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VISITA CUBANA À FRANÇA | Por que Hollande rola o tapete vermelho para Raúl Castro?

François Hollande recebeu na segunda o líder cubano, Raúl Castro, uma visita histórica. Esta é a primeira visita oficial de um chefe de Estado cubano à França desde a revolução e a independência da ilha.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

quinta-feira 4 de fevereiro de 2016 | 00:19

Foto: Castro e Hollande, EFE/STEPHANE DE SAKUTIN

Fidel Castro havia sido recebido por François Mitterrand em Paris em 1995, mas de maneira não oficial. É também a primeira viagem oficial de Raúl à Europa desde que assumiu de Fidel em 2006.

A viagem ocorre com todas as honras: cerimônias no Arco do Triunfo, entrevista e a janta oficial no Elíseo, visitas à Assembleia Nacional, ao Senado, ao prefeito de Paris, ao Matignon (sede do primeiro ministro) e ao recentemente habilitado Museu do Homem, entre outras coisas. Mas, por que Raúl Castro recebe tal tratamento pelo governo neoliberal de Hollande? É que em meio ao histórico processo de abertura econômica e reformas de mercado que impulsiona o governo de Castro, o Eliseo busca acordos que poderiam significar a entrada “pela porta da frente” dos capitais imperialistas franceses em Cuba. Na mesma linha, o governos norte-americano de Barck Obama acaba de eliminar algumas restrições que impõe o bloqueio econômico desde a década de ’60, para as exportações de certos produtos.

Um processo de restauração capitalista

Há anos e se acelerando com o novo governo de Raúl Castro, Havana tem aplicado uma série de reformas destinadas à abertura da ilha ao capital privado. As orientações econômicas aprovadas pelo Partido Comunista apontam para liquidar a ideologia “igualitária” e solidária do socialismo com o Novo Código do Trabalho; permite o investimento estrangeiro em diversos setores da economia com a Nova Lei de Investimento Estrangeiro; abre a transnacional Oderbrech ao Porto de Mariel e reclassifica o trabalho por conta própria, permitindo contratar força de trabalho. Também é importante destacar a visita do Papa Bergoglio, que em um ato político incalculável mostrou que a igreja católica pretende ser uma força atuante no processo de transição política na ilha. Em última instância, as novas relações diplomáticas com os Estados Unidos e a França, a visita de Bergoglio e as novas reformas apontam para o projeto de restauração capitalista.

Um presente envenenado...

Paris tem sido, recentemente, o grande arquiteto-chefe de um acordo sobre a dívida cubana contraída com os credores do Clube de Paris, que dispensaram 8,5 bilhões de dólares no pagamento de juros da dívida cubana. O acordo foi assinado em 12 de dezembro, justamente quando concluia a Conferência Internacional sobre a Mudança Climática (COP21), uma maneira de reconhecer a contribuição de Havana a seu “sucesso”. A imprensa francesa tem apresentado estas medidas como um bonito presente ao seu convidado. Mas a realidade é muito diferente: em suspensão de pagamentos desde 1986, totalizando 11,9 bilhões de dólares, Havana acordou com todos os credores reunidos no Clube de Paris de cancelar 4 bilhões de dólares em juros por atraso e reescaloná-los em dezoito anos para pagar o saldo que consta de empréstimos iniciais. O que representará para os cofres do Estado francês uma entrada de aproximadamente 530 milhões. A França havia se comprometido a converter uma parte deste dinheiro em projetos de desenvolvimento, ou seja, em investimentos imperialistas na ilha. Outro presente envenenado!

...de novas oportunidades de negócios para o capital francês em Cuba e na América Latina

Mas o mais importante deste acordo sobre a reestruturação da dívida do país é que é em troca de acordos comerciais favoráveis com empresas francesas. A França quer afirmar-se nesta ocasião como o “primeiro sócio” político e econômico europeu da ilha caribenha. As empresas do CAC40 (principal índice de ações da Bolsa de Paris) já estão lá. O investimento francês mais importante é o do grupo Pernod-Ricard, proprietário do rum Havana Club. Outras empresas presentes concentraram-se nos setores de turismo (Accor), construção (Bouygues), nas telecomunicações – Alcatel-Lucent tem instalado o cabo submarino de fibra ótica entre Cuba e Venezuela –, energia (Total, Alstom), na construção elétrica, na alimentação, no transporte (Air France).

É verdade que Cuba ainda representa um débil interesse econômico como mercado para o grande capital francês. Ao mesmo tempo, um crescimento econômico de um dia para o outro é improvável: o país carece de infraestrutura, não tem ainda um clima de negócios consolidado, enquanto deve liquidar a resistência em curso para o mercado, tendência cuja vitória não está para nada garantida. Mas, apesar destes elementos e de seu pequeno tamanho, o país tem um peso muito importante na América Latina. Isto explica a mudança de atitude dos estadunidenses. Depois de mais de cinquenta anos de embargo, Washington se deu conta de que nada poderia fazer na região para continuar isolando Cuba. O capital imperialista francês não quer ficar de fora destes negócios nos momentos em que os mercados nos chamados países emergentes se estreitam no marco da nova fase da crise mundial. Neste contexto, todo novo mercado é importante, uma vez que a França quer aproveitar os novos ares neoliberais que se tem aberto na região para novos grandes contratos para suas empresas, como a viagem programada de Hollande a Buenos Aires para ver o novo governo do empresário Macri.




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