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Chile | Plebiscito Constitucional: Frente a uma falsificação histórica, por uma saída independente da classe trabalhadora

Publicamos abaixo a declaração do Partido de Trabalhadores Revolucionários do Chile, integrante da Rede Internacional La Izquierda Diario e da Fração Trotskista - Quarta Internacional, sobre o plebiscito do texto da nova Constituição que será realizado em 4 de setembro: "Diante de uma nova fraude histórica, por uma saída independente da classe trabalhadora e dos setores populares".

segunda-feira 15 de agosto de 2022 | Edição do dia

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Poucas semanas antes do plebiscito de 4 de setembro, todos os partidos oficiais (do Partido Comunista, passando pela Frente Ampla aos partidos da antiga Concertación) anunciaram um novo pacto pelas costas do povo para tranquilizar a direita e os grande capital . O que será realmente votado em 4 de setembro? Será um passe livre aos partidos para limitar ainda mais um projeto já moderado da nova Constituição e para preparar as reformas junto com a direita no Congresso. Nesta declaração desenvolvemos a posição do Partido de Trabalhadores Revolucionários (PTR) do Chile em relação ao plebiscito, votado em sua VI Conferência Nacional.

Os partidos da coligação governamental Apruebo Dignidad e a antiga Concertación assinaram um acordo para tranquilizar a direita frente à votação da nova Constituição: este acordo promete, entre outras coisas, um sistema misto de aposentadoria, onde seguem existindo as AFP (fundos de pensão privados); o restabelecimento do estado de emergência em caso de "grave perturbação da segurança pública" levando os militares às ruas para reprimir manifestantes; proteção da saúde privada; limitações à justiça e o consentimento indígena; fortalecer ainda mais o direito à propriedade e modificar alguns pontos do sistema político.

Nada de surpreendente. O Acordo de Paz e a Nova Constituição (assinada em meio à rebelião de 2019 como forma de desviar o processo para um caminho institucional) e as próprias normas transitórias votadas por todas as bancadas da Convenção Constitucional já deram múltiplas ferramentas ao atual Congresso eleito sob a constituição de Pinochet para fazerem esta Constituição como bem entenderem.

Duas tentativas de restaurar a hegemonia da classe dominante

A direita promoveu uma campanha odiosa e demagógica em favor da "Rejeição" do novo texto constitucional no plebiscito de 4 de setembro. Com frases como “liberdade de escolha”, “igualdade perante a lei” e suas fake news sobre moradia, aborto, saúde, entre outras; escondem uma forte defesa do legado da ditadura, das AFPs, dos Isapres (saúde privada), da especulação imobiliária, da moral conservadora da igreja que historicamente foi contra o direito à educação sexual, o direito ao aborto e o reconhecimento das múltiplas sexualidades, e também defendem as grandes empresas mineradoras e florestais, os grandes proprietários agrícolas que saqueiam os recursos naturais à custa de baixos salários e destruição do meio ambiente.

Por trás desta campanha está não só a direita, mas também figuras importantes da Democracia Cristã (DC) como Ximena Rincón, Matías Walker e pessoas como Felipe Harboe. As principais associações empresariais lideradas por Juan Sutil, presidente da Confederação da Produção e Comércio, também são a favor da Rejeição.

No entanto, do lado do “Aprovar” (o texto da nova Constituição) não está apenas “o povo” ou “os movimentos sociais” como alguns quiseram fazer parecer. No Aprovar juntaram-se os partidos mais importantes da antiga Concertación, o PPD, o DC e o Partido Socialista. Aliás, Apruebo Dignidad e o Socialismo Democrático (antiga Concertación) compõem o mesmo comando. A nova Constituição também foi aprovada por empresários “progressistas” e agências financeiras internacionais.

Isso é uma tentativa de setores da classe dominante de realizar uma nova “transição” e assim recompor um regime político em crise, reconhecendo certos direitos para cooptar organizações operárias e populares e recompor a autoridade do Estado capitalista. É uma nova armadilha histórica de “aprovar” para depois negociar tudo com a direita e realizar uma nova “transição acordada” onde as demandas e expectativas da classe trabalhadora e do povo ficarão novamente sem solução.

Grande parte da população tem expectativas de acabar com a Constituição de Pinochet. A nova Constituição reconhece uma série de direitos que foram negados por décadas, como direitos sexuais e reprodutivos, direito à educação, moradia digna, reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidado, reconhecimento constitucional dos povos indígenas e um extenso catálogo de Direitos. Se a Convenção teve que incorporar esses direitos ao texto, é porque durante décadas lutamos por eles nas ruas.

No entanto, ao mesmo tempo em que nos prometem direitos, mantém toda a herança econômica da ditadura, desde a privatização até o saque dos recursos naturais, a precarização do emprego e a possibilidade de lucrar com nossas necessidades como educação e saúde. Mas, além disso, essas promessas colidem com uma crise econômica e social onde a inflação devora os salários, onde a vida se torna ainda mais precária e quem continua lucrando são os banqueiros e empresários.

Nos mobilizamos por quase 3 anos e não há mudança. Não conquistamos as reivindicações pelas quais lutamos em outubro: salários decentes e aposentadorias sem precariedade; fim das listas de espera para atendimento em um sistema de saúde gratuito e de qualidade; educação pública gratuita para todos com o fim de dívidas como o CAE (empréstimo estudantil estadual); fim das AFPs e pensões decentes para nossos avós. Não conseguimos nem a liberdade dos presos da revolta de 2018 nem a prisão de Piñera e dos assassinos que estão impunes. Enquanto fala de ser “multinacional”, o governo Boric aprofunda a violência estatal com a militarização de Wallmapu, a militarização das fronteiras e cidades fronteiriças, reprimindo com a polícia os vendedores ambulantes em comunas populares.

Enquanto na juventude, organizações estudantis como a Confech (Confederação de Estudantes Chilenos), liderada pelo Partido Comunista da Frente Ampla, longe de buscar desenvolver e fortalecer o movimento estudantil que foi o estopim da rebelião, posiciona-se como porta-voz do Governo, aceitando migalhas como o miserável aumento de 4.800 pesos para a bolsa BAES (bolsa de alimentação) depois que milhares de estudantes se mobilizaram não só por essa demanda, mas também contra a violência sexista, pela liberdade de presos políticos, por melhorias na infraestrutura, e em geral contra a crise na educação pública. Da mesma forma, aos jovens do ensino médio que pularam as catracas não foi permitido nem mesmo algo tão mínimo como votar e ser eleito, pelo contrário, foi-lhes negada essa possibilidade, e hoje diante de suas mobilizações eles são reprimidos pelo governo.

Nem a Convenção nem o governo Boric tomaram medidas estruturais para que os trabalhadores não paguem os custos da crise. É por isso que um setor significativo dos trabalhadores se desiludiu ao longo do caminho. A nova constituição não representa e não vai resolver as demandas pelas quais lutamos em outubro de 2019. O bloco de aprovação liderado por Boric, ao mesmo tempo em que luta para tornar passivos os movimentos sociais, cada vez mais faz o jogo da direita e a fortalece.

A Convenção Constitucional e os acordos pelas costas do povo

Nós do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, há décadas fazemos parte da luta para acabar com todo o legado da ditadura e compartilhamos o desejo de milhões de acabar com a Constituição de Pinochet. No entanto, acreditamos que não será com esse processo constituinte ou com o governo Boric que conseguiremos arrancar as demandas de outubro, muito menos acabar com os privilégios dos capitalistas, as desigualdades estruturais e as misérias deste sistema.

Durante a rebelião de 2019 lutamos para derrubar Piñera através da greve geral e instalar uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que não estivesse subordinada a nenhuma das instituições do antigo regime e pudesse discutir e atender a todas as demandas da rebelião. Nesse caminho, lutamos para promover órgãos de auto-organização da classe trabalhadora e do povo que sejam capazes de enfrentar e derrotar as potências capitalistas, tanto econômicas quanto repressivas, com a perspectiva de conquistar um governo dos trabalhadores.

Fomos parte dos milhares que denunciaram o Acordo de Paz e a Nova Constituição como um pacto pelas costas do povo para salvar a pele de Piñera, garantir a impunidade e estabelecer um processo constituinte cheio de armadilhas para que fossem os capitalistas e seus políticos que definissem quais mudanças fazer e quais não. Nas eleições para a Convenção promovemos uma lista de Trabalhadores Revolucionários que lutou por um programa de independência de classe e promoveram uma ampla agitação na classe trabalhadora e no povo. Denunciamos também que a Convenção Constitucional foi totalmente subordinada aos poderes constituídos e se distanciou das urgências populares. Vimos em primeira mão como a Convenção rejeitou a liberdade dos presos da rebelião já que, junto com famílias e ativistas, apresentamos uma iniciativa popular pela liberdade dos presos políticos que foi rejeitada. A Convenção Constitucional, longe de ser uma conquista da rebelião proposta por grupos como os Movimentos Sociais Constituintes ou o MIT de María Rivera, foi um dos principais mecanismos para cooptar a mobilização. Nem a convenção nem os constituintes foram instrumentos para fortalecer a organização independente da classe trabalhadora e dos setores populares, mas sim para subordinar a força das ruas aos antigos poderes, os mesmos que hoje já preparam as reformas negociadas com a direita.

Essa política, de uma Convenção alheia às necessidades populares e da agenda de outubro, teve um papel fundamental para desmoralizar milhões e abrir caminho para o fortalecimento da direita e da extrema direita, que depois de hoje em "terapia intensiva" voltam a retomar uma agenda com suas demandas reacionárias.

O novo acordo que os partidos do governo acabam de assinar, do Partido Comunista à antiga Concertación, busca apenas tranquilizar a direita e os capitalistas. Esse caminho à direita também foi aberto por aqueles que falavam em "cercar a Convenção" e que não queriam "sessão com presos políticos", como os Movimentos Sociais Constituintes ou o próprio PC, pois quando este chegou para se estabelecer na Convenção deixaram suas consignas de lado e se dedicaram a uma prática parlamentar-institucional sem usar suas posições para fortalecer a mobilização extraparlamentar para enfrentar os setores mais reacionários e conservadores. E o que dizer da burocracia sindical da CUT que se envolveu plenamente nessa lógica parlamentar, sem levantar um dedo sequer para se mobilizar contra as condições precárias dos trabalhadores, integrando-se cada vez mais ao governo e se contentando com um salário mínimo "histórico" que é consumido pela inflação.

Mesmo depois desse novo acordo pelas costas do povo da antiga Concertación, o PC e a FA pretendem “reformar” (o texto da Constituição) caso a Aprovação vença. Muitas organizações de esquerda e até se dizem “revolucionárias” continuam a pedir uma “aprovação” totalmente subordinada a estes acordos, defendendo uma Aprovação que já se sabe que vai para o Senado onde vão negociar tudo com a direita, consumando um novo pacto antipopular. Essas organizações, longe de ajudar a classe trabalhadora a experimentar uma posição política independente, contribuem para subordinar o movimento de massas à liderança da centro-esquerda e do governo, a uma política de conciliação de classe com um setor dos 30 anos e à passivização dos movimentos.

Por tudo isso, não apoiamos o processo constituinte nem a nova Constituição, que será uma nova fraude histórica e estará totalmente sujeita ao que os partidos definirem no atual Congresso. Neste 4 de setembro votaremos nulo ou em branco. Como socialistas não votaremos uma Constituição que estabeleça novas bases para a exploração do Estado capitalista chileno. Este processo constituinte é a roupagem para vestir a exploração e opressão do Chile capitalista e patriarcal. É por isso que lutamos por uma alternativa e um programa de independência de classe da classe trabalhadora e dos setores populares.

Por um programa operário e popular para conquistar as demandas de outubro e que a crise seja paga pelos capitalistas

É neste marco que aqueles que acreditam que os motivos mais profundos que levaram à rebelião de 2019 não foram resolvidos e que não serão resolvidos pela institucionalidade deste regime, mas que vamos conquistar esses direitos nos opondo aos interesses dos grandes capitalistas, precisamos nos reagrupar e nos organizar, sem apoiar pactos pelas costas do povo, negociado com os partidos tradicionais e este governo.

As promessas da nova Constituição colidem com a atual crise econômica e social. Não podemos esperar que esses direitos se concretizem se não for pela luta e organização da classe trabalhadora e dos setores populares, começando por exigir um plano de financiamento que garanta educação pública gratuita, de qualidade, não sexista e acesso universal e irrestrito, sem quaisquer subsídios ao setor privado; pelo cancelamento imediato do CAE; acabar com as filas de espera estabelecendo um Sistema Único de Saúde, financiado pelo Estado e o imposto sobre grandes fortunas; um plano de construção de moradias administrado por trabalhadores e comitês de habitação para lidar com o aumento do déficit habitacional. Acabar com as AFPs e estabelecer um sistema de distribuição solidário administrado por trabalhadores e aposentados. Além disso, lutar para garantir o direito ao aborto seguro e gratuito no sistema público, salário igual para trabalho igual, educação sexual integral e as demandas das mulheres que a direita vai buscar cercear no Congresso nos acordos que já preparam com Apruebo Dignidade e a antiga Concertación.

Essa luta deve ser acompanhada por um programa que coloque no centro as demandas dos trabalhadores e setores populares que a nova constituição não resolve. A classe dominante e seus políticos querem nos dividir nestas eleições, em um momento em que é mais urgente que a classe trabalhadora lute por um programa operário emergencial para que a crise seja paga pelos capitalistas. Este é um um momento em que a inflação devora salários, aluguéis e contas aumentam e as condições de vida tornam-se precárias. São demandas fundamentais, como por um aumento geral e imediato de salários em linha com a inflação de alimentos e um salário mínimo e aposentadoria de 650.000 pesos; pela redução da jornada de trabalho e distribuição da jornada entre empregados e desempregados sem redução salarial; por frear o aumento dos serviços básicos de água, luz, combustíveis, propondo a desapropriação sem indenização e sob a gestão de seus trabalhadores de todas as empresas de serviços básicos que especulam sobre preços, como aconteceu no caso da Metrogás. Além disso, lutar pelo julgamento e punição dos repressores e pela dissolução dos Carabineros.

Para isso, é preciso atacar as grandes fortunas do país que enriqueceu nesses 30 anos à custa de negar as necessidades populares, saquear o meio ambiente, fazer negócios com saúde e educação e desapropriar as comunidades mapuche. Ou seja, nacionalizar recursos estratégicos como cobre ou lítio sob a gestão dos trabalhadores e das comunidades. Ao mesmo tempo, medidas substantivas devem ser tomadas para enfrentar a dependência nacional do imperialismo, que hoje se agudiza com a desvalorização do dólar e a inflação, através da nacionalização do sistema bancário. Por sua vez, diante das demandas históricas do povo Mapuche, a militarização do Wallmapu deve acabar, garantir a restituição das terras reivindicadas pelas comunidades e garantir o direito à autodeterminação dos povos originários.

Lutamos para que este programa desenvolva a mobilização e auto-organização da classe trabalhadora e dos setores populares, a partir de uma política de independência de classe e na perspectiva da luta por um governo dos trabalhadores. Nós socialistas lutamos para que os recursos da economia sejam propriedade social e expropriados do punhado de famílias que hoje governam o país para que possam ser geridos democraticamente pela classe trabalhadora e pelas comunidades, a grande maioria do país.

Isso vai na perspectiva de superação do capitalismo, reorganizando a sociedade com base na propriedade social dos principais recursos econômicos e produtivos, hoje nas mãos de um punhado de famílias que governam o país. Esses grupos dominantes têm interesses opostos aos da maioria: só querem enriquecer, não hesitam em gerar "zonas de sacrifício" poluindo, não hesitam em tomar terras dos mapuches e pagam salários miseráveis ​​em meio à inflação. O socialismo implica deixar para trás essa miséria e para isso não é necessário gerar um “novo contrato social” com os capitalistas, mas sim colocar os principais centros produtivos e recursos econômicos a serviço de toda a sociedade, geridos democraticamente pelos trabalhadores. Lutar por esta sociedade, na perspectiva de um mundo sem explorados ou oprimidos, implica enfrentar as grandes potências da classe dominante, seu Estado, suas forças repressivas e derrotá-las por meio de uma revolução socialista. Por isso, devemos agora construir um partido da classe operária enraizada nos locais de trabalho e estudo, que é a luta que travamos não só a nível nacional, mas também a nível internacional da Fração Trotskista pela reconstrução da IV Internacional. Um partido que está preparado para vencer e conquistar um governo dos trabalhadores em ruptura com o capitalismo.




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