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UFABC | Primeira votação por cotas trans ocorre hoje na UFABC: acompanhe e participe desta luta

Nessa terça-feira (19), ocorrerá a primeira votação pelas cotas estudantis para população transgênero. Isto é, vagas para a graduação e pós graduação destinadas a atender o público de homens e mulheres transsexuais, travestis e pessoas transmasculinas. A votação que ocorrerá na Comissão de Políticas Afirmativas da UFABC (CPAf-UFABC), as 14 horas, e se aprovada, deverá seguir para o ConsUni (Conselho Universitário) para que seja efetivada já no próximo ano de 2019.

Virgínia GuitzelTravesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

terça-feira 19 de junho de 2018 | Edição do dia

O projeto de cotas para população trans foi apresentado pelo coletivo LGBT Prisma - Dandara dos Santos, que há anos protagoniza dentro da universidade diferentes iniciativas de acolhimento, inclusão e debates sobre pautas LGBT, com ênfase na população trans. Esteve nas greves gerais de 2017 denunciando o trabalho precário, organizaram uma enorme campanha pelo direito ao uso do banheiro de acordo com o gênero auto identificado e realizaram importantes mesas e discussões sobre a luta contra a violência sofrida por LGBT e agora encampam a luta por cotas trans.

Ano passado ocorreu em setembro, a Audiência Publica por Cotas trans no III Festival de Diversidade Sexual e em 2018 foi o primeiro ano que a UFABC abriu edital para Escola Preparatória com vagas exclusivas para pessoas trans. Estes primeiros passos demonstram que cada vez mais este tema está conquistando seu espaço e ajuda a relacionar o caráter de classe da universidade, com o questionamento da sociedade de classe.

Porque falamos de cota para população trans

Na próxima semana, dos dias 25 a 29 de Junho, será realizada a II Semana do Orgulho LGBT na UFABC, onde a mesa de abertura será Por que vidas trans importam? O que está por trás da luta pelas cotas trans nas universidades?

Neste pequeno texto, quero trazer alguns elementos para reforçar o convite ao conjunto dos estudantes e trabalhadores da UFABC a tomarem em suas mãos esta luta pelas cotas, como parte de um grande luta para transformar o caráter de classe da universidade e abri-la de fato para o conjunto da população à serviço dos trabalhadores.

No dia de ontem (18), o mês da diversidade teve um importante conquista com a 11º revisão do Código Internacional de Doenças, que retirou os termos de "transtorno de identidade de gênero" e a separação entre travestis e transsexuais do ponto de vista médico, que fortalecia uma enorme estigma sob os corpos não cisgeneros e nossas identidades. Sem diminuir a enorme vibração que esta noticia contagiou em particular as pessoas trans, mas o conjunto da comunidade LGBT que recentemente foi ameaçada pela "Cura Gay", não podemos deixar de assinalar que esta mudança ocorreu sem qualquer retratação histórica de décadas de estigma e legitimação de tratamentos desumanos, laudos fraudulentos e enormes estigmas que legitimaram atrocidades sem fim.

O Brasil segue sendo o país recorde em assassinato de pessoas trans, travestis e transmasculinas do mundo. Esse dado chocante só se explica, pela enorme naturalização de diversas formas de opressão que constituem uma longa cadeia de violência que inicia-se com a exclusão das escolas, sendo compulsoriamente desistentes devido a violência nas listas de chamada, da transfobia dos colegas de sala, professores e muitas vezes da própria direção da escola, que se apoia na família que muitas vezes também está contra as identidades não cisgêneras. A própria família que expulsa, mutila e castra as identidades que não correspondem a cisnormatividade, os patrões que não contratam pessoas trans mesmo com pós graduações, doutorados e outros diplomas ou currículos qualificados, levando a prostituição como destino "natural" para 90% desta população. São estas violências, que até ontem, se somavam a diversas instituições e atores como juízes, promotores, psiquiatras, pastores e outros "garantidores da ordem" como a polícia assassina que se apoiavam na patologização de nossas identidades para reforçar diversos castigos secretos que encobrem as estruturas e instituições que perpetuam a sociedade de classes, e utilizam a opressão como forma de aprimorar a dominação.

Olhar esta realidade é contrastante com pensar as universidades públicas, que comportam apenas uma pequena parte da população cisgenera, e não está organizada para atender as pessoas trans. Enquanto a maioria dos filhos da classe trabalhadora ocupam as universidades privadas, deixando seus salários e acumulando dívidas para aumentar os monopólios da Kroton-Anhanguera-Estácio. Um setor ainda menor entram nas universidades públicas, o que equivale a 4% dos 18% da população que cursa um ensino superior.

A desigualdade começa já no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), onde muitas pessoas trans não tiveram seus nomes reconhecidos. Mas se formos mais a fundo, vemos que a própria ideia do vestibular, é um filtro social para legitimar a profunda marginalidade da maioria da população. É uma das justificativas baseada na meritocracia que faz milhares de jovens se culparem pela falta de capacidade de um sistema excludente que é organizado para poucos, com o objetivo de reproduzir dentro das universidades, as desigualdades e seu conteúdo de classe, isto é, manter o conhecimento produzido pela humanidade reduzido aos objetivos das grandes empresas e dos lucros capitalistas. Estes objetivos não nos interessam, pois queremos pensar desde a medicina que liberte os corpos, os compreendam como pré-fabricados e permitam transformá-los, até a pensar todo o conteúdo produzido para responder aos grandes problemas sociais, como o defict de moradia, creches, hospitais, etc. Na contramão disso, vemos os monopólios da educação avançarem ainda mais sob a educação pública, com a Reforma do Ensino Médio, aumentando o abismo entre o ensino básico público e o ensino superior, ocupado majoritariamente pelos estudantes de instituições privadas.

A luta pelas cotas não se trata apenas do acesso a universidade. Assim como a luta pelo banheiro não se restringia ao direito de garantir necessidades fisiológicas. Estamos enfrentando a cisnorma para dizer que as pessoas trans não ficaram "no seu lugar" imposta pela miséria e pela exclusão social, nos levando apenas as esquinas escuras. Em tempos de golpes e profundos ataques, esta luta deve servir de arma para que seja de fato implementada a política de cotas, e as placas nos banheiros que ainda seguem apenas com os cartazes impressos e colocados pelo Coletivo LGBT, assim como fortaleça o Movimento Estudantil enquanto sujeito político independente da burocracia universitária, a mesma que manteve em todos esses anos as portas dessa universidade as pessoas trans. Como parte dessa luta para garantir o acesso ao ensino superior para toda juventude brasileira, lutamos pelo fim do vestibular, buscando acabar com todo e qualquer filtro social e racial que impede que nossos jovens possam ter aceso ao ensino superior em nosso país. Que juntamente com a estatização de todas as universidades privadas irá garantir o aumento no número de vagas para atender a uma quantidade cada vez maior que jovens que queiram entrar no ensino superior.

Cotas trans pelo Brasil pra estudar e para política

Em março de 2017, o setor litoral da Universidade Federal do Paraná recebeu sua primeira aluna trans no programa de pós-graduação via cota. No final do mesmo ano, a Universidade Federal do Cariri, no Ceará, começou a analisar a implementação de vagas reservadas para transgêneros em sua pós-graduação.

Nas eleições deste ano, transgêneros poderão usar cotas de gênero e nome social, como decidiu o Tribunal Superior Eleitoral. Na capital paulista, o projeto de lei 225/2017, que propõe cotas em concursos públicos, foi barrado no início deste ano na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

Keila Simpson, diretora da Antra, também defende que transgêneros devem ter cotas nas mais variadas instituições — mas tem ponderações a fazer. "Para além de apoiar cotas, nossas ações devem ser para que pessoas trans entrem na escola, permaneçam e façam sua formação básica", diz. E continua: "Cotas são parte do processo e apenas quase no final da formação educacional. É importante apoiar o desenvolvimento de políticas inclusivas para que essa população ter acesso aos ensinos básico e fundamental".

Que se cumpra o direito ao banheiro, e que possamos entrar todas sem o vestibular!

No dia 28 de Agosto, o Facebook institucional da UFABC publicou a notícia de que se estabelecia ali a inclusão das pessoas trans a partir das placas que seriam incluídas nos banheiros reafirmando e legitimando as pessoas trans de usarem estes espaços. Há dois meses de completar um ano, apenas alguns banheiros do campos de Santo André tem cartazes impressos que foram colocados pelos membros do coletivo LGBT Prisma - Dandara dos Santos.

Utilizam meu nome para falar em inclusão, mas eu sou uma das centenas de travestis que são proibidas de ver seus nomes nas listas de presença nas aulas, que não poderá fazer as provas, e que apesar de poder frequentar as aulas como aluna ouvinte, não terei o diploma como meus demais colegas de sala. Sou uma das milhares de jovens que largaram os estudos em instituições privadas pelo aumento abusivo das mensalidades, mais uma jovem que as universidades dizem que "não se esforçou o suficiente". Tampouco esquecemos que o começo da luta pelo direito aos banheiros, começou não por uma estudante, mas por onde entram as pessoas trans na universidade: pelas portas dos fundos, no trabalho precário: a terceirização. Foi a partir de uma denúncia de assédio patronal, legitimada pela universidade que não efetiva seus funcionários, que chegou a impedir o próprio trabalho de limpeza por não ser permitido entrar em banheiros femininos, tampouco ter um crachá com o seu nome social. Tamanha humilhação que ocorreu dentro da universidade, terminou com a demissão da funcionária. O que escancara de forma aguda o que dizemos ser o caráter de classe da universidade.

Por isso, a Faísca - Anticapitalista e Revolucionária está na linha de frente desta batalha pela implementação de cotas trans e pelo direito ao uso do banheiro junto com a Prisma, estudantes e trabalhadores. É também por esta trabalhadora, que não abrimos mão e nem damos nenhum passo atrás. E ao mesmo tempo que seguimos por esta luta, esforçamos para ligar as experiências do passado que nos ajude a não começar do zero e elaborar um programa que possa enfrentar o caráter de classe da universidade. Queremos retomar as lições do poderoso movimento estudantil francês de 68, a histórica luta das mulheres, pela libertação sexual e do povo negro, e as batalhas decisivas da classe trabalhadora mundial para que nossas ideias voltem a ser perigosas e que possamos fazer o movimento estudantil ser um sujeito político, que se aliado aos trabalhadores, possa colocar abaixo esta sociedade que se baseia na exploração do trabalho e na opressão. Falar sobre cotas trans, é só a entrada, para falar da construção de uma nova sociedade, de ruptura com o capitalismo, como uma condição para que se realize a busca pela nossa emancipação.




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