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Arquivo ED | Revolução Russa: a violenta irrupção das massas para um governo de seus próprios destinos

Republicação nos 106 anos da Revolução Russa. A Revolução Russa mostrou ao mundo que quando os trabalhadores atuaram como classe para si, estabelecendo organizações como os soviets e com um partido dirigindo a vanguarda, estabelecendo inclusive uma aliança com outras classes sociais, eles protagonizaram o episódio mais importante da história da humanidade.

quarta-feira 7 de novembro de 2018 | Edição do dia

A história da humanidade é a história da luta de classes, como anunciou Marx no Manifesto Comunista. Os grandes saltos históricos ocorreram quando as classes intervêm como tal. Na Antiguidade, as rebeliões dos escravos; na Idade Média, as revoltas camponesas; a burguesia, nas grandes revoluções do século XVIII; e no capitalismo, a classe trabalhadora.

A Revolução Russa mostrou ao mundo que, quando os trabalhadores atuaram como classe para si, estabelecendo organizações como os soviets e com um partido dirigindo a vanguarda, estabelecendo inclusive uma aliança com outras classes sociais, eles protagonizaram o episódio mais importante da história da humanidade.

Nas últimas décadas, com o triunfo do neoliberalismo, a burguesia impôs uma ideologia onde o progresso é alcançado através do esforço individual, através da ascensão social que cada um pode fazer. Os chamados governos pós-neoliberais, além dos discursos, não mudaram substancialmente essa ideologia. Mas isso nem sempre foi assim e não é algo eterno, como mostram as revoluções ao longo da história. A Revolução Russa mostrou que, quando os trabalhadores interviram como uma classe, através da criação de seus próprios organismos, se obtiveram avanços inéditos na vida cultural e material de todo o povo, impossível de alcançar em qualquer país capitalista através do esforço individual.

1917: O ano que mudou a história da classe trabalhadora

Três anos se passaram desde o início da Primeira Guerra Mundial, que criara sofrimentos acima do habitual e, também, as condições para a revolução. Um processo de greves e manifestações se agudizou como resultado do desgaste da guerra. A insurreição começou em 23 de fevereiro do calendário russo (8 de março), no Dia Internacional da Mulher, quando as trabalhadoras de várias fábricas em Petrogrado entraram em greve com o grito de "derrubar a autocracia!” "abaixo a guerra! " e foram seguidas pelos trabalhadores do bairro de Viborg, liderados principalmente pelos bolcheviques. Dias depois, o czar Nicolau II renunciou ao trono do Império Russo. Doze anos após a primeira revolução em 1905, aquele país ressucitou o Soviete de Petrogrado, um corpo composto de delegados operários e soldados (na sua maioria camponeses armados pela guerra), e a greve foi generalizada a todas as fábricas. A revolução se expandiu para Moscou e o resto da Rússia.

Nesse primeiro momento da revolução, os sovietes estavam nas mãos de dois partidos que buscavam se reconciliar com a burguesia, os socialistas revolucionários e os mencheviques. Ambos consideravam que a revolução naquele momento devia ser burguesa por causa das tarefas que tinha que realizar. Os bolcheviques eram uma pequena minoria. Trotsky explica que a Revolução de Fevereiro apresentou um paradoxo, porque as massas (trabalhadores, militantes bolcheviques e soldados) tinham protagonizado a insurreição sem qualquer partido prepará-la. Os soviets tinham poder, mas estes, sendo dirigidos por partidos conciliadores, entregavam o poder à burguesia. Assim, duas instituições com características muito diferentes emergiram: o Governo Provisório, o órgão político da burguesia e dos latifundiários, e os sovietes, órgãos de governo dos trabalhadores, camponeses e soldados. Na Rússia, então, havia uma situação de "duplo poder", dois poderes irreconciliáveis, como os interesses das classes que representavam.

Os socialistas-revolucionários e mencheviques, que lideravam os sovietes, tinha a estratégia de subordinar o poder burguês em busca de uma aliança com a burguesia liberal. Um mês e meio se passaram desde a revolução e a guerra continuou, apesar da demanda por "paz" das massas. Entre os líderes do Partido Bolchevique que estavam na Rússia naquele momento inicial, Stalin (1) e Kamenev (2), primava a confusão e estes impuseram uma linha e apoio crítico ao Governo Provisório. Seus líderes mais experientes estavam no exílio. Somente em 3 de abril, Lênin pôde retornar a Petrogrado e mudar a estratégia do partido: era necessário enfrentar o governo provisório e conquistar a maioria da classe trabalhadora e dos soviets. Se estes rompíam com a burguesia, eles poderiam ser não só organismos de auto-organização, mas "a única forma possível de governo revolucionário" e a base para a construção de um novo Estado. A situação do "duplo poder" não podia ser mantida por muito tempo. Ou a política de Lênin e dos bolcheviques, de não depositar qualquer confiança no governo provisório, triunfava, ou a revolução seria liquidada. Assim, no Primeiro Congresso dos Sovietes, Lenin explicou que "os soviets são uma instituição que não existe em qualquer um dos Estados burgueses parlamentares atausi, nem pode coexistir com um governo burguês."

As massas, cansadas da guerra que o governo se recusava a terminar, em julho levaram adiantes muitas manifestações armadas em Petrogrado, levantando a consigna de "todo o poder aos sovietes". Mas nas outras províncias não havia a mesma situação, nem entre os camponeses, nem entre os soldados da frente. Havia o perigo de que o levantamento prematuro de Petrogrado fosse esmagado. Os bolcheviques, conscientes disso, tentaram conter as massas e propuseram uma manifestação pacífica.

O governo espalhou um boato de que Lenin era um espião alemão; desta forma, o Partido Bolchevique foi banido, prenderam Trotsky e outros líderes e Lenin teve que ir à clandestinidade. A contra-revolução ganhou as ruas e, em agosto, o general Kornilov (3) quis ir mais e tentou um golpe de Estado. O governo provisório, liderado pelo revolucionário socialista Kerensky (4), para detê-lo, precisava da ajuda dos bolcheviques e dos trabalhadores, de modo que ele teve que levantar as proibições e permitir suas armas.

Trotsky, em seu texto Lições de Outubro, cita uma carta de Lenin ao Comitê Central, em que o líder do Partido Bolchevique é inflexível na manutenção da independência política, mesmo em casos extremos, como um golpe reacionário: "Mesmo agora não devemos apoiar para o governo de Kerensky. Seria perder os princípios. "Não deveríamos lutar contra Kornilov?", nos perguntarão. Claro que sim; mas, entre o combate a Kornilov e o apoio a Kerensky, há uma diferença, há um limite, e esse limite é onde franquejan alguns bolcheviques, caindo na ’conciliacionismo’, levado pela torrente de eventos". A posição de Lenin foi seguida pelos bolcheviques que, prontos para lutar, estabeleceram as Brigadas Vermelhas que colocaram Petrogrado no caminho da guerra e forçaram o governo a entregar mais de 10 mil fuzis. Os ferroviários pararam os trens das tropas de choque e muitos de seus soldados foram para o lado da revolução. Kornilov foi derrotado e a fama dos bolcheviques se espalhou por toda a Rússia, ganhando rapidamente a maioria em todos os soviets.

Em meados de setembro e os soldados começaram a se recusar a continuar a guerra, a aliança entre eles e os guardas vermelhos dos sovietes, foi selada com o pedido de armamento generalizado para os trabalhadores. As condições estavam maduras para a tomada do poder e os preparativos começaram em plena luz do dia. O governo provisório, impotente, só poderia especular qual seria a data.

Entre as lideranças dos bolcheviques estavam setores que duvidavam e se opunham à insurreição (Zinoviev [5] e Kamenev). Lenin lutou contra estes e ganhou a maioria do partido. Nas primeiras horas do dia 25 de outubro do calendário russo (7 de novembro) foi lançado o plano para a tomada do poder. O Comitê Militar Revolucionário, liderado por Trotsky, tomou os prédios estratégicos da capital, os escritórios de correios e telégrafos e as principais rotas de comunicação. O planejamento era tão impecável que encontrou pouca resistência a caminho do Palácio de Inverno, sede do Governo Provisório. A tomada do poder foi na manhã anterior ao início do II Congresso dos Sovietes, agindo em sua defesa, dissolveu-se o governo provisório e a classe trabalhadora alcançou o topo, estabelecendo um governo dos trabalhadores, continuação do legado gestado pela Comuna de Paris.

A "normalidade" capitalista não pode ser mantida eternamente

As revoluções são os momentos em que as massas são envolvidas nos acontecimentos históricos, ao contrário de tempos "normais", onde a história é feita por especialistas de escritório (monarcas, ministros, burocratas, parlamentares e suas instituições). A burguesia, detentora do poder do Estado, procura que a classe operária não intervenha como classe independente. Através de vários mecanismos, e levada adiante pelos partidos que respondem à burguesia e por todos os tipos de funcionários, burocratas, meios de comunicação, etc., tentando impor uma ideologia e até mesmo em um sentido, uma prática onde as condições melhoraram a vida depende do esforço individual. Mas isso a longo prazo não passa de uma ilusão. Porque o capitalismo precisa da concentração de trabalhadores em fábricas e cidades, não pode evitar crises econômicas recorrentes e ataques que fluem a partir deles que obrigam as massas de agir em conjunto como uma classe. Em resumo, os capitalistas geram seus próprios coveiros e as condições para a revolução. Como Trotsky diz em “A História da Revolução Russa", nos momentos decisivos, quando a velha ordem se torna insuportável para as massas, estas quebram as barreiras a excluem da arena política, varrendo seus representantes tradicionais, e com a sua intervenção, criam um ponto de partida para o novo regime. Que os moralistas julguem se isso é certo ou errado. É o suficiente para nós tomarmos os fatos como o desenvolvimento objetivo lhes dá. A história das revoluções é para nós, acima de tudo, a história da violenta irrupção das massas para governo de seus próprios destinos".

No processo da luta de classes, os trabalhadores criam órgãos de auto-organização, como os soviets, que desempenham um papel fundamental nas revoluções. Mas, como se viu, estes podem ser dirigidos por partidos conciliatórios com os partidos da burguesia e, portanto, estão sujeitos a deformações. É por isso que, em momentos cruciais, a liderança política se torna um fator decisivo.

O capitalismo cria as condições para a revolução e neste, as massas provavelmente irão superar suas velhas instituições e criarão novas maneiras de organizar, mais democráticas, territorialmente e em um grau crescente, de acordo como o processo revolucionário progride. Mas não por isso, o partido revolucionário será construído espontaneamente. É uma tarefa que deve ser executada nos tempos "normais". Depende inteiramente da vanguarda da classe trabalhadora e de todos aqueles que abraçam a causa do socialismo. Como diz Trotsky, ao contrário da burguesia, a classe trabalhadora não pode tomar o poder de forma espontânea, sem um partido para liderar a vanguarda no processo de insurreição: "Uma classe exploradora é capaz de arrebatar outra classe exploradora apoiando-se em suas riquezas, em sua "cultura", em seus inúmeros pontos de apoio concomitantes com o antigo aparato estatal. No entanto, quando se trata do proletariado, não há nada capaz de substituir o partido".

Notas:

1. Josef Stalin, membro do Partido bolchevique desde 1903 e seu Comitê Central desde 1912. Ele foi nomeado secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da Rússia em 1922. Arquiteto da degeneração burocrática do Partido Comunista russo e da Internacional Comunista. Criador da "teoria do socialismo em um só país". Ele organizou os julgamentos de Moscou na década de 1930, que liquidou a maioria dos líderes da era de Lênin.
2. Kamenev Lev, ex-bolchevique, membro do Comitê Central em 1917, ano em que se opôs às Teses de Abril e à Insurreição de Outubro. Presidente do Soviete de Moscou em 1918. Após a morte de Lênin, ele forma a "Troika" com Stalin e Zinoviev contra Trotsky. Em 1926 junta-se Trotsky para formar a Oposição Unificada, expulso do Partido, capitulou em dezembro de 1927 e foi reintegrado em 1928, em 1932 volta a ser expulso e condenado a morte e executado no primeiro julgamento em Moscou.
3. Kornilov Lavr, oficial de carreira, foi nomeado comandante-chefe por Kerensky em julho de 1917.
4. Kerensky Alexandre, social-revolucionário russo. Após a Revolução Russa de 1917, foi chefe do governo provisório, de julho até a Revolução de Outubro.
5. Grigori Zinoviev, líder bolchevique, presidiu a Internacional Comunista de 1919 a 1926. Depois de formar a troika com Stalin e Kamenev em 1924, fez inúmeras acusações contra Trotsky, depois fez auto-crítica e se juntou a Trotsky na Oposição Unificada. Embora ele tenha rompido com ela, foi condenado e baleado no primeiro julgamento de Moscou.




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