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DEBATE NA ESQUERDA | PSOL, PSTU e a campanha para que todo político ganhe o mesmo que uma professora

Daniel MatosSão Paulo | @DanielMatos1917

terça-feira 9 de junho de 2015 | 00:37

Várias figuras públicas do PSOL e do PSTU têm aderido à campanha impulsionada pelo Esquerda Diário para que todo político ganhe o mesmo salário que um professor, que já alcançou mais de 200 mil "curtidas" na internet. De distintas partes do país, nossos leitores têm escrito para a redação questionando que os parlamentares do PSOL têm uma prática contraditória com essa campanha e que o PSTU não coloca seu peso sindical a serviço de projetá-la nacionalmente e ajudar a transformá-la em um grande tema de debate nacional. Essa necessidade se faz ainda maior em função das greves de professores do ensino médio que se alastraram por mais de 10 estados nos últimos meses, assim como do descontentamento generalizado em relação ao corte de verbas na educação por parte do governo Dilma e dos governos estaduais, que deram lugar a uma greve nas universidades federais que já expandiu para mais de 43 unidades de ensino superior.

O exemplo dos parlamentares do PSOL

Em entrevista ao apresentador Marcelo Taz apenas algumas semanas depois que as grandes manifestações de junho de 2013 questionaram os privilégios à casta de políticos profissionais que domina o país, Jean Wyllys, deputado federal do PSOL pelo Rio de Janeiro, declarou que o salário dos deputados não era excessivo.

Enquanto toda e qualquer pessoa se indigna com os benefícios dos deputados – assim como dos juízes e outros cargos políticos –, que constituem verdadeiros salários indiretos que ultrapassam os R$ 100.000 ao mês; Jean Wyllys utilizou seu prestígio como deputado de esquerda para deslegitimar essa indignação, naturalizando esses benefícios como recursos necessários para o exercício da função. Disse que até existiriam alguns “excessos” em salários de funcionários públicos de carreira que incorporaram gratificações, e que não seria necessário que algumas assembleias legislativas não precisavam dar um carro novo para cada deputado, ao mesmo tempo em que reconheceu que esse era um “direito” adquirido por esses funcionários e não sabia o que agora se poderia fazer para acabar com isso.

Ao mesmo tempo em que o Dieese diz que o rendimento médio dos assalariados formais no país em 2013 foi de R$ 1.637 e que o IBGE diz que 72% dos brasileiros ganhavam até 2 salários mínimos, Jean Wyllys afirmou que era “justo” seu salário bruto de R$ 15.000 como deputado. Sem se importar em nem mesmo dialogar com o imaginário popular de que a maioria dos deputados trabalha muito pouco, e que o pouco que trabalha é para votar leis a favor dos mais ricos, deixando de lado os prejuízos que a privatização do ensino superior causam ao país, o deputado do PSOL alegou que esse salário seria justo porque equivalia ao que ele estaria ganhando se trabalhasse como professor 40 horas por semana em uma universidade privada.

Frente a essas declarações, que foram exploradas pela imprensa de direita e geraram um “furor” nos meios de esquerda, o PSOL se calou. A direção nacional do partido não emitiu qualquer pronunciamento contrário. Tampouco o fizeram as principais figuras públicas do partido como Ivan Valente, Luciana Genro, Chico Alencar, Randolfe Rodrigues, Edmilson Rodrigues etc.

O fato é que com 10 anos de existência, nunca qualquer parlamentar do PSOL fez uma campanha pública defendendo que os parlamentares, os juízes e funcionários políticos ganhassem o mesmo que a média de um trabalhador qualificado. E atualmente, frente ao crescimento da indignação popular com os escândalos de corrupção, a proposta de “Reforma Política” defendida pelo PSOL tampouco diz uma palavra sobre esse problema.

Uma campanha inspirada no exemplo dos deputados do PTS na Argentina

O Esquerda Diário é parte de uma rede latino-americana de diários digitais, que tem no Partido de Trabalhadores Socialistas (PTS) da Argentina seus principal impulsionadores. Nesta rede buscamos expressar as experiências de nossos irmãos de classe nos países vizinhos que podem enriquecer as perspectivas da esquerda no Brasil.

Desde que assumiu sua primeira bancada parlamentar na assembleia legislativa do estado de Neuquém em 2013, e de maneira ainda mais forte quando elegeu o deputado federal Nicolás Del Canõ e outros deputados estaduais e vereadores em distintos estados em 2014, o PTS vem impulsionando uma campanha permanente para instalar em todo o país para instalar a ideia de que todo parlamentar, juiz ou funcionário político deveria receber o mesmo salário médio de um trabalhador qualificado. Assim que assumem seus mandatos, todos os deputados ou vereadores do PTS passam a receber o mesmo salário que uma professora com 20 anos de carreira e doar o restante às lutas dos trabalhadores. Em cada casa legislativa em que estão, impulsionam um projeto de lei para instituir essa norma como obrigatória em todo o país para acabar com os privilégios da casta política.

A cada greve de professores, frente aos ataques que os políticos e juízes capitalistas buscam impor sobre os trabalhadores, com debates nas assembleias e abaixo-assinados, colocando a projeção midiática dos parlamentares a serviço das lutas, utilizam esses projetos de lei para desmoralizar a casta política privilegiada e valorizar as justas demandas por salários dignos. Sem nenhuma ilusão de que os políticos burgueses vão querer acabar com seus próprios privilégios, confiando que apenas a mobilização independente dos trabalhadores pode acabar com o parasitismo da casta política, buscam criar as condições para que essa batalha seja tomada pelos próprios trabalhadores com seus métodos de luta.

Uma reivindicação que pode ajudar a forjar uma consciência anticapitalista

A reivindicação de que todo parlamentar, juiz ou funcionário político ganhe o mesmo que o salário médio de um trabalhador qualificado se inspira na Comuna de País de 1871, o primeiro governo operário da história, que em sua curta duração (de 18 de março a 28 de maio) deixou uma série de lições que se transformaram em bandeiras de luta da classe trabalhadora ao longo do século XX.

Sobre essa experiência, Lênin dizia: “Em vez de instituições especiais de uma minoria privilegiada (a burocracia privilegiada, os chefes do exército permanente), a maioria pode efetivar isso diretamente, e quanto mais todo o povo intervenha na execução das funções próprias do poder do Estado tanto menor será a necessidade de tal poder. (...) Nesse sentido, é particularmente notável uma das medidas decretadas pela Comuna, que Marx destacava: a abolição de todos os gastos de representação, de todos os privilégios pecuniários dos funcionários, a redução dos salários de todos os funcionários do Estado ao nível do ‘salário de um operário’. (...) A cultura capitalista criou a grande produção, as fábricas, as ferrovias, o correio, o telégrafo etc., e sobre essa base uma enorme maioria das funções do antigo ‘poder do Estado’ foram simplificadas a tal ponto que podem ser reduzidas a operações tão simples de registro, contabilidade e controle, funções essas totalmente executáveis por todos que saibam ler e escrever, que podem ser executadas por um ‘salário corrente de um operário’, que podem (e devem) ser despojadas de todo resquício de algo privilegiado e ‘hierárquico’”. (Lênin, O Estado e a Revolução).

A negativa do PSOL em lutar contra toda e qualquer forma de privilégio é uma consequência inexorável da separação que este partido faz entre a miséria do possível pelo qual seria possível lutar dentro dos marcos do capitalismo e uma perspectiva socialista futura que termina perdendo-se num horizonte longínquo. A “democracia” capitalista só pôde se estabilizar como tal coexistindo com uma gigantesca desigualdade social cujas contradições e conflitos são “contidos” e “resolvidos” em base a uma brutal repressão policial sistemática. E um sistema político que coexiste com tamanha desigualdade social só pode se estabilizar minimamente em base à utilização estrutural da corrupção e dos privilégios como mecanismo de domínio. Não só para sustentar uma casta de funcionários separados das massas para defender os interesses de uma minoria capitalista, mas também para cooptar as lideranças populares como ocorreu com o PT.

Frente a uma “democracia” que tem essas características, lutar consequentemente contra os privilégios da casta política exige defender medidas que ao mesmo tempo em que são de uma simplicidade evidente até mesmo para o trabalhador mais despolitizado, se chocam contra os pilares de sustentação do capitalismo e abrem o caminho para a luta por uma sociedade sem exploradores não num futuro a perder de vista, mas sim no dia-a-dia das batalhas que temos colocadas para hoje, como por exemplo não deixarmos que a direita fique com a bandeira da luta contra a corrupção.

A completa elegibilidade e revogabilidade em qualquer momento de todos os funcionários, sem exceção; a redução do seu salário aos limites do ‘salário corrente de um operário’; estas medidas democráticas, simples e ‘evidentes por si mesmas’, ao mesmo tempo em que unificam a totalidade dos interesses dos operários e da maioria dos camponeses, servem de ponte que conduz do capitalismo ao socialismo. Estas medidas concernem à reorganização do Estado, à reorganização puramente política da sociedade, mas é evidente que somente adquirem seu pleno sentido e importância em conexão com a ‘expropriação dos expropriadores’ em realização ou em preparação, isto é, com a transformação da propriedade privada capitalista dos meios de produção em propriedade social.” (Lênin, O estado e a Revolução).

O PSTU na metade do caminho

O vereador do PSTU em Belém, Cleber Rabelo, operário da construção civil, propôs um projeto de lei para que todos os vereadores da cidade tivessem sua remuneração fixada em 8 salários mínimos, o que reduziria os atuais R$15.031,76 para R$6.304,00 mensais. A vereadora de Natal pelo PSTU, Amanda Gurgel, professora da rede pública, quando assumiu o cargo declarou que todo vereador deveria receber o mesmo que um professor, e que ela mesma receberia o mesmo salário que tinha antes (R$ 2.663), destinando o restante dos R$ 15.000 referente ao seu mandato para as lutas dos trabalhadores.

Reivindicamos esse exemplo dado pela companheira Amanda Gurgel. Entretanto, perguntamos aos companheiros do PSTU porque desde 2012 quando foi eleita até hoje esse exemplo de Amanda não foi transformado em uma campanha nacional pelo partido. Perguntamos em especial porque o PSTU nunca propôs que a CSP-Conlutas impulsionasse essa campanha, nem tampouco batalhou para que os sindicatos e oposições sindicais de professores ligados à CSP-Conlutas levantassem essa campanha para fortalecer as lutas dessa categoria por salários dignos e ligar suas lutas econômicas à luta contra os privilégios da casta política que domina o país é responsável pelas péssimas condições da educação; a mesma casta que agora aprova cortes de verbas como parte dos pacotes de ajustes implementados em todo o país. Perguntamos também porque Cleber Rabelo defende que os vereadores recebam 8 salários mínimos, um valor muito superior ao que seus colegas peões da construção civil recebem, e que seguramente debilitará a batalha para que essa demanda possa ser tomada pelos próprios operários de onde Cleber provém; assim como impossibilita que a CSP-Conlutas impulsione seu projeto de lei como parte de uma campanha nacional para que todo político ganhe o mesmo que um operário qualificado.

No 2º Congresso Nacional da CP-Conlutas, os delegados do MRT batalharam para que essa campanha fosse aprovada e impulsionada pela Central. Consideramos que sua aprovação foi um importante avanço, e chamamos os companheiros da CSP-Conlutas a impulsioná-la junto com o Esquerda Diário.




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