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GREVE PETROLEIRA | Petroleiro da Fafen: "A Petrobras é do povo brasileiro!"

"Lá na fábrica o mais novo tem 12 anos de casa, daí temos pessoas de 15, 20 anos de casa, e aí eu me incluo nesse patamar, eu trabalho na Fafen há 20 anos já, mas pra frente de mim tem mais gente, tem gente de 25, tem gente de 30 anos que tá trabalhando lá, a gente tem um grupo de colegas que tá muito angustiado de ver todo esse pessoal simplesmente ser descartado como a gente descarta a garrafa de água depois que a gente consome ela né, então é realmente muito triste."

sexta-feira 7 de fevereiro de 2020 | Edição do dia

No dia 06/02, direto do acampamento na porta do Edifício Sede da Petrobras no Rio de Janeiro, o Esquerda Diário entrevistou petroleiros da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen) do Paraná.

Esquerda Diário: Poderia contar aos leitores do Esquerda Diário como foram estes dias dos trabalhadores da Fafen do Paraná, que estão em vigília na porta do Edifício Sede da Petrobras (Edise) aqui no Rio de Janeiro?

Petroleiro: Então, nós viemos. Estamos aqui desde domingo para organização, na segunda feira cedo foi dado esse “start” aqui e foi montado a vigília. O pessoal lá da Fafen veio num grupo pra tá apoiando. Não só apoiando, mas até falando, explicando nossa situação, dessa grande atrocidade aí que a Petrobras fez, que a gestão da Petrobras tá fazendo com a gente. Aonde que tá fechada, hibernada [sobre o fechamento da Fafen]e consequentemente mandando mil trabalhadores embora. Desses mil trabalhadores, são mil famílias, onde tem um impacto. Primeiramente essas mil famílias que vão ficar sem o seu sustento, como a minha também está nessa.

Também vai ter um impacto na cidade de Araucária, que é a cidade onde está localizado a empresa. A cidade de Araucária é uma cidade metropolitana de Curitiba, vai interferir também na economia de Curitiba. Inclusive, até pelos próprios governantes do Estado, já foi afirmado que vai ter um impacto no Estado também, de arrecadação. Além de todo esse impacto, ainda temos todo a questão da soberania alimentar, porque a nossa fábrica produz a ureia, que é um insumo básico para agricultura e era a última fábrica que estava produzindo uréia no Brasil. Ou seja, agora, a partir do fechamento da Fafen no Paraná, nós vamos estar 100% reféns do mercado internacional; com todas essas intempéries que acontecem mundialmente podendo encarecer, e vai encarecer a uréia, consequentemente atingindo na mesa de cada trabalhador do nosso Brasil inteiro.

ED: E como está sendo o cotidiano desta vigília?

Petroleiro: A vigília foi montada e constituída para apoiar os nosso 5 companheiros que estão bravamente lá num processo de negociação, tentando abrir um canal de negociação, onde foi entregue a pauta de negociação para a empresa, e a empresa simplesmente falou que ia dar a resposta depois. Eles, num ato de vanguarda, falaram que só iriam sair da sala quando a empresa viesse a negociar, e se mantiveram ali dentro, esperando esse ponto de negociação. Isso foi na quinta-feira passada, durante todo o final de semana eles desligaram a luz, deixaram sem água, sem alimentação, foi realmente um período difícil. A gente teve todo o debate que precisava entrar com alimentação pra levar pra eles e a segurança barrou, sendo que já tem uma liminar de uma juíza deferindo a ocupação. Eles têm o direito de ficar lá, e desrespeitaram essa liminar, pois não estavam deixando entrar alimentação, água, nada pra eles lá dentro.

Só a partir de segunda feira que isso tomou toda a repercussão e todo esse apoio que a gente teve, tivemos várias lideranças políticas que tentaram entrar, deputados estaduais, federais que chegaram aqui pra tentar adentrar pra levar a alimentação lá e não deixaram nem os deputados entrar, sendo que é uma prerrogativa dos deputados conferir todo o setor público e mesmo assim não deixaram entrar. Mas, no final da noite, vendo toda a repercussão, uma vitória muito grande nossa aqui foi que eles autorizaram entrar a alimentação e água, e desde aí a gente tá entregando pra eles. Então nessa vigília, nossa função principal é apoio aos nossos companheiros que estão lá dentro, bravamente esperando um canal de negociação.

Chegou a ser proposto por essa gestão da Petrobras que eles saíssem daqui pra negociar noutro lugar, sendo que é uma falácia, eles já estão numa sala, eles tão ali pra negociar, eles chegaram a pedir outras pessoas da FUP para negociar, não foi aceito também. Essa comissão foi eleita e proposta pra fazer essa negociação e o que eles queriam era simplesmente desmobilizar, queriam ir pra outro lugar para desmobilizar, o movimento perder força e eles não apresentarem nada, porque se eles quisessem apresentar alguma coisa, já tinham apresentado. Então, nossos colegas estão, bravamente, aguardando lá dentro, vão continuar lá dentro, já falaram que não vão sair e a gente vai continuar aqui firme e forte dando apoio pra eles. Até como nós da Fafen comentamos: a gente veio numa caravana de Araucária e estamos aqui desde domingo e vamos ficar. Uma parte da nossa turma vai voltar, mas já tá vindo uma outra equipe também, que vai continuar e resistindo 24hrs aqui na vigília.

ED: O acampamento na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná está completando 17 dias. Você poderia contar um pouco mais sobre este acampamento para nossos leitores?

Petroleiro: Nós da Fafen, através da mídia e não através de negociação com o sindicato, ficamos sabendo que mil trabalhadores iam ser mandados embora. A gente já iniciou vários atos entre nós, e há 17 dias a gente está acampado. A gente iniciou nosso movimento, acorrentado no portão da empresa, impedindo toda passagem, mas depois veio uma liminar pedindo pra deixar meio portão aberto. Mas, o pessoal manteve o acampamento, se revezando 24h lá também, na frente da empresa - e a gente continua. Toda a nossa base, aderiu 100%, pessoal do turno administrativo.

Todo mundo está na frente da fábrica nesse acampamento e ta sendo um momento de muita força e de união porque nesse acampamento, a gente está lá não só com os trabalhadores mas com toda a família mesmo, temos fotos muito bonitas, depoimentos, não alegres, infelizmente, mas muito emocionantes, de filhos, dos nossos filhos, das nossas esposas, dos maridos que estão indo acompanhar e tão ficando com a gente lá nesse movimento.

Uma parte desse grupo veio aqui pro Rio de Janeiro, mas lá continua firme e forte, todos os trabalhadores continuam. No dia 1º foi dado o "start" da greve, e já entramos dentro da greve fazendo esse movimento. Nesse momento foi realizado o corte de rendição já do pessoal do turno, para não entrar mais na empresa, porque antes tava a condição que a empresa estava cobrando. Mas após deflagrada a greve, teve o corte de rendição, quando a empresa obrigou, através de muitas ameaças, que trabalhadores do grupo que estavam presentes nessa hora, a ficar 24h trabalhando, e os trabalhadores junto com as lideranças que tinham lá tentando negociar para que houvesse a saída, dizendo para que eles colocassem os trabalhadores que eles mesmos disseram que tinham. Eles mesmo falaram que tinham trabalhadores e que não precisavam da gente, tinham outros trabalhadores para colocar em nosso lugar. Mas eles não colocaram, eles cobraram da gente com muita ameaça, falando que a gente não poderia sair.

Quando estava findando essas 24h, todos muito muito exaustos já, teve que vir a procuradora para entrar na empresa, onde viu as condições em que nós estávamos trabalhando, e aí os trabalhadores foram dispensados. Dispensados não, na verdade os trabalhadores saíram, saíram dos seu postos de trabalho, mas sob muitas ameaças, ameaçando que iam ter ações juridicas, ações penais até. Mas assim, os trabalhadores já não aguentavam mais, se reuniram e saíram dos seus postos de trabalho e a procuradora viu as condições precárias que eles estavam trabalhando, inclusive durante essa noite tiveram muitos eventos, vazamento de amônia, tudo por conta da precarização que a gestão da empresa estava impondo, né. Teve vários eventos lá e o pessoal trabalhando 24h com todos esses intempéries, eventos realmente muito estressantes, cansativos.

À partir das 8h de trabalho, que tinha findado, começaram as negociações, e a gente queria uma rendição, porque os trabalhadores responsavelmente não queriam sair sem ter alguém que assumisse a empresa, e pensando até na próprio questão ambiental e da população em geral. Mas a empresa só pressionou e não colocou ninguém lá, e acabou culminando dos trabalhadores saírem e a empresa ficar lá, e a procuradora entrou e viu tudo.

O acampamento continuou dentro da greve, os trabalhadores aderiram 100%, tem muitas famílias lá, tem muitos trabalhadores que vão sozinhos mas tem muitos que vão com família e inclusive pra cá pro RJ eu vim com a minha esposa, outro companheiro veio com a esposa dele, outro companheiro trouxe a irmã dele, outro trouxe o primo dele, porque a gente tem muito claro isso que não é simplesmente uma demissão, não é uma pessoa que vai ser influenciada nesse processo, são famílias. A gente tá falando de 1000 famílias, não de 1000 trabalhadores só, pessoas que dependem, que construíram sua vida seu sustento, até sua própria identidade. Lá na fábrica o mais novo tem 12 anos de casa, daí temos pessoas de 15, 20 anos de casa, e aí eu me incluo nesse patamar, eu trabalho na Fafen há 20 anos já, mas pra frente de mim tem mais gente, tem gente de 25, tem gente de 30 anos que tá trabalhando lá, a gente tem um grupo de colegas que tá muito angustiado de ver todo esse pessoal simplesmente ser descartado como a gente descarta a garrafa de água depois que a gente consome ela né, então é realmente muito triste.

ED: A gente também vê um bloqueio da mídia muito grande, e quando ela vêm é para contar a história segundo o interesse deles. Como vocês estão vendo isso?

Petroleiro: É, a gente, assim, tá bem grato e confiante nessa vigília, porque a gente tem visto que, realmente, a grande mídia só vem defender o interesse dela: quando ela vê que tem alguma vantagem, eles divulgam, quando não tem eles não divulgam e assim é a grande mídia, geralmente deturpando esse movimento legítimo que a gente tá fazendo.

Porém, todas as mídias alternativas tão vindo, nós estamos tendo muito apoio, estamos muito gratos com a quantidade de pessoas, como vocês, que tão vindo, fazendo reportagens sérias, descrevendo realmente a situação que de fato está acontecendo, e também todo apoio que nós tamo tendo, todas as centrais estão vindo, todos os movimentos sociais que estão com a gente. Realmente tem muito setores, muitas pessoas estão vindo, a gente tem ficado grato também com a população, porque na população, como você acabou de colocar, às vezes não chega informação e às vezes as pessoas veem a vigília e param para tentar entender, e a gente explica um pouco para elas. As pessoas param, entendem e apoiam. Nós estamos tendo bastante apoio mesmo, é realmente bem gratificante, e estamos fortalecendo nossa luta, porque é árduo, é difícil, mas vamos levar toda essa informação realmente verídica dos fatos.

ED: Em alguns lugares lá em Araucária estava tendo a questão de vender a preços de custo o gás de cozinha, tirando os impostos para mostrar como a Petrobras poderia ser do povo. Como é isso? E sobre a absurda decisão do TST, de atacar o direito de greve dos petroleiros, como vocês estão lidando?

Petroleiro: Não recebemos um comunicado oficial, eles já divulgaram, mas não foi recebido o comunicado oficial. Mas referente a essa questão que você colocou de mostrar para população, nós estamos tentando reunir os cacos e fazer a nossa luta com a informação, que acho que é nosso foco principal, porque a população não tava chegando perto do movimento justamente porque não tinha informação.

Então essas atitudes que foram feitas como a distribuição do gás que foi colocado, lá em Araucária foi vendido o gás subsidiado pelos movimentos e a gente já tinha feito uma distribuição de alimentos também no centro de Araucária, de feijão, onde a gente senta e dialoga com a população, explica pra eles, assim, todo o preço, a cadeia até chegar no comércio, o tanto de imposto que é cobrado, e o tanto de atravessadores, todo esse processo. E realmente a partir do momento em que fica globalizado, que tá querendo ser entregue todo esse nosso patrimônio pro mercado internacional, pro capitalismo mesmo.

Eles só vão visar realmente o lucro e vão trabalhar com o mercado internacional, quando o mercado internacional estiver mais baixo eles vão puxar pro mercado nacional, então eles sempre vão praticar o preço mais alto que tem, e no final das contas, na cadeia produtiva vai estar encarecendo realmente. Foi um grande ato lá, foram 300 botijões que foram subsidiados, teve uma adesão gigantesca lá, realmente, mas foi bem bacana, a gente tem que tentar ter meios e artifícios de chegar até população, como ta sendo feito nesta vigília, a gente vê que o pessoal para e conversa com a gente e dialoga.

ED: Como vocês vêem este processo de ataques e privatização da Petrobras no marco de vários ataques contra a classe trabalhadora como um todo?

Petroleiro: A gente entendeu realmente que nesse processo, somos a bola da vez de todo esse desmonte, de toda essa atrocidade que estão fazendo com todo o povo, com todos os trabalhadores. A gente iniciou isso lá no golpe, daí a gente veio com uma reforma trabalhista que é para precarizar mesmo, pra trabalhar para gerar somente subempregos, e com a reforma da previdência, e a gente vê agora com o ataque muito feroz em cima da Petrobras porque a Petrobras é do povo brasileiro, ela é um patrimônio do povo e é isso que eles querem destruir realmente. Eles não querem ter mais patrimônio do povo eles querem realmente deixar tudo na iniciativa privada, tudo na mão de quem detém as maiores riquezas do mundo. Pra eles produzirem mais riquezas para eles e em cima de quem? Em cima de todos os trabalhadores, produzindo subempregos, produzindo precarização de uma forma avassaladora colocando trabalhador para executar o trabalho de 3 e assim por diante e a gente tá totalmente ciente que a gente é mais um em todo esse processo.

A gente é a bola da vez, a Petrobras trabalhou com muita força na Fafen no Paraná como laboratório de ensaio. Eles continuam irredutíveis nesse processo que estão fazendo com a gente, justamente porque a Fafen é um laboratório, a partir do momento que passar na Fafen eles vão pras outras unidades. Eles já estão com um processo de privatização de várias refinarias e daqui a pouco a Petrobras vai ser só um escritório não vai ter mais nada. A intenção vai ser só explorar ou seja reduzir a Petrobras ao que era lá nos primórdios quando foi construída por Getúlio Vargas, enquanto que na verdade a gente tá indo totalmente no caminho oposto. O projeto da Petrobras era servir para o povo brasileiro ter sua função social gerar empregos gerar trabalho, gerar mais empregos e eles tão indo totalmente no caminho oposto, diminuindo cada vez mais até não ter mais nada pra ser administrado.




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