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VIOLÊNCIA | Reflexões sobre Relacionamentos Abusivos e Violência Contra a Mulher

O debate sobre relacionamentos abusivos parece estar deixando de ser uma angústia confinada a “quatro paredes”. O tema está ganhando cada vez mais espaço nas redes sociais, nas revistas, nos sites e nos blogs que debatem as questões de gênero e de sexualidade e, por consequência, também é um assunto que permeia cada vez mais os locais de trabalho e estudo de diversas mulheres.

terça-feira 7 de abril de 2015 | 00:27

Esse não é um debate “novo”, remonta à história de milênios de anos em que as opressões, de gênero e de sexualidade em geral e às mulheres em particular, sempre foram um fator existente. Para aprofundar a discussão e fortalecer o combate a estas situações é fundamental uma problematização sobre as bases materiais, subjetivas e sociais que sustentam essa realidade cruel e tão naturalizada pela ideologia dominante. A velha máxima de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” também deve ser questionada, uma coisa são as particularidades e a privacidade de direito de quaisquer relacionamentos em geral, outra coisa, muito diferente, é a realidade de milhares de mulheres que sofrem inúmeras formas de violência decorrentes de seus “relacionamentos afetivos”, muitas vezes sofrendo também a chamada de violência doméstica (que envolvem além de seus parceiros, pais, filhos e outros familiares).

Muitas vezes essas situações são fatais às mulheres e engrossam as estatísticas gritantes de feminicídios (assassinato de mulheres decorrentes de violência doméstica ou “familiar” e por descriminação de gênero): Segundo a ONU, nos últimos dez anos 43,5 mil mulheres foram assassinadas no Brasil e mais de 90 mil se contar os últimos vinte anos. O país ocupa a sétima posição em um ranking com 80 países que possuem maior ocorrência de feminicídios, cerca de 5 mil por ano. As discussões sobre relacionamento abusivo, violência doméstica e feminicídio são bastante ligadas entre si e não devem ser encaradas como um problema individual, mas como frutos de uma lógica imposta por um modelo de sociedade onde as leis imperantes são as da exploração e dominação.

O Estado capitalista e as bases ideológicas da violência opressora

Vivemos numa sociedade organizada sob as bases materiais da exploração da maioria das pessoas pela sede de lucro de uma minoria. Contra essa maioria, que produz a vida através de seu trabalho, a minoria, capitalista, detém em sua posse os frutos desse trabalho, bem como os meios que permitem sua realização (o que no marxismo chamamos propriedade privada dos meios de produção). Sob essas bases materiais capitalistas os seres humanos, seu trabalho e suas relações, são então objetificados, tornados coisas e isso nos ajuda a compreender as raízes das características mais demarcadas de relacionamentos abusivos, como o isolamento, o desrespeito, a possessão e a violência. É naturalizada a relação de posse por parte dos parceiros com as mulheres e a noção de que “com aquilo que te pertence você faz o que quiser” é completamente reforçada pela ideologia patriarcal e esta, por sua vez, atribui às mulheres um “papel social” que reza que nosso lugar é atrás das grades do lar, por fora das tomadas de decisões, com os modos e roupas determinados de maneira moralista, confinadas aos trabalhos mais precários e à dupla jornada e que o máximo que podemos almejar na vida é uma relação amorosa em que “devemos aceitar as coisas como são e entender os homens que amam demais”.

O combate a essa subjugação não se restringe ao julgamento e à punição necessária aos “parceiros” que são os responsáveis ativos dessa violência contra suas “parceiras”, pois a ideologia patriarcal emana essas concepções que respaldam a violência e tem bases materiais consolidadas: é propagada pela grande mídia, burguesa, e tem suas raízes no Estado. Com os debates sobre a lei do feminicídio, aprovada na câmara mês passado, isso ficou evidente. O mesmo Estado que tem em suas leis demagogias sobre a igualdade de gênero, raça e sexualidade, na prática, no cotidiano da vida da maioria das mulheres, das negras, dos negros e dos LGBTs não garante que estes setores possam ter condições dignas de trabalho e de vida, pois é controlado por governos que servem aos interesses da classe capitalista.

Transformar a luta contra a violência na luta contra o Estado e seus governos vendidos

O governo do PT, quando questionado pelos exacerbados números de feminicíos e casos de violência contra as mulheres, respondeu dizendo que possui políticas públicas que estão servindo para combater essa realidade. Os grupos de mulheres petistas, como a Marcha Mundial de Mulheres, discutem o problema dos relacionamentos abusivos como um problema de machismo, patriarcado e capitalismo abstratamente e, assim, retira toda a inação e negligência dos governos que dirigem o Estado. O fato de que Dilma conta com uma base aliada conservadora para governar, que acha que LGBTs devem ser “curadas” (Feliciano, PSC), que “as mulheres merecem receber salários menores que os homens” (Bolsonaro, PP) e que aceita que milhares de mulheres morram nas clínicas clandestinas de aborto ao invés de reconhecer e assegurar o direito à vida e de decisão sobre seus próprios corpos (Eduardo Cunha, PMDB) demonstra que esse não é um governo interessado nem capaz de combater a violência contra as mulheres. A própria lei Maria da Penha, aprovada pelo governo Lula em 2006, demonstrou em seus nove anos de vigência que não serviu para esse combate, mantendo milhares de mulheres em situações alarmantes de violência.

Tampouco é suficiente o debate que fazem as mulheres ligadas à oposição de esquerda ao governo do PT, como as mulheres do PSTU e de algumas correntes do PSOL, de que a resolução desse problema é apenas uma questão de financiamento. É urgente o financiamento de casas abrigo para as mulheres e crianças expostas a situações de ameaça e violência doméstica, urgente que os hospitais públicos recebam financiamento para oferecerem atendimentos de qualidade às mulheres vítimas de violência, bem como para a geração de empregos não precários, creches públicas etc. Mas a exigência de financiamento deve estar ligada a organização das mulheres, a impulsionar campanhas que levem a luta e enfrentamento contra a violência à luta e enfrentamento contra o Estado, não depositando nenhuma ilusão no governo e nem em seu braço repressivo, como as polícias que, quando procuradas, resultam numa segunda violência para as mulheres, já que são impregnadas da ideologia dominante que as culpam pela opressão que sofrem.

Nós mulheres devemos nos apoiar nos espaços independentes dos governos que permitem a nosso acolhimento e auto-organização para debatermos e avançarmos na luta cotidiana contra a violência. Em nossos locais de trabalho e estudos devemos nos apoiar em nossas companheiras para desenvolver esse debate, retirando-o do âmbito privado e individualizado e também o ampliando através das ações concretas e campanhas, pela via nossas entidades e espaços de organização, que nos fortaleçam na luta cotidiana contra a ação consciente dos governos e partidos da ordem em tornar as leis meras letras mortas para nos manter assoladas pela violência.




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