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Rap dos Novos Bandidos: O subúrbio e as favelas cariocas através dos olhos de Sant e LP Beatzz

Renato Shakur

Foto da capa da matéria: 36n63

Rap dos Novos Bandidos: O subúrbio e as favelas cariocas através dos olhos de Sant e LP Beatzz

Renato Shakur

Recentemente Sant e LP Beatzz lançaram seu primeiro álbum juntos. Uma parceria que vem de anos entre singles e o ep Fazendo Arte, os dois trouxeram dessa vez referências musicais, experiências de vida, questionamentos da vida e da sociedade, imagens e sentimentos de jovens negros no subúrbio carioca. Foi preciso 2 anos para colocar tudo isso em 15 faixas que vão do funk e passam pelo grime, trap, drill até o boom bap. As referências à banda O Rappa, Chico Buarque, Belchior, Racionais, entre outras, também fazem parte dessa obra prima. Além das parcerias com Costa Gold, VND, SD9, Tiago Mac e MC Cidinho General. Esse é o Rap dos Novos Bandidos.
Foto da capa da matéria: 36n63

Segundo Sant: “Esse disco é minha retomada. Pessoal e profissional. É um registro de um de nossos estilos de vida. É um pouco de cada morador, correria, vagabundo, sonhador. Pra que a gente se veja na gente”.

De cara se olhar a capa do álbum, você vê em parte o que nos espera nessas faixas. Sant e LP sentados numa laje, olhando pra frente, em perspectiva algumas favelas e periferias do subúrbio carioca e o Morro do Urubu. Para usar uma frase bastante famosa e cunhada por Sant: O mundo ao Norte.

Mas de que é feito esse mundo? Quem são seus personagens? Quais são seus conflitos e contradições? LP e Sant a cada faixa de “Rap dos Novos Bandidos” mostram com muita sensibilidade esse mundo. Já na “Intro”, fazendo referência a música “Da Ponte pra Cá” do Racionais MC’s com uma batida de funk e um drill bem pesado, a realidade do subúrbio carioca pode ser traduzida no seguinte verso: “A lua cheia clareia as ruas da ZN, acima de nós só Deus, abaixo PMs”. Violência policial, racismo, dilemas e a vida do crime e no meio disso tudo um jovem negro. Ou melhor, “um gênio em depressão” convicto de que precisa dar o próximo passo, o mais difícil em sua vida e em sua carreira. São escolhas difíceis, dilemas profundos, para quem cresceu nos subúrbios do Rio e de quem tem na arte e no rap, sua melhor arma.

Na faixa “Prantos” isso fica ainda mais claro: “O mundo na mente do adolescente. Que a perspectiva deixou carente. Pai ausente. Mãe doente. Mais um irmão morto, troca o pente”. Sant segue no refrão: “Prantos viram planos. Pra ter a visão disso, ligue os pontos. Se os assuntos são os danos. Avise ao mano que estamos prontos”. Enquanto tem uma extrema direita e direita que quer a redução da maioridade penal, que diz que tem que mirar na cabeça e atirar e comemora chacina em favela, Sant e LP estão falando pra gente olhar pra essa realidade de outro jeito. É só ligar os pontos, as dificuldades e incertezas da vida, coloca seu amigo, um colega de escola a formar na boca. Ninguém quer viver nessa situação, mas a falta de perspectiva dentro do capitalismo fazem dessa tragédia a realidade na favela. Sant e LP denunciam isso.

Ela não para por aí, infelizmente. A violência policial, uma ferida aberta na vida de tantos trabalhadores e jovens pelo Brasil inteiro, nessa mesma faixa é denunciada como muita força. “Vidas passadas como águas. O sangue não passa, não passa, não passa não. São manchas na praça. Da calçada do bairro até o brazão da farda”. Esses versos dizem muito da realidade dos subúrbios, favelas e periferias cariocas, mas também de grandes cidades do Brasil. O aumento da violência policial desde a eleição de Bolsonaro aprofundou essa realidade, mas também aumentou o ódio de uma juventude que conhece bem o papel reacionário e covarde da polícia.

Sant e LP Beatzz nesse álbum conseguiram mostrar bem as contradições e os pontos fortes de uma juventude que cresce nos subúrbios e favelas cariocas. A violência urbana, guerra entre facções, baile, problemas de saúde mental como a depressão, são os elementos desse enredo. Imagina quanto é difícil crescer nessa realidade. Mas o mais forte disso tudo é que mesmo com tanta adversidade, um jovem como Sant que inclusive parou de fazer rap por conta da depressão, consegue traduzir com rima e batida, através da arte, da cultura negra, esse grito desesperado e entalado na garganta de milhões de jovens. Jovens que estão passando pelo que ele passou, que estão diante dessas mesmas escolhas, que ficam durante horas em cima de uma bike trabalhando para Ifood, jovens que sonharam um dia em ser jogador de futebol, que perderam seus amigos pro crime ou que tiveram suas vidas atravessadas pela bala da polícia.

É nesse mar de incertezas e inseguranças que Sant e LP mostram que mesmo esse sistema de miséria que é o capitalismo, que tenta retirar tudo que é possível da juventude negra, não conseguem arrancar da arte a perspectiva de uma transformação profunda, de denúncia, de fazer sentir tudo aquilo que a depressão e os problemas de saúde mental ajudam a sufocar. Num país de Bolsonaro e tantos outros que tentam arrancar toda nossa perspectiva de futuro, seja dos trabalhadores ou da juventude negra, me faz enxergar nesse álbum do Sant e LP que faz referência a George Floyd, João Pedro e tantos outros, que a juventude não foi derrotada e tem um mundo sem racismo, exploração e guerras para sonhar e construir. Esse é o Rap dos Novos Bandidos.


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Renato Shakur

Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
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