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"Respostas têm sido direcionadas para salvar lucros e não vidas", entrevista com professor Áquilas Mendes (USP)

Áquilas Mendes é Professor Dr. Livre-Docente de Economia Política da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da PUCSP.

terça-feira 7 de abril de 2020 | Edição do dia

Pergunta: Muitos governantes internacionais vêm usando o discurso de "guerra contra o inimigo", mas sabemos que muitos destes vieram historicamente atacando a saúde levando-a em caráter de mercadoria para que grandes indústrias farmacêuticas se enriqueçam com a privatização da saúde de conjunto. Assim, o que o Sr poderia colocar, baseando-se nestes ataques históricos a saúde, o que tem por detrás deste discurso?

Resposta: Antes de mais nada é importante dizer que no modo de produção capitalista a saúde é considerada como mercadoria e, portanto, espaço de valorização para o lucro, especialmente por meio do papel que as grandes indústrias farmacêuticas desempenham. Além disso, os ataques históricos contra a saúde refletem a forma de vida do capitalismo. É neste sentido que devemos entender a crise do coronavírus na totalidade da crise capitalista e da perversidade de sua forma de atuação.

Nesta perspectiva, cabe citarmos o trabalho do biólogo Robert Wallace, em seu livro Big Farms Make Big Flu (2016) quando enfatiza o papel do agronegócio, atuando na criação e na propagação de novas doenças. Ele afirma que monoculturas de animais domésticos, amontoadas em grande número, significam alta taxas de transmissão e respostas imunes enfraquecidas. Wallace argumenta que o aumento da ocorrência de vírus está intimamente ligado à produção de alimentos e à lucratividade das empresas multinacionais. Qualquer pessoa que pretenda entender por que os vírus estão se tornando mais perigosos deve investigar o modelo industrial da agricultura capitalista.

A rigor, o que esse autor está afirmando é que não são apenas as fazendas industriais que geram novos vírus, mas também a ruptura mais ampla dos ecossistemas e a expansão da produção de ‘commodities’ provocadas pela lógica do perverso capitalismo contemporâneo em crise na busca de enfrentar suas taxas de lucro em declínio. Daí nos depararmos com a situação de que ao surgirem novos surtos, governos e mídia se restringem a atuar e comentar uma emergência separada, descartando as causas estruturais que estão levando vários patógenos marginalizados a um patamar de celebridade global, como vem sendo o caso dos diversos tipos de vírus anteriores e no momento o Covid-19. É nesse contexto de expropriação do capital, o agronegócio, às terras no seu processo de valorização que devemos entender o coronavírus. Dessa forma, trata-se de dizer que é no movimento do capital contemporâneo e suas implicações que devem residir nossos questionamentos e a indignação de todos.

Pergunta: Ainda que o subfinanciamento do SUS não seja algo recente, e sim desde que foi implementado na década de 90, sabemos que a Emenda Constitucional 95 (também conhecida como PEC do teto dos gastos) significou um verdadeiro processo de desmonte, sucateamento e privatização do SUS de conjunto. Assim, como esse subfinanciamento ao SUS se relaciona com as respostas necessárias à pandemia do COVID-19?

Resposta: Vejamos que as respostas à pandemia, de maneira geral, têm sido direcionadas pela classe dominante, com o apoio do governo neofascista de Bolsonaro, para salvar os lucros e não as vidas, a partir de medidas que protejam as empresas capitalistas e os bancos e intensifiquem a exploração da classe trabalhadora. Especificamente no âmbito do SUS, muito pouco tem sido feito no sentido de realmente aportar recursos financeiros condizentes para o tamanho da crise sanitária que estamos enfrentando. Até o momento, o mais relevante foi a instituição da Medida Provisória 940 de 2 de abril em que ficou acrescido ao orçamento do MS o montante de R$ 9,4 bilhões, o que corresponde a 7,5% do total alocado para esse Ministério em 2020. Isto é totalmente insuficiente para assegurar a guerra contra o Covid-19, quando se tem anunciado que necessitaríamos de cerca de R$ 60 bilhões. Nada é discutido no âmbito do governo Bolsonaro sobre a revogação da EC-95 que congelou o gasto público desde 2017. A perda de recursos para o SUS desde 2018 já atingiu o patamar de R$ 22,5 bilhões. Daí entendemos a prioridade da classe dominante. Além desse processo de desfinanciamento, não podemos esquecer do subfinanciamento histórico que tem sido um dos problemas centrais ao longo de sua implementação. Para se ter uma ideia dele, em 2019, o Orçamento da Seguridade Social foi de R$ 752,7 bilhões, se destinados 30% à saúde – como previsto na Constituição de 1988 -, considerando os gastos do governo federal, corresponderiam a R$ 225,8 bilhões, mas a dotação empenhada para o MS foi de R$ 122,3 bilhões. Ainda, devemos ter claro que o gasto com “ações e serviços de saúde” na proporção do PIB, realizado pelo Ministério da Saúde, tem sido mantido o mesmo entre 1995 a 2019, sendo 1,7%. Quando analisado o gasto total do SUS, nesse mesmo ano, incluindo a União, estados e municípios alcança-se 3,9% do PIB. Porém, esse gasto é muito baixo quando o gasto público em saúde na média dos países europeus com sistemas universais correspondeu a 8,0%. Em suma, as repostas dos governos que tivemos ao longo de implementação do SUS e, sobretudo, o governo neofascista atual, não tem considerado a saúde como política prioritária. Apesar de muito barulho anunciado pelo atual, pouco tem sido feito em termos de aportes de recursos necessários para enfrentar o Covid-19.

Pergunta: Com relação a pandemia do COVID-19 no Brasil existem vertentes negacionistas, como parte do Governo Federal e setores ligados a este projeto, e setores que respondem com medidas de saúde demagógicas, que não vem sendo implementadas em tempo e quantidades necessárias. Poderíamos confiar o combate à pandemia a estas vertentes por fora de colocar um papel central dos trabalhadores nestes processos?

Resposta: Como eu já mencionei, esse atual governo não tem demonstrado preocupação central em salvar vidas. Essas tem sido objeto de desprezo, típico de práticas fascistizantes! Isto é perceptível, seja pela forma de não alocar recursos necessários à pandemia, seja pelas contrarreformas que vem se estabelecendo no país, começando pela trabalhista, previdenciária e com as PECs no Congresso nacional no âmbito administrativo e tributário, reduzindo salários dos servidores. Veja que a racionalidade ultraliberal desse governo, em plena crise do Covid-19, aprova a Medida Provisória n. 936, de 1 de abril de 2020 criando o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda. Esse Programa reduz proporcionalmente a jornada de trabalho e, consequentemente os salários e suspende temporariamente o contrato de trabalho, dentre outras medidas nefastas. No âmbito da saúde pública, a medida foi no sentido da intensificação da privatização. Paralelo à insuficiente alocação de recursos orçamentários, em pleno início do distanciamento social, foi promulgado o Decreto 10.283, de 20 de março de 2020, instituindo a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS). Ao contrário da ideia de desenvolvimento desse nível de atenção, busca-se assegurar espaço para a prestação direta da APS por meio da contratação de prestadores privados, reforçando as medidas já históricas dos governos, também anteriores, de intensificar o processo de privatização da saúde.

Assim, precisamos incentivar na esquerda uma consciência de classe anti-capitalista e anti-neofascista, contrária totalmente a esse governo atual. Deveríamos dar continuidade ao Fora Bolsanaro e Fora Mourão! Essa seria a forma genuína de enfrentarmos a pandemia!




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