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Isa SantosAssistente social e residente no Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ

quinta-feira 18 de fevereiro de 2016 | 01:00

Passou o carnaval e nas universidades publicas e privadas, pelo menos em sua maioria, é tempo do ingresso de novos estudantes. Estudantes estes, que nas universidades federais e estaduais conseguiram passar pelo filtro social que é o vestibular, o próprio ENEM-SISU e suas notas altíssimas de corte e ingressar no ensino superior. No caso da UERJ estes estudantes ingressam na universidade que carrega consigo, mais de 10 anos de cotas e o posto de uma das pioneiras deste sistema.

Para exemplificar, no período que abrange os anos de 2003 á 2012, 8.759 estudantes ingressaram pelo sistema de cotas sendo 4.484 por critério de renda e 4.146 por cotas raciais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Muitos desses foram e serão os primeiros membros da sua família a se formarem. É claro que a implementação das ações afirmativas são uma avanço, contudo, mínimos se comparado ao que significa a fundação das universidades no Brasil. E é diretamente relacionado à fundação das universidades que está a pratica do trote.

Esta atividade foi implementada no Brasil a partir dos exemplos violentos da Universidade de Coimbra (Portugal), que por sua vez tem suas origem relacionadas a práticas da Idade Media, o trote é a reafirmação do caráter elitista em que foram fundadas as intuições de ensino superior no Brasil, já que tais instituições surgem de acordo e para sanar as necessidades do Império, da Burguesia escravocrata e das instituições portuguesas no país.

Não há como discutir o “ritual” do trote por fora desta realidade, por fora deste sistema e dos mecanismos feitos, essencialmente, para deixar a grande parte dos estudantes que concluem o ensino médio sem mesmo a perspectiva de cursar uma universidade, que dirá pública. Tão ligado ao elitismo está tal prática que os trotes mais violentos, racistas, misóginos e homofóbicos são os cursos e universidades mais elitizadas. Que tem o trote como ritual que ganha status de “sagrado”. São nestes mesmos cursos e instituições que negros, LGBTS e mulheres são minorias ou não são representados. Instituições estas que, recorrentemente, tem escândalos onde o trote é meio de normatizar “brincadeiras” recheadas de racismo, LGBTfobia e estupros. Como a faculdade de medicina da USP que foi investigada pela CPI Alesp(Assembleia legislativa de são paulo) pelas denúncias de ofensas machistas, racistas e homofóbicas, além de casos de discriminação, abuso sexual e estupro. São esses cursos e instituições vitrines da ascensão social.

Muitos antropólogos tratam rituais de passagem como rituais conhecidos por uma forte marcação dos sujeitos que sofrerão uma transformação no ritual para depois emergir com um novo status. E é justamente isto o que acontece no trote. Aqueles que passam do filtro social do vestibular, são humilhados, marcados, mas depois emergem “doutores”. Um ritual marcado para mostrar a todos, numa breve humilhação que dali em diante já não serão mais pessoas comuns mas os donos do país, serão os “doutores”, donos do conhecimento.

Instituídos sob essas bases o trote não poderia apresentar um caráter, que signifique outra coisa senão a comemoração do que deveria ser possível à todos: o acesso a educação pública, gratuita e de qualidade. Pensar a entrada de estudantes na universidade, e por consequência, a forma de recepciona-los deve estar ligado com o papel que cumprimos dentro da universidade, qual modelo de educação reividicamos e qual tipo de relações estamos reproduzindo.

O trote busca dividir os alunos e a perpetuar uma relação de poder por meio da reprodução de relações hierárquicas que é parte da estrutura universitária, e da sociedade, instituída sobre os moldes capitalistas. Não podemos nos posicionar favoráveis a praticas que reafirmam o caráter elitista da universidade, não há como basear tais rituais em definições como a de “brincadeira” ou que os alunos que passaram por isso esperam e/ou gostarão. Estas definições não levam em consideração os alunos trabalhadores que furaram o filtro social que é o vestibular, camuflam o fato de que existe uma situação que coage os ingressantes a participarem desse “ritual” e contribuem para um perpetuação das estruturas, relações e ritos universitários de forma acrítica e descolado do papel que estas instituições devem ter na sociedade.

Repudiar e abdicar o trote não quer dizer abrir mão de recepcionar os ingressantes. Pelo contrario, significa recebê-los sem praticas constrangedoras, racistas, misóginas e homofóbicas. Significa sim festejar com aqueles que conseguiram entrar na universidade, mas dentro de um espírito sem opressão, de arte, de comemoração e de luta. Luta para que os muros das universidades sejam derrubados e que os conhecimentos ali produzidos possam ser construídos por todos e que venham a favorecer a classe trabalhadora e os setores oprimidos.

¹ http://noticias.terra.com.br/educacao/rj-10-anos-apos-cotas-alunos-pedem-mais-ajuda-financeira,b69278967fb5e310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html




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