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Reflexões sobre o frágil regime democrático (para os ricos) brasileiro –parte 3

domingo 3 de maio de 2015 | 00:30

Esse texto é continuação dos artigos:

http://www.aesquerdadiario.com/Reflexoes-sobre-o-fragil-regime-democratico-para-os-ricos-brasileiro-Parte-1

http://www.aesquerdadiario.com/Reflexoes-sobre-o-regime-democratico-para-os-ricos-no-Brasil-2-parte

Os principais partidos do regime...

Os principais partidos que existem até hoje e que são protagonistas na cena da política institucional são fruto dos momentos finais da ditadura e da busca pela classe dominante de desviar o forte ascenso operário e popular que existia naquele período.

Os partidos da ordem dentro de uma democracia burguesa tem a função de organizar as diferentes classes e setores de classe, os diferentes grupos sociais que se formam para dentro das instituições do regime. Sua função, nesse sentido, é serem instrumentos, organismos, do exercício da hegemonia de classe dos capitalistas, formas através das quais a classe dominante transmite sua ideologia, organiza e canaliza as reivindicações, os descontentamentos, das classes subalternas e demais setores oprimidos para dentro de suas instituições.

Assim, a existência de diferentes partidos reflete as divisões de classe da sociedade e a própria divisão dentro das classes, os diferentes partidos institucionais sendo expressão da necessidade do exercício da hegemonia de classe da patronal sobre os diferentes setores das classes subalternas e dos oprimidos.

Mas a dominação da burguesia sobre os demais setores da sociedade não se dá num vácuo histórico, numa relação abstrata, nem de forma mecânica, mas dentro de uma configuração histórica concreta da luta de classes, expressão de conflitos reais, de efetivos confrontos, das sensibilidades, paixões, levantadas por grandes acontecimentos históricos.

Os partidos que tem grande influência numa efetiva formação econômico-social, portanto, tendem a ser expressão desses grandes eventos históricos, de momentos de inflexão, onde se criam novas mediações, novas estruturas, novas tradições e relações entre as classes e setores de classe.

O forte ascenso operário e popular que marcou o fim dos ano 70 e toda a década de 80 e que pôs fim a ditadura militar no Brasil foi um desses momentos. As figuras políticas que despontaram naquele contexto, as organizações que elas criaram, portanto, marcaram todo o período posterior de nossa história política.

Os partidos que se constituíram buscaram todos se ligar e aparecer como expressão do forte movimento popular que marcou o período, tentando se mostrar como expressão da luta por democracia no Brasil, mesmo quando profundamente conservadores - basta pensarmos no PFL (sigla para partido da frente liberal) de ACM, ou no PPS ( partido progressista social) de Paulo Maluf.

É esse movimento feito pela classe dominante de buscar desviar a forte mobilização operária e popular para dentro de suas instituições a chave para compreendermos a formação das principais agremiações políticas em nosso país, sua capacidade de serem instrumentos na construção da hegemonia burguesa, seus limites para cumprirem essa função.

Um dos fatores, portanto, para a fragilidade do regime democrático brasileiro é a fragilidade dos partidos construídos pela patronal como mediação entre as instituições que sustentam sua dominação e as diferentes classes e setores oprimidos.

O PT
O partido dos trabalhadores talvez seja o instrumento central que utilizou a patronal no Brasil para garantir a estabilidade de sua dominação dentro de formas “democráticas” e para conseguir o consentimento dos trabalhadores e dos oprimidos em geral para seu regime.

Expressão organizativa de um dos maiores levantes da classe operária no Brasil (o ascenso de greves do final da década de 70 e que atravessou toda a década de 80) o PT foi fundado em 1980 congregando a maior parte das organizações de esquerda que existiam naquele momento, desde organizações que se reivindicavam trotskystas e revolucionárias, até ex-guerrilheiros, a nova proto-burocracia dos autênticos do ABC (da qual fazia parte a liderança que despontava, Lula da Silva) passando por militantes de esquerda da igreja católica, e dando expressão, assim, para o novo ativismo operário e popular que surgia.

No seu surgimento, portanto, o PT representava de forma legítima uma grande mobilização operária e popular que ainda não tinha uma direção consciente e no qual os múltiplos setores do proletariado, seus diferentes níveis de organização e politização se expressavam e disputavam pelos rumos que devia tomar o movimento de conjunto para poder avançar (ou retroceder).

Com seu desenvolvimento o partido dos trabalhadores perde esse seu caráter progressivo, de expressão organizativa legítima do movimento espontâneo dos trabalhadores para cada vez mais ser absorvido para dentro das engrenagens do sistema capitalista.

A cada passo de sua “evolução” o PT foi deixando de ser um partido dos trabalhadores efetivamente para se tornar um partido capitalista, da burguesia; mas não um partido como qualquer outro, e sim o partido dos patrões para os trabalhadores, o partido através do qual a patronal pode transmitir sua ideologia para amplos setores da classe operária e demais setores oprimidos, instrumento e mediação central na contenção das lutas e descontentamento do proletariado.

A estratégia que se impõe no PT desde sua origem (apesar das disputas internas), de ser um partido de trabalhadores sem um claro corte ideológico, revolucionário, de buscar pretensamente transformar o sistema por dentro, gradualmente, sem rupturas, levou a uma cada vez maior adaptação do partido as engrenagens de um sistema que antes ele dizia combater.

O destino do PT não é singular na história do movimento operário internacional, mas caso recorrente das organizações que tiveram como perspectiva uma pretensa mudança sem ruptura, com reformas e ganhos graduais que aos poucos supostamente transformariam o capitalismo. Essas organizações (o PT sendo um de seus grandes exemplos históricos) ao buscar entrar nas engrenagens do sistema para mudá-lo antes passaram a fazer parte de sua mecânica, sendo elemento fundamental da manutenção de sua estabilidade pelo papel de contenção e desvio que jogam na luta dos trabalhadores.

Assim, de expressão organizativa legítima de um dos maiores ascensos operários da história do Brasil logo o partido degenerou, sendo controlado por uma burocracia que se baseava na mobilização popular para garantir maiores privilégios, primeiro nos sindicatos e depois nas prefeituras, estados, até chegar à presidência da república.

O PT foi pilar central do regime democrático dos ricos, pois teve papel fundamental em desviar todo descontentamento, as lutas, dos trabalhadores para dentro das instituições “democráticas”. Desde a legitimação da constituinte de 88 até o desvio da cada vez maior insatisfação popular com o governo FHC e as consequências do neoliberalismo para dentro do processo eleitoral o PT sempre foi instrumento altamente funcional para a manutenção dos interesses patronais.

A crise por que passa o partido, portanto, tem potencialidade para se transformar numa crise de todo o regime, pois é a crise do principal instrumento e mediação construído dentro do regime para conter as lutas operárias e populares que tendem a se agudizar com o desenvolvimento da crise econômica pela qual o Brasil já passa.

Sem a referência organizativa e política que é o PT para a classe operária, sem sua confiança nesse partido, os trabalhadores tendem a buscar e construir novas referências e organizações que possam expressar sua insatisfação e suas lutas.

Isso certamente abre grandes possibilidades (pela esquerda) e riscos (pela direita) com a agudização da luta de classes no próximo período.

PSDB
Enquanto o PT se configurou como o partido da burguesia para os trabalhadores e os demais setores oprimido o PSDB é o partido dos patrões que representa a pequena-burguesia e demais setores médios da sociedade.

É evidente que essa definição não é estanque, que existem setores amplos dos trabalhadores que votam e se sentem representados pelo PSDB, e setores da pequena-burguesia e das classes médias que são petistas, mas isso apenas demonstra a capacidade que tem as diferentes classes e setores de classe de se influenciarem mutuamente e disputarem hegemonia entre si; essa disputa de hegemonia refratada e distorcida aqui pelo fato de que ambas as classes são dominadas pela burguesia.

Os tucanos foram os grandes artífices da modernização conservadora porque passou o Brasil durante a década de 90, os grandes sujeitos da ofensiva neoliberal que tão fortemente atacou as condições de vida e os direitos trabalhistas.

Fruto de uma ruptura com o PMDB o partido atraiu um setor importante dos quadros dirigentes da burguesia (como FHC, José Serra, Mario Covas, entre outros). Fundado em 1988 o partido representava a necessidade para a burguesia brasileira de uma nova forma de inserção na divisão internacional do trabalho e nos círculos de influencia entre os países imperialistas e as semi-colonias.

Baseando-se na tese sustentada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto em obra escrita em 1967 (Dependência e Desenvolvimento na América Latina) os tucanos defendiam a necessidade de que o Brasil se inserisse de forma subordinada e dependente, mas capaz de levar a uma modernização e desenvolvimento de seu capitalismo, que viam como atrasado e retrogrado.

Assim, o partido combatia em duas frentes dentro do espectro mais claramente patronal: contra uma visão supostamente nacionalista, que via a necessidade de reformas de base (como reforma agrária, reforma urbana, etc) para o desenvolvimento capitalista no Brasil e que tinha ecos tardios no PDT de Leonel Brizola, mostrava a possibilidade de um desenvolvimento capitalista subordinado, que se ligasse de forma dependente a cadeia de dominação imperialista, mas que permitiria um desenvolvimento e modernização do capitalismo nacional. E contra os aspectos mais retrógrados e atrasados da classe dominante, sua rigidez e fixação em formas arcaicas de exploração capitalista.

É dessa forma, fruto dessa contradição, que os tucanos buscaram reivindicar a tradição social-democrata (PSDB é sigla para Partido Social Democrata Brasileiro) mesmo sendo o partido que mais atacou e de forma mais direta os direitos trabalhistas e as conquistas sociais no Brasil. Reflexo dessa busca por uma modernização dependente, conservadora (contradição que não vem das palavras, mas é expressão da realidade concreta) do capitalismo nacional, o PSDB pôde muitas vezes na história recente do país aparecer para setores da pequena-burguesia “esclarecida” como representando algo progressivo contra os setores mais arcaicos e retrógrados da classe dominante (lembremo-nos das disputas entre Mario Covas e Paulo Maluf para o governo do estado de São Paulo, onde o primeiro parecia representar algo de mais “moderno” frente ao conservadorismo extremado expresso no malufismo, ou a defesa de pautas progressivas como a legalização da maconha feita recentemente por FHC).

O PSDB surge então como partido que irá aplicar as diretrizes neoliberais diretamente no Brasil (o partido surge quase concomitantemente ao chamado consenso de Washington, que se dá em 89 e onde as diretrizes do neoliberalismo a serem aplicados nos países semi-coloniais são aprovada).

Para ganhar influencia de massas entre setores da classe média o partido faz um discurso contra o estatismo e a má qualidade dos serviços públicos, a alta carga de impostos que pesa sobre a pequena-burguesia e a classe trabalhadora, jogando de forma demagógica com essa evidente verdade e propondo como altenativa a privatização das empresas estatais.

Partido mais diretamente alinhado aos interesses patronais (pois fruto de seu próprio papel no regime o PT sofre influencia e pressão dos setores populares) é o partido que, junto ao PMDB, mais vem se fortalecendo com a crise do governo petista. No entanto, por ser um partido reconhecido com representante dos setores mais bem colocados da classe média tem dificuldade em conter as lutas e exercer hegemonia sobre os trabalhadores e os setores populares. Sua capacidade, portanto, de ser pilar da estabilidade do regime “democrático” no caso de uma crise mais aguda do petismo é extremamente limitada.

O próximo artigo tratará sobre outro dos principais partidos do regime, o PMDB, e sobre os outros partidos fisiológicos que se constroem e que fazem parte do espectro dos partidos institucionais.




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