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BREXIT | Reino Unido, um passo mais perto do Brexit?

Como já se vinha anunciando, Boris Johnson, a que muitos se referem como “Trump britânico”, tornou-se Primeiro Ministro do Reino Unido e terá a oportunidade de levar adiante seu programa: Brexit ou morte.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quinta-feira 25 de julho de 2019 | Edição do dia

Finalmente aconteceu o que parecia estar sendo escrito fazem três anos, quando David Cameron, outro primeiro ministro conservador, decidiu convocar um referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia, e abriu uma caixa de pandora que ninguém pôde fechar até agora.

A crise do Brexit foi dada a Cameron e também a ex-primeira ministra Theresa May, que tratou, sem êxito, de servir a dois amos –a União Europeia e a ala eurocéptica do seu próprio partido- e terminou renunciando quando seu plano de uma separação negociada do bloco europeu foi derrotado três vezes no parlamento, no último ano.

No seu discurso como líder eleito do partido conservador, além de concretizar a separação do Reino Unido da EU para o próximo 31 de outubro, fez outras duas promessas: unir o país e derrotar o trabalhista Jeremy Corbyn.

As três promessas que não são mais apenas de campanha, mas sim do novo governo conservador, parecem impossíveis para um primeiro ministro que praticamente não tem nenhuma legitimidade popular, tampouco apoio parlamentar. Enquanto seguir insistindo no “Brexit duro”, enfrentará a hostilidade do círculo vermelho –os grandes capitalistas de Londres-. Talvez com o intuito de levantar pontes com o empresariado, um dos primeiros confirmados no gabinete de Johnson é Andrew Griffith, um alto executivo da Sky, grupo que presta serviços de TV paga.

Seu governo nasce ainda mais débil que o de Theresa May, com uma escassa base de sustentação que mostra graficamente a decadência infinita desse sistema político e do capitalismo britânico ao qual serve.

Johnson foi votado por apenas 92.000 dos 160.000 cotizantes do partido conservador que são habilitados para emitir seu voto por correio. Isso equivale a 0,25% da população -de 66 milhões- e 0.35% dos eleitores, em que os idosos, homens e brancos, dos setores da ABC1 estão super-representados. Para contribuir com um clima já rarefeito e polarizado, vários analistas e parlamentares conservadores do partido do “Remain” denunciam que houve um “putsch”, ou golpe, porque aqueles que deram o triunfo a Johnson não são verdadeiros conservadores, mas sim "entristas", os chamados "Blukip", que vêm do ultradireitista UKIP. Que o processo que levou Johnson ao governo foi absolutamente antidemocrático não há dúvidas. Entretanto, a explicação golpista é exagerada. Os “brexitianos” não são marcianos que tomaram o partido conservador a força. A classe dominante britânica historicamente possui uma ala anti europeia. O referendo que terminou com o triunfo do “Leave” revelou uma fratura social profunda que foi se gestando nas décadas do auge do neoliberalismo.

Johnson tem 100 dias para administrar a herança da crise que o mesmo contribuiu em grande medida para criar, quando assumiu a campanha a favor do “Leave” no referendo de 2016, comandando uma lubrificada maquinaria de manipulação eleitoral. Seu oportunismo político chegou a tal ponto que confessou abertamente não tem nenhum plano sério para concretizar o Brexit, cujo triunfo não esperava.

Não está claro o rumo que tomará, nem sequer se conhece ainda a composição do seu gabinete, mas, por enquanto, não mudaram os cenários surgidos do impasse catastrófico do Brexit. Há ao menos três com certo grau de probabilidade.

O primeiro é o do “Brexit duro” do qual Johnson é o principal porta-voz. Para este, simplesmente se deve deixar o tempo passar. Esta é a variante mais extrema, que agravaria a polarização e as divisões não apenas entre representantes e representados, grandes cidades e população rural, jovens e idosos, mas sobre todo o conjunto dos interesses dos grandes capitalistas e o establishment político. Por essa razão, não necessariamente este seja o único ou o mais provável.

O segundo é o da renegociação do acordo que a EU fechou com Theresa May, sem alterar o caráter de “Brexit suave”. Este cenário gera duas contradições fundamentais. Internamente, levaria a uma decepção rápida da base raivosa pró-Brexit de Johnson, que migraria a outras variantes mais extremas como o Partido do Brexit de Nigel Farage. Algo perto disso já aconteceu nas eleições europeias em que o partido conservador ficou em quinto lugar. Externamente, ainda não há razões para que a UE conceda a Johnson, um personagem que despreza, o que não concedeu a May. Mais ainda depois das eleições para o parlamento europeu, nas quais os populistas eurocépticos de direita, dirigidos por Mateo Salvini (e a distância por Trump), não avançaram como esperavam e partidos pró-UE, como os Verdes ou os LibDem, saíram fortalecidos, capitalizando a crise dos partidos tradicionais.

O terceiro é o das eleições antecipadas, algo que a liderança conservadora e também os grandes empresários vieram tratando de evitar ou atrasar o máximo possível, para evitar o que até recentemente era considerado uma vitória quase certa para o líder da esquerda trabalhista Jeremy Corbyn. Para dizer a verdade, a grande burguesia teme menos Corbyn, que se mostrou até agora como um fator estabilizador no marco do caos do Brexit, do que as ilusões que seu programa de renacionalização e certas medidas redistributivas podem ativar em amplos setores da juventude que se voltaram massivamente à militância trabalhista e tomaram as ruas com dezenas ou centenas de milhares, embora ainda sob a direção dos setores europeus.

Boris Johnson na Grã-Bretanha, como Trump nos EUA, são as apostas da direita de fechar as tendências mais ou menos profundas à crise orgânica resultante da crise capitalista de 2008 e do esgotamento do ciclo globalizante.

Entretanto, com várias surpresas eleitorais de políticos burgueses “populistas” que atingiram as metas nos últimos anos, já está claro que um já está claro que uma coisa é o conhecimento técnico da campanha que permite vencer -como aconteceu no referendo do Brexit- e outra muito distinta é garantir a governabilidade com base no aprofundamento das brechas ou, em termos mais teóricos, sem hegemonia, que mais cedo ou mais tarde pode traduzir-se em luta de classes. São sinais de que o que vem pela frente são tempos tumultuosos.




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