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OPINIÃO | Partido leninista: partido conspirativo e partido de massas

terça-feira 2 de fevereiro de 2016 | 01:20

Vivemos novos tempos!!! Essa afirmação já virou lugar comum de junho de 2013 até aqui; uma nova conjuntura da luta de classes se abriu naquelas jornadas de luta, deixando pra trás de forma insuperável o momento anterior onde a própria palavra revolução tinha sido praticamente apagada do vocabulário.

Frente a essa nova situação uma série de debates se renovam e se tornam novamente presentes, um dos centrais certamente é sobre as ferramentas históricas necessárias para podermos transformar de forma radical a realidade. O momento anterior deixou profundas marcas na esquerda que só serão superadas por fruto de conflitos e experiências concretas dos novos lutadores que cada vez mais irão se colocar em movimento. Mas não nos equivoquemos e esperemos passivamente as novas experiências, a teoria pode cumprir um papel central de antecipar problemas e contradições, e apontar caminhos para resoluções e superações.

Um dos problemas fundamentais com os quais certamente todos os novos lutadores irão se deparar em relação aos instrumentos históricos necessários para seus combates será a questão do partido. Fruto das experiências com os partidos stalinistas e reformistas burocratizados e de todo espírito de época ligado a etapa anterior, que se expressou fortemente na tradição autonomista, parte importante dos novos lutadores tem grande preconceito e críticas severas a qualquer forma e a mera ideia de organização partidária, por mais que os revolucionários digam que seus partidos são diferentes e que são instrumentos essenciais à revolução.

Se apenas a experiência real das lutas poderá mostrar para esses novos setores a necessidade de um instrumento que permita a organização da vanguarda operária e da juventude, unificando esses setores em torno de uma estratégia e um programa comuns, a teoria pode cumprir um papel importante para afastar preconceitos e mostrar que certas críticas são expressão não da realidade e da história do que foi o partido revolucionário, bolchevique, que reivindicam os revolucionários marxistas hoje (trotskystas), mas das deformações concretas feitas pelos stalinistas de uma parte e das deformações ideológicas levada a cabo pela burguesia.

Um dos elementos chave da deformação ideológica sobre o partido bolchevique levada a frente pela burguesia e corroborada pelo que foi a realidade dos partidos stalinistas é que o partido de Lenin viveria num regime de ditadura pessoal do último, que não havia luta interna, que as posições do Comitê Central do partido teriam que ser seguidas de maneira cega pelos seus militantes. Nada mais longe da verdade; a história do bolchevismo foi a história de ásperas e profundas lutas internas, da permanente formação e dissolução de tendências. Num partido formado pelas mulheres e homens mais revolucionários do mundo não podiam deixar de existir profundos e agudos debates e contradições internas. O que permitia e permitiu que mesmo com esses agudos debates o partido fosse ferramenta essencial para a primeira revolução operária vitoriosa na história foi o grande comprometimento de seus membros com o objetivo que se dispunham a construir.

Para mostrar a falácia do discurso burguês faremos um breve resgate histórico das concepções de partido em Marx e Lenin, sem buscar nos limites desse artigo encerrar todos os muitos debates que se podem abrir a partir desse tema.

A concepção de partido em Marx

A primeira coisa a esclarecer em relação a isso é que diferente do que pensam muitos “marxistas” acadêmicos Marx não foi simplesmente um intelectual de esquerda, mas sim um dirigente revolucionário, um criador e organizador de partidos revolucionários; não por acaso a obra que sistematiza e populariza suas ideias se chama Manifesto do Partido Comunista.

Fazendo esse esclarecimento temos que pensar: quais foram as bases históricas para as concepções de partido formuladas por Marx, quais os exemplos de partidos operários com os quais ele conviveu, que foram os fundamentos sobre os quais ele formulou sua concepção de partido? Para além das seitas dos socialistas utópicos os dois grades tipos de partido operário com os quais Marx conviveu nos seu momento de formação e que foram a base a partir dos quais ele formulou sua própria concepção de partido foram:
1) O partido blanquista francês: partido conspirativo, fortemente centralizado, partia, a grosso modo, de uma concepção de que a derrubada do capitalismo e construção de uma sociedade socialista era tarefa não do conjunto da classe, posto que essa se encontrava em uma condição de subjulgamento e opressão sob o capitalismo, mas de um pequeno grupo de revolucionários profissionais, de homens combativos, disciplinados e determinados, que partindo de um plano pré-estabelecido num determinado momento se colocariam a frente de uma insurreição e derrubariam o sistema. Fruto dessa concepção o partido não precisava buscar se ligar e educar a classe num espírito de luta, posto que seria desnecessário e mesmo ruim, visto que colocaria em risco os membros do partido, que devia ser estritamente clandestino, nem buscar um momento de efervescência e politização das massas, dado que o momento propicio seria aquele a ser decidido pela organização.
2) O partido cartista inglês: partido de massas da classe operária inglesa na luta pelo direito ao voto para os trabalhadores e da regulamentação da jornada de trabalho. Era um partido do movimento operário, ligado as trade-unions (sindicatos) sem um claro recorte ideológico, onde conviviam os diversos setores do movimento operário.

Penso que dentre esses dois grandes exemplos históricos com os quais conviveu a concepção de partido da qual Marx mais se aproximou foi a concepção cartista. É evidente que sua concepção de partido ia para além da de uma organização onde simplesmente conviveriam todas as tendências do movimento operário, vide as inúmeras batalhas dadas por ele e Engels dentro do partido social-democrata alemão contra lassaleanos, contra Dhuring, etc, mas penso que a forma como atuou na I internacional, em frente única com todos os demais setores do movimento operário, mostra que a como a concepção que tinha Marx de partido é que esse era uma grande organização de toda a classe operária e que a própria experiência do movimento daria pouco a pouco razão ao setor mais consciente e revolucionário.

O desenvolvimento e aporte de Lenin para a concepção de partido revolucionário

Vivendo um momento e num lugar onde a revolução estava colocada na ordem do dia Lenin irá superar essa dicotomia entre partido conspirativo e partido de massas. Penso que o grande aporte, o grande desenvolvimento feito por Lenin na questão do partido, foi ter enxergado de forma clara que o partido operário revolucionário nunca abarca toda a classe operária, é sempre partido que organiza a vanguarda do proletariado. Isso por uma análise das condições objetivas que vive o proletariado sob o capitalismo. Explorado, atomizado, oprimido, o conjunto da classe operária não pode ter sob o capitalismo, em momentos de estabilidade da dominação burguesa, uma consciência clara das condições de exploração e opressão em que vive; posto que se fosse assim o capitalismo vivera numa crise permanente de sua dominação. Apenas em momentos específicos de crise orgânica da dominação burguesa pode a maioria do proletariado ter uma consciência mais clara, aproximada, das condições objetivas em que vive e visualizar a possibilidade da superação dessas condições.

Mas se em toda luta tivéssemos que novamente começar “do zero”, ou seja, se em todo ascenso de massas o proletariado tivesse que atuar como se aquela fosse sua primeira grande batalha, as experiências de luta do proletariado estaríamos fadados de novo e de novo, sempre novamente, a derrota, pois mais preparados e organizados os capitalistas teriam uma grande vantagem no teatro de operações. Esse é o papel do partido revolucionário - partido que necessariamente congrega apenas a vanguarda mais consciente da classe operária - sistematizar e transmitir as experiências das lutas passadas do proletariado, torná-las estratégia, teoria, programa, que permita que entremos nos novos enfretamentos agudos de classe não despreparados e tateantes, mas com um norte e um caminho a ser seguidos.

O partido é necessariamente partido de vanguarda porque fruto das condições de opressão em que vive só é possível a um pequeno setor do proletariado se colocar acima das formas ideológicas que constrói a burguesia para mascarar essas condições e ter uma compreensão de fundo da situação objetiva em que vive nossa classe.

O proletariado só chega de forma espontânea a uma consciência trade-unionista (sindical)?

Essa é umas das formulações mais polêmicas de Lenin em seu livro ‘Que fazer?’, uma das mais criticadas. Analisar essa obra do revolucionário russo é contextualizá-la no momento histórico em que foi escrita e seus objetivos imediatos; obra polêmica, não pode ser separada dos fins a que se propunha.

Na luta contra uma concepção artesanal de partido, a-política, que via apenas a luta econômica como uma luta importante dos trabalhadores, Lenin irá mostrar os limites dessa concepção e como ela impedia os desenvolvimento efetivo do movimento operário em busca de sua emancipação. Pra atingir esse fim muitas vezes Lenin, um jovem intelectual então com por volta de 32 anos, muitas vezes exagera e unilateraliza determinadas posições.

Penso ser claro que fruto das experiências posteriores do movimento operário russo Lenin reviu essa posição, sem nunca ter sistematizado isso em uma obra, mas diversas passagens em escritos seus que corroboram isso, tendo claro que o proletariado de forma espontânea pode alcançar uma consciência para muito além de puramente trade-unionista, chegando a uma consciência que poderíamos classificar de proto-revolucionária. Ou seja, o proletariado pode sozinho ir pra muita além de uma luta meramente sindical ou econômica, pode construir um grande movimento revolucionário que sacode as instituições do regime czarista, por exemplo, cria sovietes, etc. É proto-revolucionário e não diretamente revolucionário porque mesmo com toda essa capacidade sua espontânea sem um partido não pode o proletariado tomar o poder e garantir sua vitória contra as forças do antigo estado.

Partido leninista: partido conspirativo ou partido de massas?

Fruto da leitura dessa obra de Lenin ‘O QUE FAZER?’ muitos jovens ativistas acabam tendo uma visão do partido bolchevique como algo muito mais clandestino, conspirativo, centralizado de forma rígida do que seria correto. Novamente aqui é necessária a contextualização da obra para um correto entendimento.

Escrita num momento de rígida ditadura czarista, onde os militantes eram presos e deportados por conta de suas atividades, os princípios organizativos expressos por Lenin ali refletem essa realidade. A rígida disciplina e centralização, a impossibilidade de eleições abertas para os cargos diretivos, a predominância da militância profissional, todos esses elemento do regime de partido expressos por Lenin são expressão organizativa da necessidade da luta contra a repressão czarista.

Lenin em diversos momentos posteriormente expressou a relatividade dos princípios expressos nessa sua obra, mostrando que num momento de democracia burguesa, em que a existência do partido fosse algo legal, todos os cargos dirigentes deveriam ser eleitos, deveriam ocorrer congressos amplos do partido, com delegados eleitos de forma democrática, onde todas as posições existentes em seu interior tivessem direito a ampla divulgação e possibilidade de serem defendidas. O partido pensado por Lenin, portanto, longe de ser um pequeno círculo acessível apenas a intelectuais e poucos operários deveria ser um partido amplo, de massas, que buscasse se enraizar o mais amplamente possível na classe trabalhadora.

Esse caráter de massa que deveria assumir o partido não entrava em contradição com seu caráter conspirativo, de grupo organizado que busca planejar de forma consciente a derrubada do estado capitalista, mas antes era seu pressuposto e conclusão. Só abarcando os setores mais amplos possíveis do proletariado poderia o partido revolucionário realizar sua estratégia e programa (verdadeiros planos de guerra).

As linhas de demarcação entre o partido e o conjunto da classe

Também a concepção da relação entre o partido e o conjunto da classe tem um desenvolvimento no pensamento leninista posterior ao ‘Que Fazer?’. Enquanto nessa obra a linha de demarcação entre partido e classe aparece como bem clara e visível, posteriormente, novamente fruto das experiências da revolução russa de 1905, essa concepção será mais dialética e absorverá as contradições do desenvolvimento da luta de classes.

Lenin demonstra que sem nunca apagar totalmente a linha de demarcação entre classe e partido, pois mesmo nos momentos de maior politização apenas o setor mais de vanguarda da classe é claramente comunista, essa linha de demarcação é mais fluida nesse momento de maior atividade do proletariado. Nos momentos de crise revolucionária a linha de demarcação entre e classe e partido se torna mais tênue, menos marcada, portanto.

Assim vemos que essa relação entre classe e partido não obedece uma regra estrita para todos os momentos e lugares no pensamento leninista. Nos momentos de menor politização e menor participação politica dos trabalhadores ela continua sendo marcada, uma clara linha divisória, posto que apenas os setores mais decididos e abnegados continuam militando. Nos momentos de efervescência e maior politização, nos momentos revolucionários, essa linha é muito mais tênue, sem nunca se apagar totalmente, entre esses dois momentos extremos podemos encontra um arco tão amplo de relações entre partido e classe como é amplo o arco de conjunturas políticas possíveis entre um momento de forte estabilidade da dominação burguesa e um momento revolucionário.

Tendências e democracia interna

Outra lenda contada pela interessada intelectualidade burguesa em relação ao partido bolchevique, colocando um sinal de igual entre esse e o partido stalinista, é que não existiriam debates internos no partido e que seu regime interno seria ditatorial. Nada mais longe da verdade; a história do partido bolchevique é a história de debates abertos e acalorados, disputas sobre todas as questões importantes, rupturas, fusões, a formação e fim de diversas tendências internas, que se desfazem apenas para surgir novamente com novas figuras e sobre novas bases.

Analisando posteriormente a proibição da formação de tendências internas no partido bolchevique, algo que só se dará em 1921, em meio a guerra civil, Trotsky a verá como um movimento extremamente perigoso e danoso, cuja única justificação era a gigantesca contradição e os perigos que enfrentava a revolução e que deveria necessariamente ser uma medida limitada no tempo, de curta duração.

É essencial para a existência de um efetivo partido revolucionário, e compreendiam muito bem isso os bolcheviques, que dentro do partido possam se formar correntes de opinião e de ideias para combater políticas que vejam como equivocadas que sejam levada a frente pela direção num determinado momento.

Ernest Mandel em artigo publicado em 1989 (Auto-organização e partido de vanguarda na concepção de Trotsky) mostra as contradições da existência de uma tendência permanente, como isso mostra a existência de diferenças mais de fundo, que podem levar a futuros rachas dentro de uma organização, mas vê nisso um problema secundário frente a questão central que é manter o máximo de democracia interna dentro de uma organização revolucionária, como melhor antidoto contra sua degeneração burocrática, risco ao qual toda organização está submetida.

Conclusão

Nesse artigo tentou-se opor contra a legenda stalinista e burguesa do partido leninista como partido ditatorial e sem democracia interna e realidade de um partido profundamente democrático, vivo, conflituoso, e que visa ser de massas.

Tentou-se também mostrar como essa busca por ser um partido de massas em nada tira seu caráter conspirativo e revolucionário, muito pelo contrario, que esse caráter de massa é pressuposto e deve ser consequência de nossa estratégia e programa.

Se esse pequeno artigo ajudar a jovens ativistas e militantes a terem uma primeira aproximação da concepção de partido expressa por Lenin (concepção essa que só pode se aprofundar com a leitura dos textos do próprio revolucionário russo) o autor dessas linhas já se dará por mais que satisfeito.




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