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DEBATE | Sanders: um socialista no partido democrata?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quinta-feira 11 de fevereiro de 2016 | 00:00

Muitos brasileiros que acompanham a política dos Estados-Unidos têm ficado, justamente, espantados com o fato de um dos candidatos das primárias do partido democrata se autonomear “socialista”. Bernie Sanders, este surpreendente candidato democrata, é um fenômeno na Internet e nos debates entre a esquerda em todo mundo, inclusive aqui.

O interesse por conhecer este candidato tem aumentado ainda mais com sua vitória nas primárias de seu partido no pequeno e próspero estado de maioria branca de New Hampshire depois de empatar com Hillary Clinton no estado branco e rural de Iowa. Nos EUA, tanto o partido republicano como o democrata realizam primárias, eleições em cada estado, para determinar os delegados a um congresso partidário que junto a “superdelegados” (não votados) determinam quem será o candidato presidencial. As primárias se estenderão até metade do ano.

O Esquerda Diário publicou um breve vídeo sobre as primárias naquele país, mostrando um populismo crescente à esquerda e direita, e com breves críticas a este candidato. Alguns leitores questionaram algumas críticas daquele vídeo.

Não há dúvida que os candidatos dos Republicanos, como o evangélico ligado ao Tea Party Ted Cruz, nem falar o xenófobo e racista Donald Trump, são excrecências reacionárias de um sistema bipartidário em crise, e são a representação dos setores mais antioperários e direitistas do capital financeiro. Entretanto, esta conclusão não deve servir para ocultar os vínculos existentes entre Sanders (muito menos de Clinton) e o establishment norteamericano, suas guerras e sua classe dominante. Isto seria funcional apenas para impedir o surgimento de alternativas verdadeiramente anticapitalistas e socialistas que impulsionem a organização dos trabalhadores das mulheres e da juventude contra este sistema político que nem mesmo Sanders está disposto a abandonar.

Queremos neste artigo mostrar algumas condições da luta de classes nos EUA que permitem um candidato supostamente socialista se tornar viável e ao mesmo tempo expor como seu histórico de relação com os democratas e de apoio a operações militares imperialistas demonstram claramente como Sanders é uma expressão distorcida das grandes novidades sociais e políticas que tem marcado aquele país bem como é funcional a conduzi-las para dentro do maior “sepultador” dos movimentos sociais nos EUA, o partido democrata.

Crise econômica, Occupy, Black Lives Matter, luta pelo salário mínimo: a terra de Disney também protesta

A visão corrente dos EUA é de um país sem luta de classes. Um país dos filmes de Hollywood, de parques de diversão da Disney, terra do sucesso individual e da fortuna. No entanto desde a crise de 2008 a desigualdade social que já vinha crescendo estourou, o número de sem-teto multiplica-se bem como os desempregados, ou subempregados que mesmo trabalhando não conseguem alcançar o salário mínimo. Empresas e bancos quebraram ou foram salvas pelo governo Obama, entre elas a gigante GM que está demitindo trabalhadores brasileiros neste momento.

Produto desta situação o gigante imperialista tem expressado uma polarização política e social, com mostras a direita e à esquerda, o que se expressa inclusive nesta eleição. À esquerda, vimos o surgir de um grande movimento de juventude que se voltava contra símbolos do capitalismo financeiro e questionavam a desigualdade, tomando como lema “somos os 99%” contra o 1% que detém a maior parte das riquezas e atenção do Estado imperialista. Este era o movimento Occupy, sendo o mais famoso o Occupy Wall Street.

A luta dos negros denunciando a violência policial e o racismo persistente mesmo com a eleição de um primeiro presidente negro, Obama, deu um salto nestes anos. Os protestos isolados viraram um grande movimento nacional depois do assassinato de Mike Brown em, Ferguson, Missouri, que se disseminou com os assassinatos de Eric Garner e Freddie Gray, também pela polícia racista norteamericana. Gerando um movimento que ficou conhecido como #Blacklivesmatter (“a vida dos negros importa”).

Os questionamentos das desigualdades sociais expressas no movimento Occupy também reverberam em paralisações de trabalhadores de fast food que lutavam pela implementação do salário mínimo por hora de trabalho de 15 dólares, o dobro do mínimo nacional. Conquistaram este valor em diversas redes de alimentação em várias das principais cidades do país. Esta luta também se expressou em projetos de lei aprovados em diversas cidades e estados, e inclusive plebiscitos que aumentaram o salário em estados com histórico republicano (tais como Alaska, South Dakota, Arkansas e Nebraska). O próprio Obama se viu obrigado a pronunciar-se favorável ao aumento do salário mínimo federal congelado a 9 anos.

Estas são algumas das bases à esquerda na luta de classes nos EUA que se expressam em um amplo apoio de jovens e trabalhadores com salários baixos à candidatura de Sanders, que levanta em sua campanha demandas sociais como o aumento gradual do salário e a paridade salarial entre homens e mulheres. Porém Sanders, como mostraremos, não só tem um longo histórico de apoio a posições imperialistas como serve para conduzir estas aspirações para dentro do maior “sepultador” das aspirações das massas nos EUA, o Partido Democrata.

Partido Democrata sepultador de aspirações das massas

O sistema político americano é marcado por séculos por um bipartadarismo determinado por leis que dificultam a eleição de candidatos que não sejam republicanos ou democratas. Desde meados dos anos 60, em uma inversão histórica de seus papéis, os democratas passaram a discursar como o partido dos trabalhadores e das minorias, apesar de seu histórico racista e escravocrata, e os republicanos assumiram este lugar político. Ambos, sempre representaram os interesses dos grandes negócios imperialistas, e sempre foram financiados, ambos, pelos maiores monopólios ianques.

Apesar deste histórico de representar os mesmos interesses estratégicos, os democratas várias vezes aparecem como uma resposta a anseios dos trabalhadores e das minorias, porém, os conduzem à paralisia e cooptação. Assim fizeram com o “movimento pelas liberdades civis nos 60”, com o movimento gay dos 80, com movimento de mulheres, e recentemente com a eleição de Obama fortemente marcada pela aspiração do fim das guerras imperialistas e fechamento da prisão de Guantanamo. Obama não só continuou as operações, não só mantém presos em Guantanamo, como inaugurou a modalidade terrorista dos ataques com drones.

É por este partido que Sanders está concorrendo. E não só está concorrendo e conduzindo as aspirações que seus votantes expressam como já declarou que apoiará a provável vencedora das primárias Hillary Clinton caso perca. Hillary, primeira-dama de Clinton, senadora por Nova Iorque e ex-Secretária de Estado de Obama, representando a fina-flor do establishment americano.

Um longo histórico de apoio aos democratas, e mais que isto ao imperialismo ianque

Bernie Sanders foi deputado pelo pequeno estado do nordeste americano de Vermont por 16 anos. É, já há 10 anos é senador pelo mesmo estado. Até 2015 Sanders figurava como “independente”. No entanto, há muitos anos sempre contou como parte da bancada dos democratas dentro do Congresso, assumindo cargos em comissões como parte da bancada. Seu histórico de votações também é de apoio a muitas das medidas dos democratas e seus governos, mas mais que a filiação partidária, recente, Sanders exibe longo histórico de apoio ao imperialismo ianque.

Este apoio às operações militares de seu país é ocultado por sua campanha e seus apoiadores que tentam pintá-lo à esquerda, utilizando-se de sua oposição à invasão do Iraque em 2003. No entanto, dois anos antes, o mesmo Sanders havia votado a favor da resolução conhecido como “Autorização do Uso de Força contra o Terrorismo” que levou à invasão do Afeganistão e segue autorizando todos ataques com drones em todo planeta.

Mesmo tendo sido contrário à invasão do Iraque em 2003 e as medidas de restrição às liberdades individuais de Bush, o “Ato Patriótico”, Sanders votou a favor do financiamento à mesma guerra que ele havia sido contrário. Ou seja, manteve apoio aos créditos de guerra das invasões ao Afeganistão e ao Iraque.

Esta não foi o único apoio de Sanders à guerras imperialistas. Durante a guerra do Golfo, foi firme sustentador das sanções econômicas ao Iraque, e o primeiro bombardeio da OTAN em 1992 no país. Apoiou o bombardeio da Sérvia nos anos 90, e por isto chegou ter seu escritório ocupado por movimentos anti-guerra, bem como apoiou as operação no Haiti, na Somália, e é um ativo apoiador do Estado terrorista de Israel, votando em 2006 a resolução HR921 [HRs são projetos de lei apresentados no Senado] em respaldo a Israel contra o Líbano, e a HR4681 que impõe sanções a Gaza depois do triunfo do Hamas, além de ser favorável aos massacres recorrentes contra os palestinos. Hoje, o carro-chefe da política externa de Sanders não se diferencia tanto das propostas Republicanas: que os aliados regionais dos EUA no Oriente Médio "se apliquem mais" nos bombardeios na Síria contra o Estado Islâmico, uma política eminentemente imperialista, quer se goste de sua figura eleitoral ou não.

Imperialista na política externa, progressista e socialista na política interna?

Buscamos mostrar brevemente neste artigo como Sanders tem um longo histórico de posições favoráveis ao imperialismo. Também argumentamos que ele é funcional ao establishment dos EUA ao conduzir as aspirações de seus votantes para dentro do partido democrata, que sempre atuou como “sepultador” dos movimentos sociais naqueles país. E o próprio Sanders já declarou que apoiará Hillary Clinton caso ela ganhe. Em um próximo artigo mostraremos como há elementos que podem ser entendidos como progressistas em algumas de suas propostas, porém todos eles marcados por este movimento de conduzir as aspirações crescentes de setores das massas americanas para dentro do Partido Democrata e da secular democracia burguesa estadunidense.




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