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Por que o marxismo revolucionário defende a abolição do Senado?

A fauna política capitalista pode ser vista em todo o seu caráter reacionário na indizível instituição do Senado.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 30 de agosto de 2016 | Edição do dia

Aécio Neves do PSDB, vinculado a desvios de verbas da obra de Furnas e maquiagem das contas do Banco Rural de Minas Gerais, falou em nome dos “desempregados”, provavelmente daqueles que demitiu em sua gestão. Paladino da ética, o tucano Cássio Cunha Lima já foi cassado por desvio de dinheiro público. Ronaldo Caiado (DEM) fala em democracia, mesmo sendo reincidente em manter trabalho escravo em suas fazendas em Goiás.

Com o impeachment sendo decidido na “insigne Casa” do Senado, a pergunta que fica é por que e em função de que esta instituição literalmente milenar ainda existe?

Na Roma antiga, a formação do Senado era composta por anciões que mantinham certo grau de parentesco e eram proprietários de escravos. Prestavam serviços para os mais nobres da região. Em troca, recebiam proteção do Estado Romano. Tinham, inclusive, poder de veto ou aprovação em relação às leis apresentadas pela monarquia. Era composto por quase 300 conselheiros de famílias bastante abastadas.

É uma instituição tão arcaica e desprovida de lógica que, tirando-se o nome de Roma, várias características permanecem iguais no Senado de qualquer país do mundo, principalmente em uma semicolônia como o Brasil. Criado em 1824, o Senado brasileiro foi inspirado na Câmara dos Lordes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, mas com a Proclamação da República do Brasil foi adotado um modelo semelhante ao do Senado dos Estados Unidos.

A função do Senado brasileiro segue sendo de reavaliação das votações na Câmara e poder de veto. Em essência, é parte do mecanismo “checks and balances”, ou o sistema de “freios e contrapesos” da democracia burguesa que serve para amortecer os conflitos e manter as disputas de poder dentro das instituições do Estado capitalista, contrabalançando possíveis “excessos” que outras esferas do poder possam apresentar.

Abriga membros de famílias poderosíssimas, verdadeiros coronéis de seus estados, como os Sarney no Maranhão, os Barbalho no Pará, os Jereissati no Ceará, os Calheiros em Alagoas, os Viana no Acre, os Maggi no Mato Grosso. Vários dos quais controlam extensas redes da economia regional, os meios de comunicação, rádio e televisão, além de notáveis latifundiários. Entre os donos de emissoras, estão famílias como os Sarney, no Maranhão, dona da Televisão Mirante, e os Collor, proprietários da TV Gazeta de Alagoas. O “romano” Caiado não é o único acusado de manter trabalho escravo em seus latifúndios.

Senadores Aécio Neves e Renan Calheiros

Em síntese, são 81 senadores – da elite política mais reacionária – que definirão o destino do país na votação definitiva do impeachment, expropriando o voto de 54 milhões de pessoas. Estes 81 edificantes personagens custam anualmente aos cofres públicos R$ 164,8 milhões, em média cerca de R$ 2 milhões por cada senador, ou seja, um trabalhador que recebe o atual salário mínimo (R$880,00) levaria 189 anos para alcançar este montante.

O comunista italiano Antonio Gramsci se perguntava, em uma série de artigos contra a imprensa oficial italiana, onde estava nisso a tal democracia: "[...] Inclusive na Inglaterra, pátria e berço do ‘regime parlamentar e da democracia’, o parlamento governante tem em seus flancos a Câmara dos Lordes e a Monarquia. Os poderes da democracia são em realidade nulos. E na França, acaso existe democracia? Junto ao parlamento existe na França o Senado, que não é eleito por sufrágio universal mas por voto indireto, que por sua vez são apenas parcialmente expressão do sufrágio”.

O que diz o marxismo sobre o Senado?

Na tradição do marxismo revolucionário a batalha contra o Estado burguês também engloba a dimensão de destruir as ilusões em suas instituições, base da democracia dos ricos. Como parte da experiência da Comuna de Paris de 1871, Marx tira a conclusão sobre a necessidade de por fim às instituições da presidência e do Senado, por meio da fusão entre o executivo e o legislativo numa Câmara Única (os que legislam devem ser os mesmos que executam). Consignas “democrático-radicais” como esta são inseparáveis da exigência de que todos os cargos públicos tenham a mesma remuneração de um trabalhador; que todos os juízes e funcionários de Estado sejam eleitos e tenham seus cargos revogáveis a qualquer momento.

Assim, abre-se o caminho para a destruição da maquinaria estatal da burguesia e sua substituição por um novo poder estatal transicional, baseado nos organismos de autoorganização das massas trabalhadoras.

Leon Trotsky foi o grande marxista revolucionário do século XX que introduziu de forma mais acabada estas consignas em dinâmica revolucionária, articulando as consignas democrático-radicais dentro de um programa transicional na luta (sob a democracia burguesa) por um governo dos trabalhadores que rompa com o capitalismo e sua sociedade de exploração.

Isto, não apenas em países de capitalismo atrasado, como na China, mas de longa tradição parlamentar. Assim, utilizou diversas destas demandas na França e na Espanha na década de 1930, em diálogo com os trabalhadores que ainda acreditavam que a grave crise política e econômica poderia ser resolvida nos marcos da “democracia”, para dinamizar a tática de frente única operária contra a ofensiva dos capitalistas e “perfurar” as instituições de sua democracia, preparando as condições de sua derrota e substituição por um governo dos trabalhadores em seu aspecto anticapitalista e antiburguês.

Em meados de 1934, durante a onda de greves com ocupação de fábrica na França como resposta à ofensiva da burguesia, mas nos quais ainda sobreviviam fortes preconceitos “democratistas” por influência das direções operárias reformistas, Trotsky dizia: “Somos, pois, firmes partidários do estado operário camponês, que arrancará o poder aos exploradores. Nosso objetivo primordial é o de ganhar para este programa a maioria de nossos aliados da classe operária. Entretanto, e enquanto a maioria da classe operária siga se apoiando nas bases da democracia burguesa, estamos dispostos a defender tal programa dos violentos ataques da burguesia bonapartista e fascista. Entretanto, pedimos a nossos irmãos de classe que aderem ao socialismo ‘democrático’, que sejam fiéis a suas idéias: que não se inspirem nas idéias e métodos da Terceira República, mas sim nos da Convenção de 1793.”

Conclui, “ Abaixo o Senado, eleito por voto limitado, e que transforma o poder do sufrágio universal em mera ilusão! Abaixo a presidência da República, que serve como ponto oculto de concentração para as forças do militarismo e da reação! Uma assembléia única deve combinar os poderes legislativo e executivo. Seus membros seriam eleitos por dois anos, mediante sufrágio universal de todos os maiores de dezoito anos, sem discriminações de sexo ou de nacionalidade. Os deputados seriam eleitos sobre a base das assembléias locais, constantemente revogáveis por seus constituintes, e receberiam o salário de um operário qualificado.”

Não servindo o Senado senão para anular o sufrágio universal, nada mais democrático que eliminá-lo, junto à instituição da presidência, órgãos da reação concentrada dos capitalistas.

Para Trotsky, portanto, as consignas democrático radicais possuem uma articulação estratégica indissolúvel com a teoria da revolução permanente, devendo culminar na destruição do poder burguês. Neste marco, uma Assembléia Constituinte com estas características, ao questionar a casta no Senado, assim como da Câmara e da presidência, e conduzir os trabalhadores à conclusão de que ela não pode cumprir sequer seus “preceitos democráticos”, facilitam a ligação entre o questionamento da casta que administra este sistema ao questionamento das relações que compõem o próprio sistema capitalista.

Aqui encontramos uma dialética entre defesa e ataque: ao dinamizar a tática de frente única operária contra a ofensiva dos capitalistas, permitem servir de “ponte que conduz do capitalismo ao socialismo”, nos dizeres de Lênin.

Uma nova Constituinte pela luta que conduza a um novo poder dos trabalhadores

Por longínquo que pareça defender hoje sobre a necessidade de abolir o Senado, ela faz parte do arsenal estratégico marxista na batalha contra a opressora ordem burguesa, seu órgão executivo e também o judiciário. Cumpre perguntar-se: por que o futuro de milhões deve estar nas mãos de um punhado de Aécios, Caiados e Sarneys? O que bandidos políticos milionários como estes corruptos senadores podem oferecer de progressista, quando voltam a encenar – de maneira mais contida – o espetáculo de conservadorismo que consolidará o golpe institucional da direita?

O Senado de nada serve senão para perpetuar a opressão e exploração dos trabalhadores, das mulheres e da juventude. Não é uma utopia lutar por aboli-lo; é uma necessidade urgente. O MRT vem levantando com força a necessidade de impor pela luta dos trabalhadores uma nova Constituinte que questione a casta política da democracia dos ricos e mostre a aberração que é, e não fortalecer as mesmas instituições burguesas com políticas como a de "eleições gerais" que defende parte da esquerda. Sua força, ligada a uma estratégia transicional anticapitalista, seria um verdadeiro desafio ao trabalho da direita e dos militares em 1988.




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