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OPINIÃO | Sérgio Sampaio: Cruel é o mercado!

Sobre o álbum Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua do cantor e compositor Sérgio Sampaio

Fábio NunesVale do Paraíba

quarta-feira 23 de dezembro de 2015 | 09:00

A partir da biografia de Sérgio Sampaio, intitulada Eu Quero Botar Meu Bloco Na Rua, de Rodrigo Moreira Gomes, publicada no ano 2000, pretendo comentar o primeiro álbum deste compositor capixaba que conheceu o sucesso no começo dos anos 1970 e o isolamento nas décadas de 1980 e início dos anos 1990.

Em dezembro de 1968 é decretado o Ato Institucional n 5, o AI-5, que deu plenos poderes ao general Artur da Costa e Silva para prender, torturar e matar trabalhadores, militantes de esquerda, LGBT e artistas. O AI-5 significou uma intensificação da Ditadura Militar-Burguesa instituída em 1964 no Brasil para derrotar o movimento operário e garantir os interesses capitalistas no país e na América Latina. A partir de 1968 é repressão e censura prévia em escala industrial no café da manhã das famílias brasileiras. São os anos de chumbo nos porões das delegacias. A arte precisa passar pela sala do censor se quiser ir para rua. A polícia é crítica especializada e os artistas considerados perigosos para o regime ditatorial são presos, torturados e exilados. O AI-5 desbaratou o Tropicalismo, o Cinema Novo, O Teatro de Arena, o Teatro Oficina, a poesia e as canções de protesto. Toda a experimentação radical surgida nos anos 1960 foi aniquilada ou precisou se adaptar aos ventos autoritários dos generais.

Com este ataque profundo, a produção artística brasileira tentava se reconstruir no começo dos anos 1970 sob o governo do general Emílio Garrastazu Médici, um dos períodos de maior repressão e censura na história do país. Neste cenário absolutamente cinza e intolerável surge uma nova geração de músicos e compositores como Jards Macalé, Luis Melodia e Sergio Sampaio. Bastante influenciados pelo Tropicalismo e pela contracultura, são chamados de pós-tropicalistas.

Sérgio Sampaio era um drop-up, um jovem insatisfeito que no final de 1967 abandonou a família, o emprego e o Espírito Santo e foi tentar a vida no Rio de Janeiro. Assim como milhares de jovens na época, ele queria sair fora do sistema, pegar aquele velho navio e dar um rolê nas dunas da curtição. Na capital carioca o jovem compositor pobre habitou pensões precárias e repúblicas estudantis onde conheceu militantes de esquerda, hippies e ladrões. Testemunhou o movimento estudantil lutar e ser reprimido pela polícia no centro da Cidade Maravilhosa. De dia locutor de rádio e a noite poeta, Sampaio subia o Morro da Mangueira ou tocava seu violão nos botequins. Sampaio pediu esmola e dormiu na calçada.

Com a ajuda do cantor e compositor baiano Raul Seixas, na época um produtor musical, Sérgio Sampaio foi contratado como músico pela gravadora CBS em 1971. Raul incentivou sua produção e o apresentou ao universo artístico de uma grande gravadora. Em 1972 ele inscreve a canção Eu Quero Botar Meu Bloco Na Rua no Festival Internacional da Canção. A canção foi aplaudida pelas arquibancadas do Maracanãzinho, mas, como o Festival estava estrangulado pelos órgãos da repressão, as músicas com teor político foram eliminadas, e o Bloco de Sampaio, apesar de não ser uma típica canção de protesto, expressava um grito parado no ar que desejava explodir nas ruas. A canção não foi vitoriosa mas se transformou num sucesso com 500 mil cópias vendidas e enorme execução nas rádios.

Sérgio Sampaio agora é procurado por diretores e produtores. Da noite para o dia começou a ganhar muito dinheiro. Da calçada para o Programa do Chacrinha e isto o deixava cabreiro. O que estes empresários da cultura querem com um jovem compositor popular? Por que tantos elogios e tapinhas nas costas? Quanto as gravadoras e emissoras de TV ganham nestas jogadas? Sérgio Sampaio não queria ser usado pelo mercado musical. Desconfiança, sucesso, dinheiro, muita droga e desespero, Sérgio Sampaio não conseguiu administrar sua carreira conforme manda a etiqueta comercial.

O sucesso acarreta expectativas e cobranças. A gravadora Philips esperava outro sucesso como o Bloco e propôs a gravação de um LP. Com produção de Raul Seixas e apoio da banda Azymuth, Sérgio Sampaio gravou seu primeiro álbum intitulado Eu Quero Botar Meu Bloco Na Rua em 1973. O disco traz o jovem compositor com uma poesia intensa e visceral num clima de Terror de Estado, milagre econômico para os ricos e exasperação suicida.

Na primeira faixa, Leros, Leros e Boleros, a música, os acordes dissonantes, tangos e outras delícias estão na raiz do cabelo, no inferno, no seu sorriso de adeus. Por que tanta gente rindo numa época de desaparecidos e assassinatos? O Brasil ganhou a Copa do Mundo em 1970 no México e servia de pátio para a indústria automobilística. Feliz o país das torturas.

Filme de Terror, segunda faixa do disco, uma metáfora do governo Médici onde o sangue jorra e é preciso ter os olhos muito atentos e os ouvidos abertos. Quem sair de casa deixe os filhos com os vizinhos, passe a tranca e feche o trinco. Dentro da folia tem um filme de terror, acabou a festa tropicalista iluminada de sol. Agora é cine e cemitério.

Cala a boca, Zebedeu, de Raul G Sampaio, terceira musica do álbum, apresenta uma mulher determinada que não aceita as imposições do marido e decide ir para o Rio de Janeiro.

Pobre Meu Pai, quarta canção do LP, fala da infância e da juventude que não aceita o sufoco do Lar Doce Lar repressivo da tradicional família brasileira. Retrata a figura paterna que vigia o jantar e quebra os jovens corações de vidro. Patriarcalismo, medo, medo, medo.

Labirintos Negros, quinta faixa, uma paisagem onírica com edifícios da cidade moderna que escondem labirintos que aprisionam os que esperam a condução. Algo estranho esconde a sombra sob os pés descalços. Sobre o asfalto na Avenida larga os labirintos espalham nuvens cinzas de desesperança.

Eu sou aquele que disse, sexta faixa, com os dias contados e as mãos na cabeça. O jovem compositor quer as feras soltas diante da mesa e os cachorros soltos nos parques. Mesmo não estando em perigo o poeta pede abrigo neste inferno de desaparecidos e sucessos comerciais.

Viajei de Trem, sétima canção do disco é uma bad trip lisérgica pelo Brasil dos slogans e canções nacionalistas. Uma atmosfera de perigo e caminhos desconhecidos.

Na oitava faixa, Não tenha medo, não! (Rua Moreira, 65), o cantor pergunta se é possível esquecer o drama. A barra tá pesada e pode aliviar, ou não. O poeta mora longe e pode não chegar, não voltar.

Dona Maria de Lourdes, nona faixa, em pleno milagre econômico para as montadoras, Sergio Sampaio canta os automóveis que invadem a simples cidade enquanto o povo se arrasta. Flores escondidas, o auditório aplaudiu mas cuidado com a porta da frente. O auditório aplaude mas nas ruas se correr o pega e se ficar o bicho come.

Em Odete, décima música do disco, o poeta fica louco e rouco de tanto roer carne de pescoço desde um tempo antigo. Que maravilha! Bancários e automóveis.

A décima primeira faixa Eu Quero Botar Meu Bloco Na Rua é o hit que embalou toda uma geração sufocada pelo AI-5 e pelo governo Médici. O desejo de explodir nas ruas, de gritar.

Raulzito Seixas, última canção do álbum é uma homenagem ao amigo e cantor que veio da Bahia modificar o cenário musical com seus rock, balada e baião.

O resultado não agradou a gravadora Philips. Haviam alguns problemas sérios em torno desta obra e deste jovem cantor. O álbum não atingiu as expectativas de venda, não trouxe outro hit milionário como o Eu Quero Botar Meu Bloco Na Rua e Sérgio Sampaio não se adaptou às táticas promocionais para a divulgação e promoção do LP. Para alguns, Sérgio Sampaio jogou uma carreira de sucesso no ralo, para outros, foi mais um artista que não aceitou o papel de bobo da Indústria Cultural e pagou um preço caro por isso.

Chamado de maldito pelas gravadoras e emissoras de TV, entrou para a lista dos desafetos. Aos trancos, bar e barrancos gravou três compactos simples entre os anos 1974 e 1975. Pela gravadora Continental lança em 1976 seu segundo LP intitulado Tem Que Acontecer, sucesso de crítica mas um outro fiasco de venda. Sampaio faz shows em teatros pequenos e bares. Em 1977 lança outro compacto simples pela Continental e em 1982 lança o álbum Sinceramente, com produção independente.

O mercado musical queria algo alegre e fácil. Sérgio Sampaio, que era torto, muito louco, mas não idiota, foi devorado pelos lobos do entretenimento, posto de lado num mato sem cachorro porque não quis virar mais um Dr Paxeco da MPB reformado e engomado no Programa da Hebe ou do Faustão. Não tinha nos olhos o cifrão e o mercado é cruel.

No começo dos anos 1990, período de grandes derrotas da classe trabalhadora e um enorme avanço do neoliberalismo, Sérgio Sampaio tentava fugir deste seu desterro musical com alguns shows e possíveis lançamentos, mas sua saúde estava bastante debilitada devido aos excessos etílicos. No dia 15 de maio de 1994 seu corpo foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, Rio de Janeiro.


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