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OPINIÃO | Rede Globo, meios de comunicação, oligarquias e ‘centrão’: ondas secretas do poder

Uma das principais bases materiais e força política de uma dezena (ou centenas) de políticos é seu domínio da mídia. Conseguem não só reportagens favoráveis de amigos, não só cobertura interessadas devido a comum interesses ideológicos e de classe, mas também pela mais pura relação capitalista: são os donos da mídia.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

sexta-feira 1º de julho de 2016 | Edição do dia

Uma das curiosas operações ideológicas que escondem a compreensão do fenômeno político do “centrão” é a ocultação de suas bases materiais. Como procuramos mostrar em outro artigo, além da flexibilização linguística de transformar este “direitão” em “centrão”, esta sólida base do regime político brasileiro é descrita, interessadamente, pela mídia dominante e pelos principais partidos nacionais, o PT e o PSDB, como forças do atraso. Seriam forças e parlamentares externos a sua ação progressista, e expressão do atraso que se choca com as forças “modernas”.

Uma das principais bases materiais e força política de uma dezena (ou centenas) de políticos é seu domínio da mídia. Conseguem não só reportagens favoráveis de amigos, não só cobertura interessadas devido a comum interesses ideológicos e de classe, mas também pela mais pura relação capitalista: são os donos da mídia.

Para acreditar que este tipo de relação seria expressão somente do atraso e não de uma rede de relações interligadas que unem interesses materiais e ideológicos dos grandes centros e “partidos” nacionais com cada rincão e seus coronéis, é necessária uma profissão de fé. Seria preciso dizer que a Globo do Maranhão seria uma coisa e a Globo nacional outra, ou que a Jovem Pan de Minas (controlada por Aécio) é uma coisa substancialmente distinta de alguma capital nordestina. Seria acreditar que a elite paulista ou carioca conseguisse alguma vez dominar o país sem se associar ao imperialismo e aos herdeiros das mais antigas Casas Grande. Seria acreditar que a terra por excelência do coronelismo, do atraso, do “centrão”, seria o Nordeste na mais típica xenofobia sulista.

Eis que o último “grande” dirigente do centrão não tinha como sobrenome Magalhães, não era nordestino, mas um carioca. Se não da gema, que soube ir da Baixada ao pret-à-porter: Eduardo Cunha.

Continuidade entre baixo e alto clero também na propriedade midiática

Tal como argumentamos no artigo citado previamente, não há nenhuma descontinuidade entre “baixo” e “alto clero”. Temer era “baixo clero” até quando, quando virou presidente de seu partido ou quando virou vice-presidente e agora presidente golpista que deixou de ser? Qual a fronteira se angariar ampla base de apoio na Câmara é uma catapulta no poder? O bem nascido e membro do Senado, portanto “alto clero” Aécio, foi presidente da Câmara nos anos 90, era “baixo clero” naquele momento?

Como diz o milenar ditado romano pecunia non olet [o dinheiro não tem cheiro], e as bases materiais, midiáticas, unem partidos e representantes das duas casas do Congresso.

De norte a sul do país, atravessando diversos partidos, algo que é constitutivo do poder de parlamentares que são descritos como sendo do “centrão” (e outros) é seu domínio da mídia. São beneficiários de concessões públicas de rádio e TV, e muitos detém os principais jornais de suas cidades. A conta de quantos são donos de jornais é desconhecida pois não são concessões públicas, nem também se sabe quantos se beneficiam de relações com igrejas, políticos e empresários locais e por estas vias conseguem melhor cobertura jornalística ou mesmo programas de rádio e TV. Neste artigo focaremos, infelizmente, na ponta do iceberg, as relações de propriedade e parentesco.

Como dito, o dinheiro não tem cheiro, as ondas de rádio e TV também não. Uma emissora é um dia SBT, no outro Record, e num terceiro, se fica rica, Globo. Seguindo esta mesma máxima mudam os partidos, até mesmo as afiliações religiosas, mas os esquemas e os hábeis políticos do regime permanecem. Cunha destaca-se não por ser mais sujo que os outros, mas por sua audácia e habilidade em praticar o mesmo que dezenas (ou centenas) de outros políticos.

Entre as mil e uma falcatruas e manobras de Eduardo Cunha que vieram a público no último ano, uma foi particularmente curiosa, o político fluminense é dono de “Jesus” na Internet. Empresa de domínio do deputado, que também era um radialista de emissoras de rádio evangélicas, tem sob seu registro 154 variações da palavra “jesus” na rede. Para alguém utiliza-las deve comprar ou alugar deste retilíneo senhor. A ligação com rádios e com a “rede”, bem como suas relações pecuniárias com Igrejas (incluindo propinas na Lava Jato para uma delas) é uma das facetas do político.

O que Cunha tem de moderninho e internético outros políticos tem de habitual. São donos das boas e velhas ondas não de IPs. A revista Carta Capital divulgou no ano passado uma lista de políticos donos no Congresso Federal que seriam donos de rádios e TVs. Na lista há 32 deputados federais e 8 senadores. Seguramente uma listagem que inclua filhos, tios, esposas, padrinhos e apadrinhados daria um número muito maior.

Na lista estão representados 14 partidos e 18 estados. Nela constam nanicos, o recém fundado Partido da Mulher Brasileira (sem representantes mulheres), o PRB, PR, PDT, PSB, DEM, e vários outros, e até mesmo os “modernos” neoliberais do PPS e PSDB. Não dos chamados rincões do país, mas de São Paulo e outras praças ditas modernas.

Das rádios de suas cidades a coligação com a poderosa Rede Globo

Como se sabe pelo interior do país, diversos políticos são donos de rádios locais, ou, vice-versa, donos de rádios locais se fazem donos da política. Populares apresentadores e radialistas se tornam políticos, e volta e meia proprietários de redes de comunicação. Na impessoalidade das grandes cidades parece que as coisas não seriam assim, mas volta e meia um Wagner Montes (PSD-RJ), Celso Russomano (PRB-SP) ou o próprio Cunha (PMDB-RJ) lembram que não é bem assim. O próprio Sílvio Santos já tentou se candidatar a presidente da República.

Isto seriam coisas de populistas, fenômenos secundários, poderíamos pensar. Mas não se trata disso. O símbolo da mídia no país, a Rede Globo é expressão das mesmas relações de poder e propriedade.

Ao contrário do que a maioria dos brasileiros pensa, a Rede Globo não é exatamente dona da mídia no país. Ela é dona da distribuição em alguns estados (sobretudo as capitais de São Paulo e Rio), proprietária de um dos maiores jornais do país, O Globo, e de uma das maiores provedoras de TV a cabo e internet, a NET, de resto ela produz programas e vende para “afiliadas”. Ela tem sócios país a dentro.

A lista de sócios é quase uma listagem da mais alta estirpe dos donos da mídia e oligarquias regionais, a saber: a família Collor (PTB) em Alagoas, a família Magalhães (DEM) na Bahia, a família Sarney (PMDB e PV) no Maranhão (até poucos anos atrás), da sogra de Tasso Jereissati (PSDB) no Ceará, família Roriz (PRTB) em Goiás e Tocantins, parte de Minas Gerais pelo suplente de Anastasia (PSDB), outra parte do mesmo estado e o Rio Grande do Norte pelo apadrinhado de Henrique Alves (PMDB), o Sergipe pelo ex-governador Albano Franco (PSDB), no Piauí por Heráclito Fortes (DEM).

As “forças modernas” no país, nascidas sob pressão do imperialismo e medo das massas, sobretudo os negros, se associaram não só aos britânicos e depois americanos para exercer seu domínio, mas também a coronéis de norte a sul do país. A elite brasileira nunca pode nem poderá ser progressista marcada por esta contradição de “nascença”.

A própria poderosa Rede Globo alcançou seu posto de domínio na ditadura, catapultada a monopólio com ajuda dos coturnos militares, privilégios nas transmissões do futebol, mas também aval e capital ianque. O precursor do “Jornal Nacional” foi o “Repórter Esso” (da homônima imperialista de petróleo) que “curiosamente” teve sua última transmissão de rádio com a leitura do AI-5 e na TV foi até 1970 quando foi cedendo lugar ao novo formato, transmitido pela estatal Embratel, re-transmitida por parceiros oligárquicos do golpe em cada canto do país.

Ondas secretas e ocultas, de rádio e TV, unem o atraso e o moderno. Unem as oligarquias regionais e as metrópoles, o “centrão” e a “modernidade” inclusive a modernidade made in USA. Inclusive aquele país, símbolo de modernidade capitalista mundial, exibe sua cara “brasileira” em meio à decadência imperialista onde o hiper-moderno exibe sua cara de atraso com um reacionário bilionário dono da mídia, e apresentador de TV, Donald Trump exibe suas garras para disputar a Casa Branca.

Voltando ao Brasil, o desenvolvimento desigual e combinado do país fez de velhas relações da República Velha se transmutarem em AM, FM, UHF e até mesmo domínio de IPs. Esta velha-nova relação ilustra como o combate ao “atraso” no país, não será dado pela restrição de partidos como quer o PSDB (ele mesmo expressão destas relações), da fantasmagórica oposição senado de “política qualificada” versus Câmara do “baixo clero” como quer o PT, só pode se dar em uma lógica anticapitalista, afetando as relações de propriedade, inclusive da mídia que une os mais diversos partidos e interesses capitalistas (e imperialistas) no país.




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