, acho equivocada ou de má vontade tal leitura. Woody Allen tem uma percepção da tragédia da vida urbana contemporânea nas suas mais diversas facetas que causa momentos raros de reflexão em qualquer ser humano de hoje. Problemas familiares, separações, envelhecimento, crises pós-40 anos, ter ou não filhos, os desejos frustrados e o sentimento de fracasso fazem parte do "universo trágico" de alguns filmes de Allen, principalmente na fase de maior influência de Bergman e seu cinzento e existencial cinema. Geralmente, vem de histórias simples e bem demarcadas num espaço delimitado e com personagens bem a altura da narrativa. Obviamente, são todos de temática para e sobre um público maduro. Isto não quer dizer que um jovem não compreenda este universo dos filmes de Allen, mas na casa dos vinte anos estas preocupações são bem menores ou até escamoteada, num ar tal como: "ainda não é meu problema", dizem alguns jovens. E tem razão, até certo ponto. Por isso, é raro um jovem antes dos vinte anos gostar deste cinema de Woody Allen, no máximo se aproxima das suas comédias românticas. Mas é preciso que seja um jovem um pouco mais informado que a média de sua geração. É que Allen faz filmes com um corte intelectual e citações estéticas que podem afastar o público mais jovem ou frustrá-los na compreensão de cinema Norte Americano que aprenderam a gostar.

Destaco aqui o filme "Setembro" (1987) que saiu recentemente em DVD. Trata-se de um filme impactante e soberbamente construido, com diálogos fortes num universo humano bem demarcado. Com interpretação brilhante de Mia Farrow. Sintetizando o enredo podemos dizer que o filme trata de relações humanas dolorosas e vividas por pessoas experimentadas na "arte de sobreviver a sofrimentos afetivos". Após um colapso nervoso, Lane (Mia Farrow), emocionalmente fragilizada, vive num casa de zona rural tentando se recuperar de um passado que parece não passar e do sentimento de fracasso de uma vida na casa dos 50 anos e solitária. O filme se passa todo em um final de semana de fim de verão (final de agosto e termina quando inicia setembro com seu frio inconfundível) onde estã o na casa a mãe de Lane e seu mais recente namorado uma amiga de longa data, um inquilino escritor que se evolveu com ela e um professor aposentado bem mais velho que ela e que tem um amor erótico/paternal por Laine. Aos poucos vamos percebendo que todos trazem em suas bagagens mais que roupas. Trazem seus problemas e frustrações bem humanas, até demasiadamente humanas. A mãe uma quase alcoólatra e muito cínica com a filha frágil e em recuperação; uma amiga frustrada com um casamente sem sentido e de vida burguesa tola; um publicitário que ser escritor e não tem clareza que escrever, vindo de uma separação dura e um professor aposentado/viúvo e solitário em busca de um amor-companhia para as "cinzas das horas". Está armado o drama. O filme tem um detalhe interessante: lembra por demais um recurso de Hitchcok no filme "Festim diabólico" (1948), todo ele se passa dentro de uma casa sem aparecer se que uma fresta do exterior. Mas o exterior todo em tensão esta dentro da casa pelo personagens e suas vivências dolorosas e reflexivas. Trata-se no conteúdo de um filme de forte influência de Ingmar Bergman. O tom existencial nos problemas é a marca. Com bem diz um dado momento um dos personagens: "Uns sobrevivem e outros se aniquilam com as tragédias". Epigrafe do filme e fio condutor da narrativa, tal frase. Temos um Woody Allen que trabalha respeitosamente com a dor alheia e com a fragilidade humana e sabe que "a nossa base esta assentada na fragilidade". Por fim, um toque tipicamente do cinema deste nova iorquino genial: a escolha das músicas. O jazz em particular e Cole Poter sempre. Quando uma das personagens coloca na vitrola "Night and day" de Poter, o filme ganha uma dimensão nova, tranquila e estoica. Como se nos alertasse: "as coisa estão no mundo, só que eu preciso aprender" (Paulinho da Viola). Um filme brilhantemente filosófico em chave existencial onde nos coloca defronte de problemas que mais cedo ou mais tarde todos e todas passaremos. Deste pão e desta água, ninguém diga que não comerá ou beberá. Será bem pior se assim o fizer.


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