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Para destruir a CLT, Temer importou reforma trabalhista alemã

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

domingo 18 de dezembro de 2016 | Edição do dia

A reforma trabalhista de Temer é o maior ataque à legislação trabalhista desde a "redemocratização", e significa na prática destruir a CLT. O governo quer aplicar a contratação do trabalhador por hora e por produtividade, sem os direitos da CLT, e a realização de contratos temporários de 180 dias; também tornou mais baratas as demissões, reduzindo a multa do FGTS.

Vários destes elementos foram experimentados na reforma trabalhista alemã, que os golpistas almejam alcançar.

Se fossemos sintetizar: em Berlim, o chamado Plano Hartz-Agenda 2010 (lançada em 2003) congelou salários, criou um setor de remuneração baixa (€ 400) e um modelo de terceirização com trabalho temporário e subcontratação, permitindo o “empréstimo” de mão de obra, redução do valor da aposentadoria para 60% do último salário bruto e aumento da idade de aposentadoria de 65 para 67 anos, entre outras mudanças.

A reforma, introduzida pelo governo do então chanceler socialdemocrata Gerhard Schröder resultou em queda de 4,5% nos salários, com aumento da pobreza — pessoas que ganham até € 14 mil por ano mesmo com emprego.

O Plano Hartz

O Plano Hartz recebeu o nome de seu patrocinador, Peter Hartz, um dos chefes da Volkswagen e que liderou a comissão que avaliou a reforma. Foi dividido em quatro pilares. Cada trecho deles foi aprovado no Parlamento em diferentes projetos de lei. A reforma era tão grande que foram necessárias quatro leis separadas. Começou em 2003 e a cada tantos meses foram aprovados o Hartz 1, Hartz 2, Hartz 3 e, finalmente, o Hartz 4.

No primeiro pilar, a lei tratava de “padrões trabalhistas não convencionais”. Isso significa contratos não permanentes, trabalhadores rotativos de curto prazo, empregados que eram contratados por agências e terceirizados para empresas. Conhecemos isso bem no Brasil, que teve triplicado o número de terceirizados na década petista. Mas Temer quer o que conseguiu o governo alemão: o que ocorreu é que a lei passou a permitir que esses contratos fossem simplificados. “Antes, a lei era muito estrita. Se você quisesse empregar uma pessoa, teria basicamente de ser um contrato permanente. Isso foi facilitado e os contratos temporários foram acelerados”, diz Daniel Samaan, economista da OIT. Mas, ao mesmo tempo, ficou estabelecido que os contratados teriam remuneração igual à dos empregados permanentes e teriam o mesmo tratamento dentro da empresa. Os mesmos salários e os mesmos benefícios teriam de ser dados.

O segundo Plano Hartz lidou com o que chamamos de “mini-jobs” (miniempregos). Esses são os empregos para pessoas que trabalham menos de 15 horas por semana: estudantes, aposentados ou alguém em busca de uma renda extra. Até então, os encargos trabalhistas mínimos afastavam as empresas desta modalidade de contratação; queriam uma exploração maior. O Plano Hartz 2 removeu os “empecilhos trabalhistas” como os direitos de rescisão de contrato e indenização, ao sabor da patronal.

A terceira parte do Plano é a concretização do que Karl Marx dizia, “o trabalhador não é um escravo assalariado de um patrão, mas de toda a classe burguesa”. Consistia na criação de uma agência federal de contratação de funcionários, que repassa um contrato precário de uma empresa a outra, quando a patronal necessita.

O Hartz 4 estabelecia maior rigidez para um trabalhador conseguir acesso ao seguro-desemprego. O período em que uma pessoa passou a receber o seguro também foi encurtado. A lei anterior previa que, por até 24 meses, uma pessoa receberia seguros “generosos”. Com a lei, isso foi reduzido para 12 meses. Os valores são significativamente reduzidos e as exigências para que essas pessoas recebam esses benefícios ficaram mais rígidas.

O resultado deste pacote de medidas não podia ser outro: em menos de uma década, a Alemanha atingiu a cifra de 10 milhões de trabalhadores terceirizados, o aprofundamento do “trabalho precário”, trabalhadores mal pagos, que são cedidos (ou emprestados) de uma empresa a outra e, no fim, recebem apenas parte do que é pago pelo contratante final.

A precarização generalizada como "estatuto trabalhista"

Este é o projeto de Temer, importado de um país imperialista a uma semicolônia como o Brasil. Naturalmente, o Brasil não dispõe dos recursos imensos que a Alemanha centraliza produto do saque e da rapina de sua burguesia nacional sobre todo o Leste europeu e os Bálcãs, que desde a década de 90 se tornaram uma verdadeira “linha de produção” da indústria alemã que lá explora mão-de-obra barata. Altamente dependente das economias centrais, na maior crise econômica desde a década de 30 e com os benefícios dos preços das matérias-primas tendo desaparecido, o Brasil reserva uma versão mais brutal desta mesma reforma.

Mesmo os analistas burgueses que apoiam a reforma, como Julimar da Silva Bichara, professor de economia da Universidade Autônoma de Madri, diz que “Se você leva esse tipo de reforma para países como o Brasil, onde a política social do Estado praticamente não existe, você está levando o pior dos mundos, ao flexibilizar de uma maneira selvagem o mercado de trabalho, e o se trabalhador perde o emprego, ele não tem proteção social”, destaca. “Não são situações comparáveis. Você copiar esse modelo e levar é o que se poderia fazer de pior.”

Ainda falando da Alemanha, passados dez anos da reforma trabalhista, o recurso dos mini-jobs acabou se generalizando. A expectativa do governo era de que 5% dos trabalhadores estivessem nesse sistema, mas a taxa hoje é de 20%. Mais de 7 milhões de alemães trabalham nesse regime.

Entre eles, estão muitos estudantes, mas também mães de família e aposentados em busca de um complemento para a renda. Outros, no entanto, não encontram uma opção melhor de emprego – uma situação provisória que acabou se tornando definitiva.

Hoje, quase todos os trabalhadores do setor de serviços têm contratos na faixa de € 450. Já na construção civil, prevalece o modelo de terceirização. Esses profissionais ganham tão pouco que recebem ajuda complementar do Estado para atingir o patamar considerado mínimo para a sobrevivência.

Saldo total: cerca de 15,5% dos alemães vivem na pobreza (antes da reforma eram menos de 5%), enquanto 10% da população dispõe de mais da metade dos bens do país.

A flexibilização na contratação do trabalho causou distorções tão fortes que o governo resolveu recentemente introduzir um salário mínimo, calculado em € 8,5 por hora de trabalho.

No Brasil, é preciso paralisar o país contra a destruição da CLT. A CUT e as demais centrais devem convocar assembléias de base em todos os locais de trabalho para que os trabalhadores decidam democraticamente como lutar contra a reforma trabalhista e da previdência. Todos os recursos dos sindicatos devem estar á disposição de organizar a resistência.




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