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Projeto TPE UFRGS: o teatro resiste entre a pandemia e os cortes de Bolsonaro

Giovana Pozzi

Imagem: Everton Machado/divulgação

Projeto TPE UFRGS: o teatro resiste entre a pandemia e os cortes de Bolsonaro

Giovana Pozzi

O governo de Bolsonaro e Mourão ataca as Universidades, a juventude, a arte e os artistas. O projeto Teatro, Pesquisa e Extensão, também conhecido como TPE, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reúne, portanto, tudo aquilo que esse governo e o regime golpista detestam: jovens pesquisando e fazendo arte em uma universidade pública. É sobre esse projeto que falaremos hoje. Entrevistamos a professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS e fundadora do TPE, Inês Marocco, e a estudante também do curso de teatro da UFRGS e bolsista do projeto, Lara Vitória, para fazer conhecido esse importante projeto para a cena cultural da capital gaúcha. O TPE impulsiona mensalmente peças produzidas pelos estudantes, propiciando um espaço de formação e experimentação em produção de espetáculos e curtas temporadas, abrindo as portas da universidade (ainda que virtuais, nesse momento) para as escolas e para a população de conjunto, colocando sob os holofotes profundos debates das mais variadas formas sobre as opressões e as mazelas sociais, das quais Bolsonaro e cia são entusiastas, mas também trazendo para a cena debates sobre arte, identidades e muito mais.

Carcará: Qual a história do TPE (Teatro, Pesquisa e Extensão) e como ele funciona?

Inês Marocco: O TPE começou em 2003, a partir da vontade dos alunos do meu grupo de pesquisa, que queriam mostrar seus trabalhos feitos dentro do DAD [Departamento de Arte Dramática da UFRGS] para um público, a comunidade acadêmica e geral. A partir disso, eu apenas coloquei no papel a vontade deles, porque alguém tinha que oficializar essa ideia, e eu oficializei através de um projeto de extensão. No início era tudo muito simples, não tinha apoio da PROPESQ [Pró-Reitoria de Pesquisa] nem da PROREXT [Pró-Reitoria de Extensão], mas tinha apoio do Departamento de Difusão Cultural da UFRGS. Mas era um apoio burocrático, porque não tínhamos auxílio nenhum e na época a gente cobrava [ingresso]. Isso gerou problemas porque o auxílio não custeava, era só pra pagar o cachê. E claro, aos poucos os projetos de extensão tiveram regulamentações em relação a cobrança e aí caiu por terra a ideia de cobrar. Tínhamos poucos espetáculos, eu pensei várias vezes em desistir por estar sozinha e ver muitos obstáculos, mas o pessoal da difusão sempre me incentivou. Até que, a partir de um determinado tempo, eu comecei a ganhar bolsas para a equipe.
O TPE funciona anualmente como uma mostra universitária e são 7 meses de temporadas. São selecionados 7 trabalhos de grupos de alunos que são apresentados neste período, de abril a dezembro. Com a pandemia, o cronograma foi alterado, também em função do ano acadêmico. Mas principalmente o TPE funciona como uma equipe, essa que faz toda organização da mostra. A equipe é formada por alunos do departamento que passam por uma seleção e recebem auxílios. Sempre batalhamos por uma remuneração mínima. Essa equipe, junto com professores coordenadores, que no caso agora somos eu, Cristiane Werlang e Henrique Saidel, é quem organiza toda a mostra. O TPE é um laboratório de formação importantíssimo, não só para quem faz parte da equipe, como também para quem apresenta trabalho na mostra. Cada temporada é muito significativa para os grupos em função de aprendizagem e evolução dos espetáculos. E ele foi tomando uma proporção muito maior do que a gente imaginava, atingindo escolas, com as quais a gente agenda para assistir espetáculos e debater.

Lara Vitória: Em 2011 foi criado esse projeto, o TPE escola, que é uma parceria que a gente faz com escolas, de preferência escolas públicas. Antes trazíamos os alunos pro espaço da UFRGS, o que era muito legal pra eles conhecerem esse espaço da Universidade, mas agora estamos vendo uma forma diferente de continuar o contato com essas escolas, pensando como levar o TPE até elas, ao invés do contrário. Em 2010, a gente começou a abrir outras parcerias, como com a TV UFRGS. que ajudou com a divulgação e tem várias peças disponíveis. Em 2018, conseguimos uma maior acessibilidade pras peças com a ajuda do pessoal do curso de libras da UFRGS, que desde então estão nos ajudando com as traduções. E também em 2019, iniciamos uma parceria com Qorpo Crítico, projeto do Henrique Saidel, onde os alunos produzem críticas das peças apresentadas no TPE, o que é bem bacana.Com essas parcerias, conseguimos expandir esse projeto ao longo dos anos.

Inês Marocco: Mostra a importância do TPE no meio acadêmico e na comunidade em geral, o que é o objetivo primeiro de um projeto de extensão.

Carcará: Qual papel você vê que o TPE cumpre hoje pra cena teatral da cidade em meio à crise sanitária, econômica e política que vivemos? E dentro da UFRGS?

Inês Marocco: Antes da pandemia, o TPE já fazia parte da agenda cultural. E eu acho que o TPE se tornou importante, criou uma tradição e um público. Vem gente da grande Porto Alegre, por exemplo, pra assistir os espetáculos. E o fato dos espetáculos acontecerem em horários alternativos facilita a vida das pessoas, porque geralmente os espetáculos são à noite. Outra coisa boa também é que é gratuito, graças à PROPESQ e à PROREXT que subvencionam a mostra.
Agora na pandemia, eu acho que o TPE continua sendo muito importante. A mostra universitária, ao conseguir sobreviver a essa pandemia, ela demonstra que é importante e necessária. Tanto que, por exemplo, a UFRGS continua financiando a mostra, o que demonstra a importância. No ano passado, nós ficamos sabendo que a reitoria ficou muito impressionada com o fato do TPE ter reagido ao contexto pandêmico e ter resistido apresentando soluções. Foi tão impressionante o que foi feito pelos grupos do ano passado, que dois deles foram selecionados para serem apresentados no dia da cultura, promovido pelo Centro Cultural da UFRGS.

Lara Vitória: O TPE cumpre desde o seu princípio esse lugar da ocupação. Ele veio a partir dessa vontade de ocupar os espaços públicos da Alziro e Qorpo Santo [salas de teatro na UFRGS]. E eu acho que ele continua fazendo isso mesmo de forma online, dando o espaço pros alunos continuarem seus projetos e seguirem mostrando sua voz, com uma temporada onde eles conseguem ter divulgação das suas peças, criar experiência para construção do espetáculo e expandir suas vozes, a partir desse primeiro passo disponibilizado pelo TPE para os espetáculos feitos dentro do departamento. Acho que é um papel muito de ocupação.

Carcará: O que podemos esperar dos espetáculos selecionados para a edição do TPE 2021?

Inês Marocco: Bom, esses espetáculos estão mais adaptados e adequados ao remoto em função de terem sido feitos já para essa versão. São espetáculos de alunos, resultados de trabalhos e estágios realizados durante o ano passado, em plena pandemia. Eu não participei da comissão curadora porque um espetáculo de alunos meus estava concorrendo. Mas o que nós discutimos depois, em relação à curadoria, foi sobre as temáticas coincidirem com a diversidade, pluralidade de linguagens, o diálogo com a tela e o virtual, que é uma tendência muito em voga em função do contexto que estamos vivendo.

Lara Vitória: Olha, em 2020 foi um susto, porque já estava tudo preparado para ser presencialmente, tanto a estrutura da temporada como os espetáculos, e tivemos que mudar para ser online. Depois desse susto, conseguimos nos organizar na mostra de 2021 para entregar a mesma qualidade da mostra presencial. Então essa mostra vem muito forte porque os alunos se engajaram demais pra fazer essas produções remotas. E vieram pesquisas muito diferentes, vai ter uma pluralidade enorme, não só em assuntos, mas também foram pesquisados diferentes meios de como mostrar esses assuntos através de espetáculos virtuais. Vai ser uma mostra muito plural e também com uma qualidade técnica incrível, o pessoal se puxou muito para fazer as produções. Vai ser única e incrível.

Carcará: Em meio a pandemia, os trabalhadores da cultura foram extremamente afetados, sendo uma das categorias mais atingidas pelo desemprego e falta de perspectiva. Como esse cenário afetou as reflexões sobre o TPE desde 2020?

Inês Marocco: Claro que a arte é a primeira a ser atingida nesse contexto, até porque é um setor que depende de público, de bilheteria, de leis de incentivo e tudo isto foi cortado, bloqueado. Os teatros foram fechados, não tem mais público. Claro que tem possibilidade de ser virtual, mas não é a mesma coisa, diminuiu bastante a demanda. E em relação às leis, como a lei rouanet, atualmente ela tá em um impasse, contingenciada, isto é, bloqueada. O governo federal bloqueou a lei. Não existe a possibilidade de utilizá-la, o que é muito complicado pros artistas que dependem dessa lei para captar recursos. Enfim, está se fazendo uma série de movimentos em prol dos artistas, mas de qualquer modo nada substitui a abertura dos teatros ou as leis de incentivo funcionando. Então atualmente a situação pros artistas está bem complicada.
Em relação ao TPE, como ele está dentro da universidade e a universidade depende de recursos federais, o TPE também está ligado diretamente à possibilidade de ter ou não ter recurso, como todas as outras instâncias da universidade. Felizmente, a gente vai poder funcionar neste ano, pois conseguimos os auxílios pros grupos que vão se apresentar. Mas é uma corda bamba né, não sabemos até quando a gente vai conseguir ter esse apoio da reitoria. Mas por enquanto esse ano tá garantido.

Lara Vitória: Como eu disse anteriormente, a pandemia nos pegou de surpresa, porque a gente estava pra estrear. Vou te dizer que, na verdade, é uma luta diária ser trabalhador da cultura, temos que lutar todo dia só por ser e existir. É uma luta constante desde conseguir bolsa pros espetáculos até bolsa pros bolsistas, que é uma coisa que os profes envolvidos lutam com unhas e dentes, anualmente. Enfim, a pandemia nos pegou de surpresa e sim fomos muito afetados, a gente está sempre dizendo que fomos os primeiros a parar e vamos ser os últimos a voltar, então uma coisa que fizemos foi ampliar o edital pra que espetáculos produzidos há mais de 1 ano no curso, pudessem entrar. Também tentamos deixar um pouco mais fácil o acesso ao edital do TPE para contemplar o máximo possível dos alunos que também foram muito afetados pela questão da pandemia. Foi um grande susto pra todo mundo, mas para essa mostra estamos nos organizando e nos adaptando a esse teatro que estamos recém conhecendo.

Carcará: Sabemos que nesse ano diversas Universidades Federais notificaram possível fechamento devido aos cortes feitos pelo governo de Bolsonaro e Mourão, que somados aos cortes e ataques dos últimos anos, são um ultimato à existência das Universidades Públicas. Nesse contexto, diversas bolsas de pesquisa foram cortadas e inúmeros projetos artísticos são atacados pelo reacionarismo de Bolsonaro e sua corja. Ou seja, sendo o TPE um projeto de pesquisa e extensão da Universidade que impulsiona projetos artísticos, ele é em si um alvo do atual governo. Como vocês veem o TPE inserido nessa luta pelo direito à arte e à educação?

Inês Marocco: Sim, a gente tem consciência desse sucateamento. E felizmente, como eu falei na resposta anterior, nós conseguimos ainda esse ano manter os auxílios à mostra universitária do TPE. E acredito que sim, as artes em geral estão sendo atacadas de uma forma violenta através dos cortes aos auxílios, subvenções, leis de incentivos e tudo. Acho que, nesse sentido, o TPE é um respiro né. É um respiro para nós, pros alunos, pro departamento, um lugar onde a gente ainda tem a liberdade de se expressar.

Lara Vitória: Acho muito importante essa última pergunta, acho que ela se relaciona com todas as outras na verdade. O TPE é um local de pesquisa e de ocupação. E sendo público, sendo sobre arte, é um lugar político, também afetado diretamente por todas as ameaças e cortes feitos. Como eu disse anteriormente, mensalmente, pros professores poderem pagar os bolsistas, é uma grande luta. Então é muito complicado essa questão, porque desde que o projeto foi criado em 2003 muita coisa mudou, mas as coisas parecem que não melhoram, só ficam cada vez mais difíceis. Como qualquer trabalhador no Brasil hoje em dia, tá tudo sendo uma grande luta diária. A gente é sim diretamente afetado por essas coisas, mas continuamos sempre muito persistentes. A equipe do TPE é muito unida pra poder entregar essa mostra, que é muito importante e esperada pelos alunos, porque as vozes não podem parar, os espetáculos não podem parar. Os alunos precisam desse lugar onde tem uma grande divulgação e uma grande preparação de uma temporada. Então assim, tudo que conquistamos, todas parcerias e bolsas, é muito muito suado, mas fazemos o possível para entregar a melhor qualidade possível na situação em que estamos dentro de uma universidade pública, pra entregar essas pesquisas, que são de muita qualidade, a um público maior. Então a gente é diretamente afetado, mas continuamos lutando todos os dias, assim como qualquer outro trabalhador neste país.

Acompanhe e veja a programação completa do TPE 2021 aqui


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Giovana Pozzi

Estudante de história na UFRGS
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