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DITADURA MILITAR | Relato de estudante da USP no período da ditadura militar

No dia de hoje, em que se completam 57 anos do terrível dia em que os militares tomaram o poder no Brasil implementando um período ditatorial que deixou marcas assombrosas na história de milhares de jovens e trabalhadores país afora, reproduzimos o relato de um estudante e militante da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura da USP) no fim da década de 60 que, em poucas linhas, expressa parte do que foi viver por anos sob constante medo e aflição.

quarta-feira 31 de março de 2021 | Edição do dia

Foto: Acervo UH/ Folhapress

O dia de hoje se dá em meio a um catastrófico cenário de pandemia, que já arrancou a vida de mais de 315 mil pessoas. Hoje não vivemos uma ditadura, mas estamos em meio a um governo negacionista estruturado sob bases autoritárias, que constantemente ameaça o pouco que nos resta de direitos conquistados em anos de luta da juventude e da classe trabalhadora. O governo Bolsonaro não caminha sozinho, vem ao lado de militares, que se fortaleceram muito desde as eleições de 2018 assumindo diversos cargos no planalto, e agora estão no meio de uma reestruturação dos ministérios. Congresso, STF, Judiciário, governadores e prefeitos nadam de braçada nos ataques à classe trabalhadora, com o espaço que conquistaram a partir do golpe institucional.

Se hoje não vivemos uma ditadura, devemos isso muito aos estudantes, professores e trabalhadores de conjunto que dedicaram parte de sua vida a combater o nefasto regime militar, ainda que isso pudesse lhes sujeitar à prisão, tortura e em muitos casos a morte. A democracia burguesa está longe de responder aos anseios da nossa classe, e até nela o governo busca tirar os direitos básicos de liberdade de expressão usando leis herdeiras da ditadura como a LSN. Mas o exemplo de luta desses estudantes e trabalhadores nos apontou o caminho por onde podemos mudar as coisas e derrotar esse sistema: apenas com a força da nossa aliança fortalecendo a organização nos locais de trabalho e estudo. Segue abaixo relato de um estudante que viveu na pele a brutalidade deste período:

“Quando cheguei na USP em 1967, como estudante da Faculdade de Arquitetura da USP, já era claro que a situação iria piorar... as entidades dos estudantes desde 1964 estavam prescritas, banidas, e substituídas por outras, arremedos de representação estudantil. Mas ao passo que o cerco se fechava, a resistência era cada vez maior, mantínhamos as nossas entidades livres, fazíamos as eleições e os riscos eram grandes, por parte de grupos armados de direita que perseguiam as verdadeiras lideranças dos estudantes.

Na FAU havia o Grêmio (GFAU) que foi mantido por todo aquele período até hoje. Fui presidente do GFAU em 1968. Muita repressão e prisões aconteceram, para apenas citar alguns acontecimentos: o Congresso da UNE em Ibiúna SP (1967) foi cercado pela Polícia Militar e todos foram presos e fichados… o secretário estadual de segurança Coronel Erasmo Dias, cercou o Teatro da PUC SP e foram agredidos e presos centenas de estudantes e artistas de teatro.

A luta dos estudantes da USP, que eu participei, contra o denominado Comando Caça Comunista (CCC) na Rua Maria Antonia, culminou com a morte de um estudante secundarista, por tiros disparados por policiais infiltrados entre os estudantes do Mackenzie. Depois disso, as Faculdades de Filosofia e de Economia da USP da Rua Maria Antônia foram fechadas e os estudantes transferidos para o campus da Cidade Universitária, acompanhada depois pela Faculdade de Arquitetura (FAU) saindo da rua Maranhão, ali perto mesmo.

No Conjunto Residencial da USP (CRUSP) no campus da Universidade, o centro da resistência estudantil, as assembléias gerais reunindo centenas e milhares de estudantes do Estado, eram constantes, as ameaças de invasão por tropas da Polícia Militar e até do Exército eram sentidas. Vivia-se um clima de constante tensão.
Eram mantidos “olheiros” nas entradas da Cidade Universitária, que nos avisavam da chegada de tropas. Naquela época não havia celulares, se utilizava de improvisados aparelhos de comunicação.

Quando chegou 1968, a repressão era ainda maior, muitos estudantes presos e culminando com o AI 5 em dezembro daquele ano. Muitos eram considerados “desaparecidos” mas eram torturados e muitas vezes mortos. As “notícias oficiais” diziam que tinham se metido em confrontos, por isso terminavam mortos.

O CRUSP foi invadido e fechado por tropas do Exército. Estudantes, e qualquer movimento de resistência era perseguido e impedido de se manifestar. Professores da USP e de outras universidades foram presos, afastados e aposentados, muitos torturados. O Congresso fechado, deputados também presos. Os centros de repressão e tortura, onde foram torturados e mortos centenas de brasileiros, eram conhecidos em todo país.

Políticos como Rubens Paiva (1971), Alexandre Vannucchi Leme, estudante da Geologia da USP (1973), Vladimir Herzog jornalista e professor (1975), e Manoel Fiel Filho, operário metalúrgico (1976) apenas para citar diferentes pessoas de diferentes segmento sociais, que caíram por resistirem à ditadura.

A Comissão da Verdade, no Brasil, foi formada em 2011 e fez um detalhado levantamento das violações dos direitos humanos que ocorreram naquela época, listando todas as pessoas que foram presas, torturadas e mortas. Algumas até hoje consideradas desaparecidas.

É esse passado que alguns querem comemorar... uma vergonha que manchou, com o sangue de muitas mulheres e homens na luta contra a opressão e a ditadura a história do país.”

Nós do MRT, integrantes da FT-QI (Fração Trotskista - Quarta Internacional), repudiamos a ditadura militar, todos os seus representantes e marcas profundas que deixaram na nossa história. Não perdoaremos e jamais esqueceremos nossos companheiros que foram brutalmente torturados e assassinados nesse período. Rechaçamos Bolsonaro, Mourão e todos os militares, que até hoje memoram figuras asquerosas como o sádico Coronel Brilhante Ustra. Exigimos justiça para todos os companheiros e punição para os torturadores. Nenhuma confiança nas instituições golpistas, que seja com a força da nossa luta que tomemos em nossas mãos os rumos da sociedade, por uma vida que valha a pena ser vivida!




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