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MOURÃO NO ESTADÃO | Resposta a Mourão: o que as Forças Armadas temem dos trabalhadores brasileiros

Mourão se mostra mestre em deturpar e mentir, um oficial exemplar na tradição intelectual do exército brasileiro que sempre foi competente na guerra informacional. A “competência logística e operacional” diante de “situações de crise que ultrapassam a capacidade das agências governamentais” são os 337 mil mortos pelo coronavírus; a postura dos militares diante da crise pandêmica foi manter hospitais militares com 85% dos leitos vagos, enquanto já ultrapassamos 4 mil mortes diárias

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

quarta-feira 7 de abril de 2021 | Edição do dia

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Na esteira do aniversário do golpe de 64 e da crise militar que atingiu o governo, o reacionário vice-presidente e general da reserva, Hamilton Mourão, escreveu um artigo para o Estadão. Há em seu texto elementos que já esperávamos: a defesa do golpe de 64, o antipetismo e a demagogia contra a corrupção para demonstrar os acordos fundamentais com a base bolsonarista e lava-jatista; a sempre e constante ameaça golpista das “missões constitucionais” das Forças Armadas que, resumidamente, seriam responsáveis por manter a “lei e a ordem” e o equilíbrio entre os poderes, ou seja, possuem a missão de dar golpes quando interpretarem que seja necessário.

31 de março, aniversário do golpe: dia do massacre, da ingerência externa, do entreguismo e subordinação

A auto bajulação é uma constante em artigos escritos por militares. Golpistas, torturadores e assassinos historicamente se consideram o máximo da honra e da moral. Contudo, neste artigo, o ângulo é diferente. É um texto escrito na defensiva, com o claro objetivo de defender as Forças Armadas, fazendo um balanço do seu papel histórico e contemporâneo na manutenção do Estado e do sistema capitalista brasileiro. O faz diante da crise inédita da demissão do ministro da Defesa, Azevedo e Silva, e a saída conjunta dos comandantes das três forças e do desgaste de Bolsonaro que parece ir para além da figura própria do presidente .

Justificativas e reivindicações em todos os parágrafos, num contexto de crise militar no governo, com as Forças Armadas com as mãos sujas de centenas de milhares de mortes pela gestão criminosa de Eduardo Pazuello, transparecem uma defensiva das FA, instituição que nas pesquisas dos últimos anos era sempre a menos desgastada para a população.

É um artigo que em todos os parágrafos se destacam reivindicações e auto-elogios, assim como mensagens para justificar os mais de 6 mil militares que parasitam a máquina pública. Mas não só, também coloca a mensagem fundamental para os grandes capitalistas: podem se acalmar, caso a revolta social se espalhe pelo país e não seja contida pela conciliação, nós estamos aqui para mirar o fuzil na cara da população pobre desesperada, faminta e desempregada, na defesa da “lei e da ordem”. Essa é a verdadeira missão histórica das cúpulas das forças armadas na história brasileira.

Veja mais: Os massacres e repressões das Forças Armadas: Canudos e Revolta da Chibata

À serviço dos capitalistas e subordinado aos EUA

Não há "sociedade brasileira" em abstrato. Enquanto a população pobre e trabalhadora passa fome a cúpula militar gasta dezenas de milhões de reais com picanha, cerveja, leite ninho, etc assim como as salários atronîmicos e privilégios que recebem nos altos cargos ministeriais e de estatais. Que o oficialato golpista deixe de parasitar a máquina pública e volte para os quartéis - mas sabemos que eles não vão simplesmente ambandonar suas posições que vêm lhes dando tanta regalia. A demagogia com o “clientelismo político e a “corrupção” - que compartilham com Sergio Moro e Bolsonaro - é uma forma elegante de expressar seu antipetismo e ódio a esquerda em geral, já que os militares possuem laços históricos com a oligarquia brasileira, e hoje compartilham as verbas e cargos do governo com o centrão, além do Exército ser, na prática, uma grande empreiteira que tem disponível bilhões de reais em recursos públicos.

Os militares foram chamados pelos golpistas de verde e amarelo, que trocaram seus mascotes de 2015 para cá - patos da FIESP, Moro e Dallagnol, Trump e Bolsonaro. Em 2018, se consolidou uma manipulação eleitoral que unificou todos os atores golpistas; o então comandante do Exército, general Villas Boas, fez uma declaração por tweet para pressionar o STF a tirar Lula das eleições, abrindo todo o caminho de Bolsonaro ao poder; em 2019, o juiz que condenou o petista era o ministro da Justiça de Bolsonaro e os militares passaram a ocupar cada vez mais ministérios e cargos no governo. Com as reformas da previdência, privatizações e ataques complementares à reforma trabalhista, o governo de Bolsonaro e dos militares deu continuidade à obra econômica do golpe institucional realizado em 2016, também apoiado pelos militares.

Leia mais em Militares e Bolsonaro: uma aliança pelo entreguismo e subordinação aos EUA

O grande exemplo para Mourão é a cúpula militar norte-americana que preservou as instituições democráticas nos EUA frente a invasão trumpista do Capitólio. Não poderia ser diferente, já que as Forças Armadas brasileiras tem uma história de submissão e idolatria dos americanos, aceitando que oficiais do exército se tornem subordinados diretos das forças americanas e que os EUA se apoderem da Base de Alcântara e que realizem exercícios militares na Amazônia. Nada também fala Mourão sobre o envolvimento do FBI na Lava-Jato, uma clara interferência na soberania do país. São exemplos de uma submissão histórica ao imperialismo que também se expressou no golpe de 64, quando os EUA se envolveram diretamente na articulação do golpe de Estado e estavam prontos para invadir o país caso seus aliados daqui não dessem conta da missão pró-imperialista.

O que a cúpula militar tem de admiração e subordinação aos militares americanos ela tem de ódio e autoritarismo com sua própria população pobre e oprimida. Contra os quilombos e as revoltas escravas, contra as revoltas camponesas, as greves e levantes operários, o exército sempre esteve à frente na repressão e preservação da “lei e da ordem”; a perseguição, espionagem, traição, tortura e todo tipo de imoralidade e baixeza foi o seu método, e continua sendo.

Mourão se mostra mestre em deturpar e mentir, um oficial exemplar na tradição intelectual do exército brasileiro que sempre foi competente na guerra informacional. A “competência logística e operacional” diante de “situações de crise que ultrapassam a capacidade das agências governamentais” são os 337 mil mortos pelo coronavírus; a postura dos militares diante da crise pandêmica foi manter hospitais militares com 85% dos leitos vagos, enquanto já ultrapassamos 4 mil mortes diárias.

O que os militares temem?

“Sempre houve e continuará a haver militares no governo”, afirmou Mourão. Na revista Ideias de Esquerda, no artigo Os militares vieram para ficar ou explodirá a luta de classes? colocamos justamente essa perspectiva que é reafirmada por Mourão. Das posições que conquistaram - não só no governo, como o protagonismo, tão aceito submissivamente por Folha de São Paulo, Globo e afins, como árbitros na política nacional - não vão recuar. Há muito em jogo, são privilégios, altos cargos e comandos de estatais, verbas destinadas às “picanhas” que o alto comando não dará nem se Lula vencesse em 2022. A base de extrema-direita é consolidada e se preserva perto dos 30%, o que dá uma base social para que os militares mantenham suas posições. O próprio ex-presidente deixou claro também que não vê problema na ostensiva presença militar e na tutela desses.

A história militar no Brasil denuncia um oficialato que condensa as características mais detestáveis da classe dominante brasileira: subordinação e idolatria ao imperialismo; medo e ódio das classes exploradas. Por isso preferem sempre ajoelhar-se aos seus ídolos que dirigem o Estado norte-americano e apontam o fuzil para negros, camponeses e trabalhadores que durante toda a história se rebelaram. O discurso defensivo de Mourão deixa implícito esses objetivos, que são conquistados sempre no método golpista.

Essa constante constatação feita - por Mourão, Braga Netto, Azevedo e Silva, Heleno etc - que são eles que, no final das contas, reprimem, caçam e matam aqueles que colocam em perigo a lei e ordem capitalista, que hoje preserva um país no qual somente um capitalista, Lehman, acumula 95 bilhões de reais, suficiente para pagar 1 salário mínimo para 14 milhões de pessoas por 6 meses, indica que é a revolta contra essa ordem desigual e exploratória é também o seu maior medo, compartilhado com toda a classe dominante: o temor da luta de classes.

No já referido artigo, colocamos que:

Como discutia Trótski em “Aonde vai a França” (1936), “as reformas sociais não são mais que subprodutos da luta revolucionária, na época de decadência capitalista têm a importância mais candente e imediata. Os capitalistas não podem ceder algo aos operários, a não ser quando estão ameaçados de perder tudo”.

Portanto, pensar que com o retorno de Lula como presidente em 2022 estará garantida a reversão das derrotas nas reformas trabalhistas é um engano. As vias institucionais da democracia estão à serviço de manter a dominação da burguesia e os avanços que esta faz na exploração do trabalho. Só como subproduto de lutas radicalizadas é possível, em forma mais ou menos estável, reverter derrotas e reconquistar direitos das massas. Todo o temor dos golpistas ao reabilitar Lula mostra que esta perspectiva estará na ordem do dia.




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