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CRISE DA PETROBRÁS | Por que o modelo do PT para a Petrobrás não é “estatal” nem “nacionalista”?

A política de Lula de ampliar o poder do Estado sobre a exploração do Pré-Sal (alterando a lei do modelo das concessões para o da partilha) teve como objetivo favorecer o poder de barganha do capital nativo em relação ao capital estrangeiro. Por mais que os petistas tentem vender essa política do PT como um “estatismo” contraposto ao tradicional privatismo dos tucanos, ou como um “nacionalismo” contraposto ao entreguismo, essa contraposição não existe na realidade.

Daniel MatosSão Paulo | @DanielMatos1917

quarta-feira 8 de julho de 2015 | 00:00

Para se contrapor à sanha tucana de aprofundar a entrega do petróleo brasileiro à multinacionais imperialistas, os petistas vendem a ilusão de que o modelo atualmente em vigor é “estatal” e “nacionalista”. Para tal, escondem que por trás do controle majoritário que o governo detém sobre as ações da Petrobrás com poder de voto, mas 72,3% do capital com direito a lucros é privado, e desses pelo menos 35,4% é propriedade direta do capital estrangeiro. Mesmo a parte menor do lucro que fica para o governo está a serviço de alimentar os 42% do orçamento público federal que é anualmente destinado ao pagamento de dívidas e amortizações aos banqueiros e especuladores. Toda a propaganda do governo sobre os royalties do Pré-Sal que supostamente seriam destinados à educação não passa de uma mísera parte de todo esse “bolo” abocanhado pelo capital privado nacional e estrangeiro.

Frente à atual crise da Petrobrás em função da operação Lava-Jato e a queda no preço do petróleo, que fizeram vir à tona as enormes dívidas acumuladas pela estatal, o PT está colocando em prática um novo plano de “desinvestimento” e privatização da empresa. O plano de negócios da empresa, recém publicado, prevê “desinvestimentos” (ou seja privatizações) no valor de US$ 57 bilhões de 2015 a 2019. Uma imensa soma, que corresponde a uma grande parcela do capital da empresa.

Como parte desse novo pacote, já foi vendida, a preço de banana, uma nova bacia do chamado “pós-sal” (que está acima da camada de sal do fundo do mar) no Espírito Santo para a Shell; e está em discussão a abertura de capital da BR Distribuidora na bolsa de valores, assim como existem rumores de que o mesmo poderá ocorrer com a Transpetro, a Liquigás, as fábricas de fertilizantes ("FAFENs") e termelétricas ("UTEs"). Essas aberturas de capital, na medida em que se confirmem, permitirão ao capital nativo e estrangeiro abocanhar mais uma parte dos lucros do conglomerado da Petrobrás.
Somado a esta privatização ocorre a maior presença do capital imperialista nas licitações de contratos em função do veto aos fornecedores investigados na operação Lava-Jato e a redução de investimentos, esse é o plano com o qual o governo do PT hoje busca recompor o valor da Petrobrás frente aos olhos do mercado.

Por outro lado, 81% dos trabalhadores da Petrobrás mantêm contratos terceirizados com direitos trabalhistas flexibilizados. Essa foi uma “herança” que o governo Lula recebeu de FHC, que foi mantida e aprofundada pelo projeto “estatal” e “nacionalista” do PT. Aqui, assim como em muitos outros âmbitos como vemos agora com a política econômica de Levy, Lula e Dilma foram continuadores do “projeto de país” alavancado pela ofensiva neoliberal dos tucanos.

Terceirizados da Petrobrás protestam contra atraso no pagamento dos salários

A falácia do “conteúdo nacional”

Os 85% de contratos de prestação de serviços, obras de construção civil, matérias primas e equipamentos reservados a empresas “nacionais” é repartido entre gigantes como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, cujos presidentes se encontram atrás das grades e estão entre as maiores financiadoras de campanha do PT e do PSDB. Longe de serem exemplos de uma “burguesia nacional”, assim como no caso da Petrobrás, esses gigantescos conglomerados possuem múltiplas formas de associação com o capital imperialista. Por trás de um controle majoritário de brasileiros nas ações com direito a voto se esconde uma ampla gama de capitais estrangeiros que levam seus lucros para o exterior.

Os símbolos dessas empresas são empresários como Eike Batista e Odebrecht, que fizeram fortunas como amigos do governo. Aproveitando os altos preços das commodities e a abundância de capital estrangeiro no país, ajudados pelo financiamento com dinheiro público, enriqueceram-se e transformaram-se em verdadeiros “global players”. A própria Odebrecht pode “diversificar” seus ativos com a ajuda da Petrobrás e do BNDES, já que passou de ser uma importante empresa no ramo petroquímico através da BRASKEM a deter o monopólio do setor, aniquilando todos os concorrentes. A nova Braskem é uma joint-venture 60% Odebrecht e 40% Petrobrás. Agora, enfrentados com uma situação de crise, tanto Eike Batista como Marcelo Odebrecht e muitos outros ameaçam deixar sem pagar suas dívidas gigantescas com o BNDES.

Eike Batista comemora com Dilma sua ascensão como um dos empresários mais ricos do mundo em poucos anos

Ao contrário do que os petistas tentam fazer parecer, nunca na histórica do Brasil houve tamanha entrada de capital estrangeiro como nos últimos anos. Para que se tenha uma dimensão histórica, 1947 a 2005 o saldo da entrada de capital estrangeiro no país totaliza 329 bilhões de dólares; e somente de 2006 a 2014 esse saldo equivale a 662 bilhões de dólares: mais que o dobro.

Para além das multinacionais que se instalaram no país, uma enorme parte desse capital estrangeiro foi destinado à especulação financeira e à compra de ações de empresas dos chamados global players brasileiros, mas que na verdade são empresas mistas sob controle do capital nativo. Essa foi uma importante diferença do Brasil em relação a países como Argentina, onde a ofensiva neoliberal deixou poucas empresas desse tipo, vendendo a maioria para os monopólios imperialistas.

A política de Lula de ampliar o poder do Estado sobre a exploração do Pré-Sal (alterando a lei do modelo das concessões para o da partilha) teve como objetivo favorecer o poder de barganha do capital nativo em relação ao capital estrangeiro. Por mais que os petistas tentem vender essa política do PT como um “estatismo” contraposto ao tradicional privatismo dos tucanos, ou como um “nacionalismo” contraposto ao entreguismo, essa contraposição não existe na realidade. Pelo contrário, o capital privado se fortaleceu enormemente com a ajuda do governo, e o capital estrangeiro nunca ganhou tanto dinheiro no país. Ainda assim, por mais que essa ampliação do estoque de capital estrangeiro no país tenha correspondido a um enorme aumento da transferência de rendas provenientes de lucros e juros para o exterior, a sede de rapina do imperialismo quer facilitar a penetração direta de seus grandes monopólios para competir livremente com os global players brasileiros e dirigir o processo de acumulação de capital em uma escala superior no seu “pátio traseiro”.

Por que a corrupção do PT está mais em evidência que a do PSDB?

Os petistas dizem que em “seu” governo a corrupção está sendo mais combatida que nos governos do PSDB, e dizem que não têm nenhum problema em “cortar na carne” para “limpar-se desse mal”. Os escândalos das privatizações nos anos 90, e o envolvimento do PSDB com as mesmas empreiteiras da operação Lava-Jato nas obras do metrô de São Paulo e nos financiamentos de campanha de seus candidatos deixam claro que esse “mal” não é um privilégio do PT. Pelo contrário, é sabido que o que ocorre hoje na Petrobras sempre ocorreu em todas as empresas “públicas” ao longo da história do país.

Ao ser um partido que teve sua origem na classe trabalhadora, nos sindicatos e movimentos sociais, para se transformar em administrador dos negócios capitalistas através do Estado, o PT teve que oferecer vantagens a determinados setores capitalistas para criar sua própria rede de “amigos” preferenciais do Planalto.

O chamado Petrolão não é nada mais que isso: o esquema criado pelo PT, com a ajuda da Petrobrás e do BNDES, para alavancar seu partido como uma das principais máquinas eleitorais do país, molhando as mãos que precisasse com este intuito.

Já o escândalo do mensalão foi uma tentativa do PT de governar subornando partidos menores de aluguel para não ter que subordinar-se aos interesses do PMDB, a outra máquina eleitoral ligada ao que existe de mais reacionário e oligárquico no interior do país. Foi derrotado e teve que curvar-se, passando a compartilhar com o PMDB o “consórcio de exploração” da Petrobrás como rede de corrupção.

O que está em jogo por trás da operação Lava-Jato é não somente a penetração do capital privado e imperialista sobre a as empresas e obras públicas do país, mas também quais serão os representantes desses interesses daqui para frente.

Por que a subordinação ao PT é um obstáculo para uma luta anti-imperialista consequente?

Muitos sindicalistas, jornalistas, intelectuais e blogueiros petistas como Luís Nassif e Emir Sader rechaçam os interesses imperialistas sobre o Brasil e o papel que o PSDB cumpre como correia de transmissão dos mesmos. Entretanto, ao considerarem o PT como única alternativa possível frente a esses interesses, terminam cumprindo um papel de obstáculo para o desenvolvimento de uma força anti-imperialista que parta da organização e da mobilização independente da classe trabalhadora, da juventude e dos movimentos sociais.

Isso é inevitável porque qualquer movimento ou força política que queira verdadeiramente combater os interesses imperialistas no país vai necessariamente se enfrentar também com “seu” governo do PT. Pois qualquer processo de mobilização anti-imperialista genuína que se desenvolva não vai diferenciar o “entreguismo hard” dos tucanos do “entreguismo light” dos petistas. Por isso, a decisão de defender esse governo, mesmo que seja como “mal menor” contra os tucanos, vai terminar sempre se contrapondo ou buscando impor limites a qualquer movimento de massas que busque questionar a subordinação do país ao imperialismo.

Isso fica claro hoje, mas também ficou demonstrado no leilão da Bacia de Libra em 2013. Um leilão que significou uma das maiores privatizações e entregas da história do país, a preço de banana foi vendido um dos maiores campos de petróleo do mundo, um campo que sozinho alcança reservas de 15bilhões de barris (todo o resto do país tem aproximadamente a mesma quantidade). Esta venda, com direito a participação da Shell e empresas chinesas foi feita sob repressão aos trabalhadores em greve e com a desculpa de que a privatização petista sob o modelo da partilha era menos entreguista.

Repressão a protesto dos trabalhadores no Rio de Janeiro contra a privatização da Bacia de Libra

Quando a Bacia de Libra foi privatizada, o Brasil tinha acabado de viver as jornadas de junho, onde a juventude, apoiada por toda a população, questionou a naturalização da miséria do possível neoliberal sobre os direitos sociais mais elementares como transporte e educação. Foram protestos que questionaram profundamente a casta de políticos que parasita o Estado a serviço dos interesses dominantes, golpeando todos os partidos de forma indiscriminada. A luta contra a privatização de Libra se deu no marco de grandes greves que não se viam desde a década de 80, como as greves da construção civil em 2011 e 2012 e a paralisação nacional logo após as jornadas de junho. Simultaneamente ao leilão, os professores do Rio de Janeiro encabeçavam uma heroica greve com atos de 50 mil nas ruas. Foi nesse marco que os petroleiros fizeram uma greve nacional contra a privatização dessa bacia do Pré-Sal.

Entretanto, num cenário como esse, extremamente favorável ao surgimento de um grande movimento nacional contra a entrega de Libra ao capital privado e imperialista, onde estava à altura da mão construir grandes atos de massas no Rio de Janeiro com o apoio de todo o país, nada disso foi feito.

Pelo contrário, o PT comemorou a participação da Shell furando o boicote das demais petroleiras norte-americanas, demonstrando que a greve encabeçada pelos sindicalistas da CUT não tinha outro objetivo que servir à negociação de melhores condições de barganha do “seu” governo com este ou aquele capital imperialista. Em um dia se protesta “contra os leilões”, no dia seguinte se defende o modelo da partilha, incluindo os leilões... Essa foi a maior prova de que a bandeira levantada pela CUT de uma “Petrobrás 100% estatal” ou sua oposição aos leilões não passa de uma cobertura de esquerda para a forma particular de entreguismo do PT.

A luta contra o imperialismo e a privatização deve se dar de forma inseparável da luta contra a corrupção

O cinismo da defesa de uma Petrobrás 100% estatal por parte da CUT se demonstra de forma aberrante quando essa não organiza um sério plano de luta combater as medidas de privatização da Petrobrás ao capital nativo e estrangeiro que estão em curso nesse momento. Nem mesmo para combater a Lei que Serra quer implementar para mudar o modelo de exploração do Pré-Sal a CUT tem convocado uma grande mobilização dos petroleiros e dos trabalhadores de todo o país.

Para a CUT, a luta contra os interesses imperialistas está completamente separada da luta contra a corrupção, pois nesse caso trata-se de defender os próprios privilégios do PT e da burocracia cutista sobre a Petrobrás. Se uma Petrobrás 100% estatal fosse administrada como é hoje, seguiria sendo um antro de corrupção que estaria a serviço dos interesses das classes dominantes, seus indicados, suas empresas prestadoras de serviço, etc., e não da maioria da população. A defesa de uma Petrobrás 100% estatal precisa ser inseparável da luta para que a mesma seja administrada de forma verdadeiramente democrática, na qual os trabalhadores que a fazem funcionar assumam para si os destinos da empresa em suas próprias mãos, criando uma nova forma de administração baseada em organismos de democracia direta dos próprios petroleiros em aliança com o conjunto da classe trabalhadora.

Fazemos um chamado ao PSOL e ao PSTU a impulsionar uma ampla campanha nacional que mostre a necessidade de lutar para que a Petrobrás seja não somente 100% estatal, mas que seja administrada pelos trabalhadores.

>> Leia nos artigos abaixo nosso Dossiê especial sobre a crise da Petrobrás, os interesses imperialistas por trás da operação Lava-Jato e os escândalos de corrupção, as distintas formas de privatização e entrega por parte de tucanos e petistas e qual pode ser uma resposta da classe trabalhadora para essa crise.

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