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“Rosa Luxemburgo foi parte de um mesmo marxismo com Lênin e Trótski e vamos batalhar por essa leitura no Brasil” - entrevista com Diana Assunção

“Rosa Luxemburgo foi parte de um mesmo marxismo com Lênin e Trótski e vamos batalhar por essa leitura no Brasil” - entrevista com Diana Assunção

Entrevistamos Diana Assunção, dirigente do MRT, historiadora e autora do prólogo do livro “Rosa Luxemburgo - Pensamento e Ação” de Paul Frolich em sua edição em português pelas Edições ISKRA e Boitempo Editorial. Nesta entrevista feita por Mariana Duarte abordamos o conteúdo do curso “O Marxismo de Rosa Luxemburgo”, ministrado em 4 aulas no campus virtual do Esquerda Diário, totalizando 7h30 de material agora disponível integralmente no YouTube do Esquerda Diário.

Vimos que o curso contou com mais de 800 inscritos e após seu término o Esquerda Diário recebeu diversas mensagens de agradecimento pelo seu oferecimento. Qual a importância de resgatar o pensamento da Rosa neste momento?

Bom, para mim foi uma felicidade muito grande ver a quantidade de pessoas que se interessaram por estudar o marxismo da Rosa Luxemburgo. Isso porque realmente é de uma importância muito grande para nós do Esquerda Diário resgatar o marxismo revolucionário dessa mulher que foi, como já sabemos, uma das maiores dirigentes revolucionárias da história. No marco de uma crise capitalista de proporções históricas e da necessidade urgente em apresentar uma saída revolucionária de ruptura com o capitalismo para o conjunto da humanidade, retomar o marxismo de Rosa Luxemburgo só pode se tratar de uma tarefa bastante fundamental. E eu tive um objetivo bem particular com esse curso que era o de combater a visão predominante na intelectualidade brasileira de que a Rosa teria sido uma rival de Lênin, até mesmo “anti-bolchevique”, numa leitura que busca suavizar as posições de Rosa para transformá-la em um produto aceitável para o reformismo. No Brasil tentam separar Rosa, Lênin e Trotski, no nosso curso argumentei teoricamente porque isso é uma construção política de anos que é preciso ser desconstruída.

Por isso, ao longo de todo o curso eu tentei ir traçando as principais polêmicas que a Rosa desenvolveu em vários momentos da história da sua vida e da luta da classe operária internacional. Como ficou claro ao longo do curso inclusive, a Rosa tinha uma concepção internacionalista da revolução extremamente profunda, o que a levou a que desenvolvesse opiniões, artigos e polêmicas a partir de processos da luta de classes em diversos países, não somente na Alemanha, que foi onde ela militou a maior parte da sua vida. Esse aspecto internacionalista do pensamento dela, fica claro a partir da sua própria biografia, que eu na primeira aula busquei apresentar de uma forma resumida, apresentando quais foram os principais acontecimentos e obras que ela desenvolveu, que por si só já permitiriam com que a gente pudesse desenvolver vários debates sobre. Isso porque a Rosa desde muito jovem dedicou a sua vida para a transformação socialista da humanidade. Ela era praticamente uma adolescente quando começou a militar de forma organizada e desde então já tinha uma personalidade política e avidez teóricas impressionantes. Inclusive, nesta primeira aula, eu busquei aprofundar nos principais elementos da polêmica que ela desenvolveu com o Bernstein, que naquele momento era um dos maiores teóricos da social-democracia alemã, quando ela tinha apenas 23 anos e que se condensam nos artigos que resultaram na obra “Reforma ou Revolução”. Foi uma batalha bastante impressionante que ela travou contra o revisionismo do Bernstein, em defesa do materialismo histórico dialético. Isso porque, como aprofundamos na aula, o Bernstein estava literalmente negando teoricamente o legado de Marx e Engels, colocando que o capitalismo havia superado a sua fase de crises e que por conta disso seria possível atingir o socialismo de forma pacífica e gradual. É a partir disso que a Rosa dá um combate fortíssimo defendendo que a luta pelas reformas sociais, deveria estar intrinsecamente conectada com a luta pelo “fim último”, ou seja, pela revolução social, única forma de destruir o Estado capitalista. Essa batalha da Rosa no interior da social democracia alemã foi importante justamente porque se tratava de um combate à uma generalização teórica que o Bernstein havia feito, mas que de fundo era um combate à atuação prática da social democracia, que já naquele momento tinha como centro as batalhas táticas no parlamento e nos sindicatos, se separando do objetivo pelo seu “fim último”, pela revolução. Ou seja, se tratou de uma luta teórica que teve um sentido preparatório para toda uma batalha contra o oportunismo e o revisionismo que Rosa iria travar no interior daquele partido.

E bom, para além dessa importância teórica bem fundamental, se trata de um debate extremamente atual pensando que está totalmente na ordem do dia o debate acerca do papel da luta pelas reformas na luta pelo socialismo.

Sim, com toda a certeza. Inclusive, ao longo do curso vimos que você buscou também abordar algumas das diversas polêmicas em torno do legado de Rosa para a atualidade, um legado que ainda está em disputa. Porque isso?

Bom, considero que retomar o legado da Rosa como uma marxista revolucionária, que dedicou toda a sua vida na luta pela revolução socialista é muito fundamental, porque vemos que hoje são diversas as tentativas de deturpar esse legado, buscando fazer com que ela apareça como parte de uma espécie de “socialismo democrático” ou “socialismo humanizado” em oposição ao legado de Lênin, Trótski e dos bolcheviques, que a partir desta concepção seria algo “totalitário”. Mas também há leituras de que ela era anarquista, contra partidos, e tem até stalinistas reivindicando o legado dela como se a Rosa, uma das maiores dirigentes internacionalistas que já existiu, tivesse algo a ver com a degeneração do marxismo revolucionário que foi o stalinismo.

Minha tentativa durante todo o curso foi justamente de mostrar que, independente das divergências que tinha, a sua defesa incondicional sempre foi a da ditadura do proletariado, ou seja, da democracia das massas em oposição a todo tipo de revisionismo e oportunismo. Essa visão inclusive de que a Rosa era anarquista, no curso a gente discute como era uma “acusação” que vinha do fato de que ela desenvolveu uma defesa impressionante do legado do Engels, que foi deturpado pelos principais dirigentes da social democracia alemã na época, e que está contido na segunda aula, no debate que ela elabora sobre a greve de massas, após a experiência da Revolução Russa de 1905. Esse panfleto que ela escreveu, o “Greve de massas, partido e sindicato”, é parte bastante importante das elaborações teóricas sobre a Revolução Russa de 1905, e é o que muitos se apropriam de forma deturpada de que ela era “anarquista”, porque ela defendeu como método de luta essencial a greve de massas do proletariado na sua luta pelo poder, como parte de uma luta que não permite uma separação entre o econômico e o político e que, novamente, se trata de um debate muito atual se pensarmos na existência hoje, numa quantidade imensamente maior, das burocracias sindicais no seio do movimento operário. Essa luta da Rosa contra as burocracias é parte do seu legado revolucionário, e é também o que muitas vezes leva a que setores a coloquem como “anti-partido”, o que, como vemos no curso, não se sustenta, já que ela foi parte da fundação de vários partidos ao longo da vida, mas que tem sua raiz no fato de que ela deu uma batalha a morte contra as direções burocráticas do movimento operário alemão que buscavam a todo custo afundar qualquer movimento espontâneo dos trabalhadores que surgisse. Mas, como vemos principalmente nessa segunda aula, essa visão acabou levando a que ela visse que o movimento espontâneo por si só se tratava de um movimento revolucionário, o que é parte dos aspectos de divergência que ela teve com Lênin, e com Trótski também após a revolução de 1917.

Vimos como é parte dos objetivos do curso mostrar que Lênin, Rosa e Trótski fazem parte de um mesmo marxismo. Neste sentido, como poderíamos aproximar e distanciar o pensamento dos três?

Sim, isso com certeza é parte dos meus objetivos com o curso e para responder mais profundamente essa pergunta vai ser necessário acompanhar as aulas que agora iremos disponibilizar para todos no canal do YouTube do Esquerda Diário, a luz inclusive de toda a homenagem que estamos fazendo neste mês de agosto ao legado de Trótski, há 80 anos de seu assassinato pelo stalinismo.

Durante todo o curso eu busquei pegar de maneira bastante objetiva onde estavam as divergências, que de fato existiam, em quais momentos elas se expressaram e como também, em parte foram superadas. Isso porque o debate entre os revolucionários da época era algo vivo e latente e profundamente necessário e essencial. Foi a partir de uma luta política intensa que os bolcheviques puderam chegar nas melhores conclusões, sob a direção de Lênin e Trótski, para fazer a revolução em 1917. Esse legado de debates teóricos e políticos profundos é parte também do que é importante resgatar da experiência da Rosa.

Mas para colocar alguns elementos que abordam essa questão do que aproxima e distancia o pensamento desses 3 revolucionários, é importante ver que todas as batalhas que a Rosa deu em vários momentos da sua vida, confluem com parte bastante fundamental das visões expressas por Lênin e Trótski. Toda a luta contra o oportunismo do Kautsky por exemplo, que a gente aborda mais profundamente na terceira aula, é parte de uma luta para que o centro de gravidade da social democracia alemã naquele então, se voltasse para a luta de classes, e não para a conquista de postos no parlamento, como era o que propunha Kautsky e o que de fato ocorreu. O próprio debate acerca do caráter da Revolução Russa de 1905, foi algo que num primeiro momento aproximou bastante a Rosa e o Trótski e depois, em 1917, o Lênin. Essa questão inclusive é bastante profunda e nas aulas eu tentei resgatar de uma forma mais clara. A construção de um partido cujo centro de gravidade fosse a luta entre as classes, a luta pela ditadura do proletariado contra o revisionismo teórico, contra as burocracia partidária e sindical eram os aspectos fundamentais que uniam os três, tanto que em 1917, a Rosa foi uma das maiores entusiastas dos bolcheviques e da Revolução. Aí depois lá no curso vamos ver que existia um debate acerca das questões de organização partidária, o lugar da espontaneidade, as tarefas da revolução e depois, em 1917, após a Revolução Russa, questões de crítica duras a forma como os bolcheviques estavam conduzindo o Estado operário que separam Rosa de Lênin e Trótski. E, na verdade, a diferença que cobrou um preço maior foi em relação a qual deveria ser o partido a dirigir as massas, já que Lênin sempre levantou a necessidade de um partido de vanguarda, enquanto Rosa, durante boa parte de sua vida militante, defendeu uma visão diferente, de um partido que era em si mesmo o movimento da classe, o que a levou a tardar muito em romper com a social democracia alemã, mesmo após a votação dos créditos de guerra durante a I Guerra Mundial, um erro que teve sua conclusão mais visível na Revolução Alemã alguns anos depois.

Para finalizar, em algumas palavras, como você acha que o curso pode contribuir para tirarmos as lições para a atualidade do pensamento de Rosa?

Bom, como fui colocando em vários momentos, retomar o marxismo da Rosa, nos deixa um legado extremamente rico para os que, como nós do Esquerda Diário e do MRT, queremos atuar hoje no sentido da luta pela revolução socialista e esse curso de mais de 7 horas sobre o pensamento da Rosa está a serviço disso.

Por isso a importância de distanciar a Rosa dessas deturpações que a colocam como algo a parte, por fora desse legado de luta que tem sua principal expressão na Revolução Russa de 1917. Inclusive é preciso dizer que atualmente a intelectualidade no Brasil difunde muito mais as críticas de Rosa sobre a Revolução Russa para justamente coloca-la como anti-bolchevique, do que toda a rica elaboração e experiência de Rosa na Revolução Alemã de 1919 onde nos últimos dias de sua vida Rosa se aproximava fortemente da concepção de Lenin e também de Trotski. No curso busco resgatar toda a experiência da complexa Revolução Alemã para mostrar o problema das discussões sobre espontaneidade e consciência, partido de vanguarda e partido de massas e sobre a arte da insurreição.

Hoje, mais do que nunca sabemos que o capitalismo continua sendo uma “suja prisão” como dizia Trótski, um modo de produção que explora a classe trabalhadora em função do lucro de uma pequena minoria de parasitas, assim como sabemos que para destruirmos esse sistema, é necessária uma revolução operária e socialista que abra espaço para o novo mundo.

Hoje no Brasil, diante do reacionário governo Bolsonaro e Mourão, não temos a existência de um partido revolucionário que seja capaz de levar a frente essa tarefa. O que vemos é que a maior parte da classe trabalhadora é dirigida pelo PT, um partido que durante anos geriu o capitalismo e que se trata de um verdadeiro obstáculo material para a luta dos trabalhadores. Por outro lado, vemos a existência do PSOL, um partido de tendências, que possui uma direção que busca se aproximar cada vez mais do PT e que não tem como centro de gravidade de sua atuação e política a luta de classes, mas a busca por mais posições no parlamento.

Para além disso, como já apontei antes, o peso das burocracias nos sindicatos aumentou exponencialmente, o que só reforça a necessidade da construção de uma força material que possa se enfrentar com elas. Vimos como os últimos processos de luta de classes, no Chile e mais recentemente nos EUA, só reafirmaram a questão de que a ação espontânea das massas por fora de um partido previamente construído com o objetivo da revolução, não é suficiente.

É a luz dessa situação que queremos retomar todo o legado revolucionário de Rosa Luxemburgo, um verdadeiro exemplo para toda essa nova geração de mulheres que se levantam em todo o mundo, uma dirigente revolucionária que lutou até o fim pelo “fim último” do socialismo. Esperamos que esse curso seja polêmico e apresenta uma nova visão sobre Rosa Luxemburgo no Brasil e que sirva para as novas gerações para fortalecer o nosso marxismo revolucionário de hoje que é sintetizado através do trotskismo como corrente mais viva das ideias de Trótski, Lênin e Rosa Luxemburgo.

Confira aqui as aulas:

Aula 1: Introdução biográfica sobre Rosa Luxemburgo - Reforma ou Revolução

Aula 2: Questões de organização da social-democracia Russa e o debate espontaneísmo ou organização. 1905 e Greve de massas, partido e sindicatos

Aula 3: Karl Kautsky e as duas estratégias: aniquilamento e desgaste

Aula 4: 1° Guerra Mundial e Fundação da Liga Spartakus. Revolução Russa e Revolução Alemã e as lições de Rosa Luxemburgo para a atualidade.


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