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DIRETO AO ABORTO ATACADO | Senador da bancada evangélica usa falso argumento “científico” para combater direito ao aborto

O Senador Magno Malta (PR – ES), membro da bancada evangélica, usa um falso argumento, não comprovado cientificamente, em seu texto de justificativa da PEC nº29/2015 - que proíbe o aborto em qualquer circunstância, mesmo as permitidas pela Constituição hoje: gravidez decorrente de estupro, risco de vida à mãe e anencefalia do feto.

Grazieli RodriguesProfessora da rede municipal de São Paulo

domingo 25 de junho de 2017 | Edição do dia

“Os enormes avanços na ciência registrados nos últimos 20 anos na fetologia e na embriologia, com o conhecimento do nosso DNA, vieram ressaltar a concepção como o único momento em que é possível identificar o início da vida humana.” – Magno Malta (PR-ES).

A Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado em breve apreciará o texto de justificativa, já com parecer favorável do relator Eduardo Amorim (PSDB – SE), porém com um grave erro no argumento que sustenta a PEC. Segundo um projeto de checagem de fatos, o Truco, da Agência Pública, que entrevistou especialistas, o texto destacado foi classificado como falso, pois, nos últimos 20 anos, a ciência não chegou à conclusão unânime de que a concepção é o único momento em que começa a vida.

A primeira questão colocada em xeque logo de partida pelos pesquisadores diz respeito às áreas de estudo mencionadas por Malta. “O que existe é a embriologia clínica e a medicina fetal. Fetologia é um termo que nunca usei em sala de aula, nem em minhas pesquisas”, diz Wellerson Rodrigo Scarano, professor de embriologia humana da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Scarano contesta também a afirmação de que “o conhecimento do nosso DNA” reforça a ideia da concepção como início da vida. “Essa justificativa é um pouco equivocada, pois você tem DNA onde não há vida. Por exemplo, ao pegarmos a ossada de alguém que morreu há algum tempo, se houver a preservação da molécula, há ali DNA que te traz informações, mas não necessariamente existe vida”, aponta.

A professora Estela Bevilacqua, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), explica que a manutenção da vida de uma célula depende de outras condições para além da existência do DNA. “É a funcionalidade a partir dele que faz uma célula ficar viva, respirar, se nutrir, trabalhar em conjunto, fazer um tecido. Ela depende do DNA obviamente, mas não é o DNA, são as proteínas que vêm depois e vão se especializando em funções específicas”, coloca.

E a discussão sobre o início da vida? Malta estaria correto ao declarar que a concepção é “o único momento” passível de ser considerado como o começo da existência de um ser humano? Os especialistas ouvidos pelo Truco são unânimes em destacar que a ciência tem formas diferentes de identificar o instante em que a vida humana se inicia, o que torna a afirmação do senador equivocada, pois não há uma que seja encarada como verdade absoluta.

Neurologicamente, isso ocorre quando “o sistema nervoso passa a ter capacidade de resposta ao meio ambiente”, o que, segundo Bevilacqua, aconteceria entre o fim do segundo e o começo do terceiro mês de gestação. Do ponto de vista genético, basta haver fertilização – isto é, o encontro entre espermatozóide e óvulo com a combinação de seus genes – para que exista um novo indivíduo com conjunto genético único. Já para a embriologia, é necessário que aconteça a gastrulação, processo em que, por volta da terceira semana de gravidez, o embrião passa a ter três camadas de células. “É o momento em que surge a individualidade daquele embrião, que começa a ter identidade própria”, pontua Bevilacqua.

“Vamos dizer que ele [Magno Malta] defenda a ideia de que concepção é a fecundação, o encontro do espermatozóide com o óvulo. Isso não inicia a vida humana, porque ela não existe sem a placenta. Se esse zigoto não se implantar [no útero da mãe] – o que acontece o tempo todo, não sabemos nem a frequência, pois é algo espontâneo – não tem vida humana”, ressalta a também professora do ICB-USP, Irene Yan.

Estima-se que mais de 50% dos óvulos fecundados não resultem em embriões por várias razões: incapacidade de se implantar no útero ou problemas genéticos que impedem seu desenvolvimento são algumas delas. Em outras palavras, “nem sempre, quando há um zigoto, há a formação de um indivíduo”, frisa Scarano. Há ainda uma outra questão na qual esbarra a teoria de que a fecundação (ou concepção) inicia a vida: um zigoto pode sofrer divisões a caminho do útero e dar origem a mais de um indivíduo.

A menção à embriologia na justificativa da PEC foi, na visão das professoras da USP, uma tentativa de “jogar com as palavras” para conferir credibilidade à tese defendida pelo senador. “É uma proposta estritamente baseada em preceitos filosóficos, religiosos, na qual Magno Malta tentou introduzir embasamento científico que não procede. A embriologia não está interessada em dizer quando começa a vida; para nós, espermatozóide e óvulo já são células vivas que vão formar uma célula viva diferente e assim por diante”, esclarece Yan.

Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), concorda que a matéria de autoria de Malta recorre à ciência para fundamentar um ponto estritamente religioso. “Se o senador Magno Malta defende esta posição, perfeito. O que ele não pode é definir isso para todo mundo, porque tem gente que pensa de maneira diversa”, salienta.

De acordo com o médico, caso aprovada na Câmara e no Senado (precisa ser votada ao menos duas vezes em cada Casa), a PEC inviabilizará de vez o atendimento às mulheres que por lei têm direito ao aborto – serviço que já funciona de maneira pouco eficiente, como demonstrou reportagem da Agência Pública de maio de 2014. “Isso é uma injustiça. Você vai obrigar a mulher que engravidou em decorrência de violência a ter um filho; vai obrigar a mulher que está em risco de vida em função da gravidez a piorar sua condição e vai obrigar uma mulher grávida de um feto anencéfalo a levar a gestação até o fim, sendo que o feto não tem nenhuma perspectiva de vida extrauterina”.

Ao ser comunicado de que o trecho checado havia sido classificado como falso, Magno Malta se deu o trabalho de escrever uma resposta onde volta a dizer que a “vida começa na concepção”, afirmação já contestada pelos pesquisadores entrevistados pelo Truco. Também usou 12 citações de pesquisadores ou trechos de livros, dos quais 11 têm mais de 20 anos – ou seja, deixam de fora análises das últimas duas décadas sobre o tema. “O problema está no conceito do que é vida, e não na ideia de que o zigoto é o primórdio do ser humano. Conceituar o zigoto como vida humana é diferente de considerá-lo como primórdio do ser humano”, reafirmou Scarano, da Unesp, ouvido novamente.

O argumento falso do Senador e da Bancada Evangélica para fazer passar mais um Projeto de Lei que ataca a vida das mulheres e impõe um retrocesso ainda maior nos nossos parcos direitos, nos rouba nosso direito ao corpo e faz manutenção do altíssimo e escandaloso número de mulheres mortas por abortos clandestinos nesse país e em todo mundo - cada 9 minutos uma mulher morre em decorrência de realização de aborto clandestino e mais de 1 milhão por ano em todo país e seguem sendo as mulheres negras pobres a maior parcela desses números. As mãos do Senador Magno Malta, de toda Bancada Evangélica que querem fazer passar essa PEC absurda seguem sujas do sangue da morte dessas mulheres.

É criminoso que o Parlamento se levante, em meio a tantos ataques já dados a vida dos trabalhadores e em especial das mulheres, para obrigar que as mulheres sigam uma gestação quando foram violentadas sexualmente, quando o fruto dessa gestação serão crianças em estado vegetativo sem qualquer condição de viver plenamente e condenando essas mulheres a uma vida toda de cuidados – inclusive dos quais o Estado se isenta através da precariedade de todo sistema de saúde ou mesmo quando as próprias mães correm risco de morrer durante a gestação e no parto. Não podemos deixar mais essa emenda reacionária recair sobre nós, mulheres e trabalhadoras!

Lutemos não só pelo fim dessa PEC absurda e reacionária, que concentra no seu conteúdo o que há de mais sujo nessa sociedade machista e patriarcal e nesse governo machista que pouco se importa com a vida das mulheres, mas também por educação sexual para que toda mulher possa decidir, contraceptivos gratuitos para não abortar, aborto legal, livre, seguro e gratuito para não morrer. Essa luta pode ser vencida pela organização independente das mulheres, unificando estudantes, trabalhadoras e toda a classe trabalhadora, mobilizando centenas de milhares em defesa de nossas vidas e de nossos direitos.




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