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ECONOMIA MUNDIAL | Queimando os navios

Paula BachBuenos Aires

sábado 20 de junho de 2015 | 00:00

O balanço pós-crise 2008, os prognósticos e as novas debilidades da economia mundial, foram temas recorrentes na imprensa britânica nesta semana. Martin Wolf, Gabyn Davies e Willem Buiter, trocaram opiniões no Financial Times. The Economist traz editorial sobre o tema, ilustrando sua capa com uma imagem em que um soldado, depois de derrotar um dragão, se vê diante da mandíbula de outro. O consenso entre a maioria dos economistas indica que a taxa de crescimento mundial em 2015 rondará os 3% e que a taxa de crescimento dos Estados Unidos se situará pouco acima de sua tendência de 2,25% dos últimos anos, superando a debilidade do primeiro trimestre, considera de caráter conjuntural. Os salários estagnados estariam começando a aumentar nos Estados Unidos. O desemprego cai pouco na Europa, os preços iniciam uma subida e uma leve recuperação da Eurozona poderia ganhar corpo, ainda que num fenômeno cíclico. O Japão teve um crescimento alto no primeiro trimestre. É provável que o FED norte-americano e o Banco da Inglaterra iniciem a alta das taxas de juros, enquanto o Japão e a Europa as manterão em níveis muito baixos. Pela primeira vez desde 2007 todas as economias dos países ricos cresceram e, de conjunto, poderiam superar 2%, com o que a brecha entre os Estados Unidos e os demais países seria menor. Martin Wolf conclui que poderia haver consenso a respeito de uma constante, mesmo que modesta, recuperação dos países centrais com uma tendência à convergência entre eles. Segundo The Economist, mesmo com a luta duradoura e árdua, olhando pelas maltratadas economias dos países ricos, chegou o momento de declarar que se ganhou a luta contra o caos financeiro e a deflação. No entanto, nem todas estão bem.

Vulnerabilidades

Segundo os economistas, apesar disso, conservam riscos substanciais, tanto velhos como novos. Entre eles, a Europa está inundada de dívidas e é extremamente dependente de suas exportações. Segue um grande desequilíbrio comercial entre a Alemanha e os demais países da Eurozona, portanto não se pode descartar uma nova recessão. O Japão não pode conseguir que a inflação se firme para sair definitivamente do processo deflacionário. A relação média entre a dívida e o PIB nos países ricos aumentou 50% desde 2007. Na Grã-Bretanha e na Espanha a dívida mais do que duplicou. O crescimento dos salários nos Estados Unidos poderia prejudicar os lucros empresariais. As economias dos países chamados “emergentes”, que foram responsáveis pela maior parte do crescimento durante os anos posteriores à crise, não estão vivendo seu melhor momento. Espera-se para este ano uma contração das economias no Brasil e na Rússia. A China, por sua parte, poderia estar desacelerando numa velocidade maior do que a desejada pelo governo. O fato é que, por pouco ou muito, os temores dos economistas estão concentrados na possibilidade sempre presente de um “Grexit” – saída da Grécia da zona do euro –, um “Brexit” – saída da Grã-Bretanha da União Europeia, que, por sua vez poderia estimular a separação da Escócia e a desintegração do “Reino Unido” –, uma “aterrissagem forçada” da China, que inevitavelmente causaria danos à economia mundial e, por último e ainda mais arriscado, as condições da “normalização” da política monetária norte-americana. Este último é, para muitos, o verdadeiro ponto crítico que, em particular, a The Economist dedica seu editorial praticamente todo. Continuando, vamos às causas.

Uma boa e uma má

Os economistas costumam definir esquemas de soma nos quais o mundo estaria dividido entre as boas e as más notícias. Então, seguindo esse método, se poderia dizer que há “uma boa” para anunciar: a economia mundial evitou a catástrofe apelando fundamentalmente nas baixas taxas de juros. E “uma má”: tendo esgotado o arsenal, os governos e os bancos centrais não terão munição para enfrentar uma eventual nova recessão. Como disse a The Economist, se alguma das vulnerabilidades mencionadas provocar uma recessão, o mundo estará numa posição debilitada para fazer o necessário a respeito. Raras vezes tantas grandes economias estiveram tão mal preparadas – enfatiza o semanário – para enfrentar uma recessão, seja qual for sua procedência. Mas, como na realidade a origem das “melhores notícias” nos últimos tempos são os Estados Unidos, o problema se apresenta com uma hierarquia particular, se do que se trata é enfrentar as vulnerabilidades de qualquer origem. A questão tem como epicentro as discussões do FED norte-americano sobre o “momento oportuno” para elevar as taxas de juros. E, então, The Economist continua insistindo que se a resposta lógica ao problema seria voltar o mais rápido possível à “normalidade”, ou seja, elevar as taxas de juros para que os bancos centrais e governos tenham margem para rebaixá-las quando o problema se apresentar, fica revelado que o lógico se mostra equivocado. Estranho raciocínio, sobretudo quando não se pretende superar um milímetro que seja a lógica formal. O semanário acrescenta – contra a ala dura do FED – que o aumento das taxas enquanto os salários ainda estão baixos e a inflação muito aquém das metas do banco central ameaça lançar outra vez a economia à beira da recessão que se pretendia evitar. Agregando que seria preferível uma inflação um pouco acima da meta do que uma prematura alta das taxas de juros. Destaca que se é certo que as taxas excessivamente baixas estão inflando os preços dos ativos e criando riscos no longo prazo, estes riscos são manejáveis, e que uma economia com pleno emprego e um nível saudável de inflação estará em melhores condições para resistir a um ataque de instabilidade financeira do que uma que esteja beirando a deflação. Ninguém no juízo perfeito poderia discutir uma afirmação semelhante, ainda que o problema inicialmente apresentado seja outro: as taxas historicamente baixas, necessárias para conter a crise, esgotam os mecanismos para enfrentar uma nova recessão.

Incongruências do capital

O problema é que The Economist, o FED e todos os economistas do mainstream se deparam com um paradoxo. Alguns deles, como Larry Summers se veem na necessidade de expor isso. Sua tese do estancamento secular constata exatamente o fato de que a economia se encontra perante um fenômeno excepcional. Nas condições atuais – isto é, pós-crise de 2008 – o nível das taxas de juros real que permitiria chegar ao “pleno emprego” está num nível mais baixo do que os “mercados” ou as intervenções governamentais efetivamente podem sustentar. Inclusive diante da versão da tese do estancamento secular que o falecido economista Alvin Hansen havia formulado nos anos 1930, Summers afirma que a peculiaridade atual está na baixa inflação nos Estados Unidos e nas tendências à deflação na Europa, o que dificulta ainda mais a redução das taxas de juros reais. De modo que não apenas as baixas taxas de juros necessárias para manter a economia ativa se convertem num fator de instabilidade permanente, mas os gastos com dívidas aumentam em termos reais devido às tendências deflacionárias. Nesse contexto, as políticas monetárias asfixiam e esgotam seu próprio mecanismo de resgate, invalidando-o no caso de ter que enfrentar novas crises. Assim, mantendo-se um nível de crescimento econômico que evite a recessão, isso será a causa de uma taxa de juros abaixo do mínimo histórico, o que trará permanentes altos riscos financeiros e baixa capacidade de defesa do próprio sistema. Mas, para dizer a verdade, esta questão das taxas de juros, como alerta, ao menos em termos formais, Summers e vários outros economistas, não é mais do que a manifestação de problemas muito mais profundos que o capital enfrenta, tais como os problemas do investimento e da produtividade e, inclusive, o da desigualdade. No entanto, The Economist, ao insistir no argumento de que poucas economias têm conseguido crescer durante uma década sem cair em recessão – o que, cedo ou tarde, as autoridades norte-americanas enfrentarão uma –, pretende colocar em termos de “ciclos básicos” o que na realidade é sintoma de um grave problema histórico que o capital enfrentará nos próximos anos e provavelmente décadas. Os elementos de recuperação conjuntural – que inclusive podem atuar como uma nova lufada de oxigênio para a luta de classes – devem ser considerados em função de todos os limites a que estão submetidos os grandes dilemas estruturais de longo prazo.

Nota da tradução: O título original do artigo “Quemando las naves”, de acordo com historiadores e escritores, pode ser uma referência à decisão militar de Hernán Cortés Pizarro, conquistador espanhol que liderou a invasão que resultou no fim do Império Asteca e a colonização do México no início do século XVI, de mandar queimar os navios. Esta resolução (queimar os navios) de Cortés, para alguns historiadores, se referenciava no que havia feito Alexandre, O Grande, nas costas da Fenícia (335 a.C), quando, diante da imensa inferioridade numérica de suas tropas em relação às tropas inimigas, o que gerava temor e desmotivação de seus soldados, ordenou a queima de todos os navios para mostrar (e motivar) à tropa que não havia outra alternativa que não fosse lutar até o fim, e vencer, única forma de voltar para casa usando os navios inimigos.




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